Selo de respeito ao isolamento social
Adilson Roberto Gonçalves
No combate à pandemia do novo coronavírus e da covid-19, doença dele resultante, países e regiões que entraram em quarentena há mais tempo têm a tendência também de serem os primeiros a afrouxar as restrições de movimentação de pessoas. Tais medidas já estão sendo adotadas, especialmente na China e na Europa, dentro de um criterioso conjunto de balizadores, como a diminuição das taxas de contaminação, a garantia de sistemas médicos para atendimentos de pacientes graves e a massificação de testes de identificação do vírus.
O Brasil retardou a implementação das medidas de isolamento social, primeiramente em função de o vírus ter aqui chegado depois, mas em grande parte pela indecisão governamental sobre a melhor forma de fazê-la. Querer antecipar a volta às atividades econômicas com o argumento de não ficar atrás em relação ao resto do mundo é ignorar a dinâmica epidemiológica da doença. Além disso, aqueles países e regiões podem muito bem introduzir uma espécie de "selo de produtos e serviços que respeitem a quarentena".
Tal forma de proteção de mercado seria muito danosa ao nosso País na economia pós-pandêmica. Como em outras situações, haveria alguma vantagem no curto prazo ao atender uma demanda reprimida nessas semanas de confinamento, mas que seria insustentável no longo prazo. A cadeia produtiva globalizada integra produtos e serviços no mundo todo e são poucos os sistemas de produção restritos a um mercado local. Não possuir tal selo seria mais uma barreira ao produto brasileiro.
É utópica a possibilidade? Alguns exemplos das última décadas dizem que nem tanto.
No início dos anos 2000, consumidores foram convencidos a comprar veículos com motores flex-fuel, ao invés de carros movidos exclusivamente a etanol ou a gasolina. A liberdade da escolha do combustível esconde o fato de que esses motores têm menor eficiência do que aqueles que funcionam apenas com um ou outro combustível. No jargão industrial são como o pato: anda, voa e nada; faz tudo, mas não faz muito bem cada coisa.
A Alemanha é um exemplo de país que usa a rotulagem ambiental para melhor vender seus produtos e serviços e convencer os consumidores que vale a pena pagar mais pela garantia da proteção ao meio-ambiente e uma cadeia mais sustentável de produção. Logo após o acidente com a usina atômica de Fukushima em 2011, declarou que não mais utilizará energia de origem nuclear, cujas usinas serão desligadas até 2022, mesmo com o maior custo que isso acarretará.
Na Europa, a indústria papeleira nos anos 1990 determinou que não mais se utilizasse o gás cloro nos processos de branqueamento para a obtenção de polpa. O Brasil, um grande exportador desse produto agro-industrial modificou rapidamente suas indústrias para atender ao mercado europeu.
São exemplos históricos. Economia não é ciência exata, não é como o cálculo termodinâmico da energia que pode ser obtida de algum material. Exemplo atual e simbólico é o preço negativo do petróleo, uma matéria-prima de altíssimo conteúdo energético, mas que não está sendo valorizado por isso, mas, sim, pela política e outras conjunturas não científicas.
Menos como ideia ou proposta, o selo comercial e industrial de proteção a quem respeitou a quarentena é assunto para discussão e reflexão, pois a propaganda continua sendo a melhor arma do negócio.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, autor do livro de divulgação científica "Transformações na terra das goiabeiras" (2017).