Cem anos de discussões inúteis
Adelto Gonçalves (*)
Exatamente dez anos depois de o governo do Estado ter anunciado a construção de uma ponte estaiada na Ponte da Praia, ligando Santos a Guarujá, a Santos Port Authority (SPA), ou Autoridade Portuária de Santos - nova designação dada à antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) - apresenta, desta vez, um projeto de um túnel imerso para a ligação seca entre os dois municípios. No começo deste ano, a SPA pretende fazer edital público para a realização de estudos relativos ao túnel.
É de se lembrar que desde 1927 discutem-se projetos para uma ligação seca entre Santos e Guarujá. E, a se levar em conta o ritmo das audiências e as divergências em torno dos projetos, com certeza, vamos chegar facilmente a um século de discussões infrutíferas. Até porque o governo João Doria (PSDB) já deixou claro que prefere a construção de uma ponte que, a princípio, seria erguida na região da Ponta da Praia.
O projeto prevê agora uma ponte pênsil - antes era estaiada - com 750 metros de largura e 85 metros de altura no vão principal. O investimento seria bancado pela EcoRodovias, por meio de um aditivo à concessão das rodovias Anchieta e Imigrantes, que expira em 2026.
É claro que estudos não faltam - e, em um século, é impossível imaginar o montante de recursos públicos gastos com eles -, mas, seja como for, alguns desses projetos mostram que essa superponte poderia vir a inviabilizar a expansão do porto, já que a tendência é que os armadores construam navios cada vez mais altos e maiores. Com isso, a navegabilidade seria prejudicada e haveria elevado risco de acidentes. Sem contar que o tempo de manobra dos navios de grande porte haveria de aumentar, abrindo a possibilidade de filas para o acesso ao canal do estuário.
O projeto defendido pela SPA prevê a construção de um túnel submerso interligando as duas margens do cais, que seria construído entre o Cais de Outeirinhos e o distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá, a cerca de 21 metros de profundidade. E seria levado adiante como subconcessão da própria SPA. Acontece que o governo federal já anunciou para 2022 a privatização da SPA, o que pode dificultar ainda mais a execução do projeto, suscitando novas e infindáveis discussões. No caso, a futura empresa concessionária herdaria a responsabilidade por sua construção e administração, o que faz prever tarifas de pedágio muito altas para os usuários.
A princípio, este projeto, como sabe quem já passou pelo túnel do Canal da Mancha, tem vantagens logísticas sobre a ponte, além de beneficiar a mobilidade urbana, porque o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Santos já chega muito perto de onde viria a ser construído o túnel. Além disso, desoneraria usuários do Sistema Anchieta-Imigrantes, complexo de rodovias que conecta São Paulo à Baixada Santista e é operado pela EcoRodovias, pois estimularia a utilização do sistema ferroviário, em detrimento dos caminhões.
É de se ressaltar que a diferença entre os custos de cada projeto não chega a ser significativa, levando-se em conta a magnitude das construções. O túnel está orçado em R$ 3,3 bilhões, enquanto o custo da ponte poderia chegar a R$ 3,9 bilhões, segundo novas estimativas.
De tudo isso, o que preocupa é que a engenharia brasileira não merece muito crédito. Como exemplo, pode-se lembrar que a pista descendente da rodovia dos Imigrantes, inaugurada em dezembro de 2002, hoje só é acessível para veículos leves, enquanto os caminhões e carretas que levam contêineres e outras cargas para o porto de Santos são obrigados a usar a via Anchieta, construída na década de 1940, o que resulta em trânsito lento e engarrafamentos. Tudo por causa de um erro de cálculo que tornou a pista inclinada em demasia para a descida de veículos pesados. Mas, em duas décadas, parece que a engenharia brasileira evoluiu muito. É o que esperamos.
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(*) Adelto Gonçalves, jornalista e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), é especializado em logística, portos e comércio exterior. E-mail: marilizadelto@uol.com.br