Comércio exterior sem viés ideológico
Milton Lourenço (*)
SÃO PAULO - Durante os 13 anos (2003-2016) de domínio do Partido dos Trabalhadores (PT), o Brasil perdeu boas oportunidades de crescimento em razão de uma visão marcada pelo viés ideológico, que, entre outras estultices, jogou pela janela em 2005 a proposta norte-americana para a criação da Aliança de Livre-Comércio das Américas (Alca), que poderia ter impulsionado o comércio exterior do País.
Agora, mesmo com o PT alijado da macropolítica por força do voto popular, o Brasil corre o mesmo risco, pois se constata a idêntica visão estrábica, só que no sentido inverso, de alinhamento automático com os EUA. Ou seja, não se leva em conta que a melhor política externa é aquela que passa longe de divergências ideológicas, enfocando apenas as vantagens comerciais.
Como se sabe, o presidente norte-americano Donald Trump ameaçou os chineses com a imposição de uma tarifa de 10% sobre importações de produtos da China, atualmente ao redor de US$ 300 bilhões. Em resposta, a China não só decidiu desvalorizar o yuan, o que arrastou os mercados financeiros globais para baixo, como suspendeu compras de produtos agrícolas dos EUA. Essa decisão deve provocar nova resposta norte-americana que irá agravar uma guerra comercial que teve início em meados de 2018. Por seu lado, a China vem diversificando seus parceiros a fim de reduzir sua dependência em relação ao mercado norte-americano.
Diante disso, a melhor estratégia para o governo brasileiro seria a de manter uma posição de neutralidade, procurando aprofundar o relacionamento comercial, sem tomar partido nessa guerra comercial. Naturalmente, se os produtos chineses não puderem entrar no mercado norte-americano, haverá espaço que poderá ser preenchido por produtos brasileiros e de outros países. Ao mesmo tempo, a continuação do bom relacionamento com a China poderá ampliar a cooperação entre as duas nações, com a abertura de mercado para os produtos brasileiros.
Durante a campanha de 2018, o presidente Bolsonaro deixou explícita a sua adesão à doutrina do presidente Trump, o que se tem materializado em sua insistência em patrocinar a indicação de seu filho para o cargo de embaixador em Washington, apesar de seu flagrante despreparo para a missão, ao mesmo tempo em que afirmou que a China estava "comprando o Brasil" durante o governo Temer, acrescentando que isso não seria permitido em sua gestão.
Depois que assumiu o cargo, o atual mandatário não deu mostras de que tenha recuado em sua postura. Pelo contrário. Ao final de junho, em Osaka, no Japão, por ocasião da reunião de cúpula do G-20, deixou de realizar um encontro com o presidente da China, Xi Jinping, "por motivos logísticos", sob a alegação de que teria havido um atraso na agenda do chinês.
De qualquer modo, o presidente tem uma viagem prevista para a China em outubro, que poderá servir para afastar quaisquer mal-entendidos. Afinal, parece claro que ao Brasil só interessa manter equidistância entre os dois polos. Até porque a China é o destino de mais de 30% das exportações brasileiras e dispõe do maior mercado consumidor do mundo, além de fazer grandes investimentos em nossa infraestrutura, enquanto os EUA são o segundo maior parceiro do Brasil, atrás apenas do país asiático.
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, no primeiro semestre deste ano, o Brasil importou dos EUA bens no valor de US$ 16,9 milhões, enquanto as importações de produtos chineses somaram US$ 21,1 bilhões. Em julho, porém, as exportações norte-americanas para o Brasil cresceram 19,7%, ao passo que as vendas chinesas registraram queda de 23,9%. Seja como for, ainda é cedo para se dizer que, até o final de 2019, os EUA voltarão a ocupar o lugar de principal parceiro comercial do Brasil.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional das Empresas Transitárias, Agentes de Cargas, Comissárias de Despachos e Operadores Intermodais (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br