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Uma questão premente. Como sair do capitalismo

Uma questão premente. Como sair do capitalismo

Uma questão premente. Como sair do capitalismo (1)

Há uns 100 anos, dominava entre os trabalhadores mais avançados um pensar global, humanista e solidário, enquanto as burguesias nacionais de então, se mostravam nacionalistas e em guerras constantes para se roubarem umas às outras.

Hoje, perante o predomínio de um capitalismo globalizado que captura os estados-nação e captura e manipula as classes políticas, a chamada esquerda regrediu ideologicamente, clamando por soberania e patriotismo, tornando-se mais um quisto agarrado ao pote.

O anarquismo sempre rejeitou o capitalismo, sob qualquer das suas formas - liberal, estatal ou fascista. Nunca aceitou a nacionalidade como separador de pessoas nem a existência de oligarquias estatais, patronais, religiosas ou partidárias. Só o anarquismo, nos tempos que correm, pode unificar a Humanidade contra o capitalismo que nos encaminha para o colapso.

1 - A globalização e a chegada ao capitalismo

  

A globalização das tecnologias e do comércio começou com a diversificação das necessidades humanas, a constituição de excedentes, as deslocações e migrações de grupos humanos, em tempos muito recuados. Essa incipiente globalização criou redes e fluxos de gente, animais, plantas, artefactos, conhecimentos, doenças e miscigenação, em quadros territoriais cada vez mais vastos. Essa primeira globalização que durou milénios não foi uniforme mas, teve um foco essencial no Médio Oriente, entre o Mediterrâneo e o vale do Indo. Esse processo teve, naturalmente, altos e baixos, sendo de salientar a constituição de encerramentos autárcicos na China do século XV, no Japão do século XVI ao XIX e na Europa feudal. Ninguém pagou patentes nessas transmissões de conhecimento, embora houvesse quem quisesse evitar a sua transmissão, em regra com resultados apenas temporários; a propagação da tecnologia e do conhecimento sempre teve caráter incremental, com cada criação tomada como algo adicional a uma longa cadeia de contributos. Mas, só o capitalismo transformou o conhecimento em patente, como uma mercadoria, que se compra e se vende.

As fronteiras em épocas pré-capitalistas não evitavam nem pretendiam evitar o comércio e a passagem de pessoas, excepto sob a forma de exércitos, por norma com objetivos invasores ou de rapina; eram apenas delimitações para os poderes senhoriais exercerem os seus tributos e montarem as suas leis, sobre uma população de servos. Atenas, Roma, Alexandria, na Antiguidade, eram cidades abertas e francamente cosmopolitas; como o foram as repúblicas italianas, Bizâncio ou Bagdad nos últimos séculos da Idade Média. 

O capitalismo afirmou-se inicialmente na Europa e colonizou quase todo o resto do planeta, para garantir a rapina de matérias-primas e a colocação dos seus produtos, com caráter de exclusividade, sem concorrência, nas áreas que cada um dos estados-nação podia controlar; e no seio das potências capitalistas procedeu-se à integração e anulação dos senhorios feudais, com a homogeneização que caraterizou a construção dos  espaços nacionais. A descolonização desenvolveu-se em duas grandes fases - a primeira, no século XIX com as independências americanas, iniciadas ainda no século anterior, no caso dos EUA; e a segunda, após 1945, no resto do mundo, com Portugal a encerrar esse ciclo, embora ainda subsistam situações coloniais, em paralelo com independências fantoches. Porém, a descolonização não cortou o passo ao capitalismo, não trouxe mais democracia, nem reduziu os danos da predação intensiva, causados ao planeta. 

Nas colónias, a administração colonial manifestava-se, ostensivamente, com violência racista, para intimidar, perante a simbólica presença da bandeira. Adquiridas as independências, o domínio pós-colonial impôs-se discretamente através de funcionários de empresas multinacionais ou do sistema financeiro junto da administração indígena, à qual foi dado o direito de criar bandeira própria. As multinacionais não querem colonizar um país; é muito caro. Apenas querem e concorrem para a exploração dos recursos interessantes, deixando o aparelho de Estado entregue a uma classe política venal, para figurar na fotografia, na Assembleia da ONU, para tratar da gestão doméstica da plebe, com a brutalidade adequada à contestação popular ao statu quo. Essa situação carateriza os países com independências mais recuadas ou mais recentes, como muitos dos que não passaram de semicolónias.

A montagem das estruturas capitalistas a nível nacional exigiu o cumprimento de três desígnios. Primeiro, um forte apoio do Estado em termos militares, para a defesa das fronteiras ou para a conquista de novos territórios, no seio da forte concorrência pela partilha do mundo, em processo de colonização. Em segundo lugar, obrigou à produção de leis uniformizadoras dos territórios nacionais, destruindo os direitos feudais, como as corveias, para facilitar a disponibilidade de transferências de mão-de-obra do campo para as cidades e a circulação de mercadorias; e, finalmente, procurando disciplinar o trabalho em fábricas, no comércio e na navegação para além da organização das colónias de povoamento, para onde se deslocavam quantos procuravam sobreviver, enriquecer ou fugir a perseguições políticas ou religiosas.

A ligação entre Estado e capitalistas forjou os estados-nação, como feudos alargados, dominados pela nova classe burguesa e, como fortalezas, rodeadas de fronteiras militarizadas[1]. Esse encerramento visava a defesa face a burguesias concorrentes, manter um efetivo numeroso e barato de trabalhadores, ao mesmo tempo que procurava assegurar a incorporação da plebe nos contingentes militares, seja para as guerras de defesa ou para as de conquista. Para que os eventuais soldados aceitassem pacificamente a incorporação militar era preciso fazê-los sentir um forte sentido de pertença a um território - o estado-nação - onde ...nada tinham para além do corpo, a capacidade para o trabalho e a fé na imortalidade no Além incutida pela religião, em caso de morte em combate. Esse arregimentar forçado tinha de ser emoldurado com a narrativa da pertença à estirpe de antepassados ilustres[2] que, com sacrifício e valentia haviam erigido a pátria, numa narrativa pseudo-histórica de elevação da pátria face às pátrias dos outros, acenando-se com as virtudes do povo e da "raça", por axioma, mais nobres do que as dos outros povos. Essa construção ideológica - o patriotismo - montada por uma mescla entre a classe política (então oriunda da aristocracia) e a burguesia foi decisiva como instrumento de luta contra a concorrência das outras burguesias e respetivos estados-nação, como se referiu recentemente.

O desenvolvimento capitalista, de base nacional, construiu em cada país desenvolvido, no final do século XIX uma interpenetração entre a indústria, o comércio e o sistema financeiro que, no seu conjunto, revelavam um forte espírito de apropriação territorial que passava por guerras frequentes. E daí que as fronteiras, em quase toda a parte, dividissem povos, culturas, tribos, famílias, com traçados resultantes da mera cobiça capitalista por território e braços para trabalhar; ou que incorporassem diversas culturas ou povos, sob a hegemonia de uma classe política, de uma etnia, muito ciosa da sua supremacia e intratável face a separatismos, como se vem assistindo na Espanha pós-franquista; ou em processos conduzidos de modo mais civilizado pela experiente City, face à Escócia.  

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Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey