Memória do Silêncio, um grito pela justiça na Guatemala

Memória do Silêncio, um grito pela justiça na Guatemala

Guatemala, (Prensa Latina) A Guatemala recorda às vítimas do conflito armado interno, um dia especial para quem nega-se a passar a página da justiça e abrir portas à impunidade.

Um 25 de fevereiro, mas de 1999, os gritos de Justiça, Justiça interromperam em várias oportunidades a entrega do informe Memória do Silêncio e seu estremecedor balanço de 200 mil mortos e 45 mil desaparecidos, principalmente mayas.

O documento da Comissão de Esclarecimento Histórico (CEH) punha em evidência que mais do 90 por cento das vítimas, entre eles cinco mil crianças, um milhão de deslocados e 50 mil viúvas, era responsabilidade do terrorismo de Estado de militares e paramilitares.

'Como em tempos dos gregos clássicos, a leitura no Teatro Nacional das linhas principais do relatório se mostrou uma catarse para os assistentes do ato.

A palavra mais repetida na leitura foi crueldade', narrou um participante daquele momento.

Segundo informe da imprensa, muita gente teve que ficar no lobby, vendo e ouvindo através de telas gigantes de televisão um acontecimento humano socialmente trascendente, em particular quando se mencionou o nome de monsenhor Juan Gerardi e a palavra genocídio para qualificar os desmandos cometidos.

A CEH registrou 626 massacres atribuidos às Forças do Estado, que exterminaram por completo comunidades mayas, destruíram suas moradias, gado, colheitas e outros elementos de sobrevivencia. Em todos os casos se evidenciou um agressivo componente racista, pormenorizava o documento.

Vinte anos depois e com um dia oficial para recordar às vítimas (Decreto 06-2004), o contexto político atual não pode ser mais adverso para os defensores do direito de fazer justiça, não vingança.

Iniciativa 5377 leva por nome a proposta oficialista, cujo início foi no passado ano nos corredores do Congresso com avanços e retrocessos pela própria divisão entre as bancadas devido a seu polêmico conteúdo.

Trata-se de Reformas à Lei de Reconciliação Nacional, com as quais ficariam em plena liberdade autores de crimes de lesa humanidade cometidos ao longo do conflito armado interno (1960-1996), em sua maioria membros das Forças Armadas.

As adequações -aprovadas para uma segunda leitura- são dirigidas a estender a anistia aos delitos conceituados imprescritíveis que não foram incluídos no texto original, tais como genocídio, desaparecimento forçado e tortura.

Além de absolver condenados por estes fatos, se aplicaria a retroactividade da lei, uma possibilidade que levaria este país a um evidente retrocesso em matéria de justiça, coincidem analistas políticos.

Por sua vez, lutadores pelos direitos humanos consideram-na uma afronta às vítimas e as suas famílias, ainda que não é a primeira vez que se tenta passar iniciativas para desocupar o cárcere do Marechal Zavala e Matamoros de acusados por corrupção ou de formar estruturas criminosas.

Organizações civis apontam que os responsáveis por direitos fundamentais do povo que pretendem ser pisoteados estão no Congresso da República da Guatemala e, por trás deles, há militares e gente do poder econômico que sentem que o braço da justiça lhes pode atingir, daí a urgência em denunciar o perigo deste momento.

Contam que aquele 25 de fevereiro de 1999, os militares presentes no Teatro Nacional não puderam ocultar o nervosismo diante dos gritos de justiça.

Este 2019, organizações estudiantis e camponesas marcharão para a Praça da Constituição com roupas vermelhas e cartazes com os nomes de seus mortos ou desaparecidos para recordar o Estado sua grande dívida.

Fazem questão de que não é possível que após 23 anos da assinatura da paz, mais de 60 por cento dos expedientes para a compensação estejam selados e sem resposta.

Coincidem em que recuperar o direito a sua memória, conhecer nomes, identidades e as causas pelas que lutaram, é manter viva sua dignidade e a do povo maya.

 

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Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey