"Uma coisa é ruptura institucional feita pelos militares. Neste caso é golpe. Outra coisa é ruptura institucional conduzida pela sociedade, através de uma Frente Ampla de Salvação Nacional com apoio dos militares para defesa da soberania e do Estado de Direito e que culmine numa constituinte soberana (popular para ser soberana) que redesenhe o Estado, a Democracia e o Desenvolvimento que queremos. Neste caso é exercício da soberania."
Foto: Diálogos do Sul
Por Paulo Cannabrava Filho*, na Diálogos do Sul
Vivandeiras de um lado e choramingas de outro alertam: remember 1964.
Não há paralelo cabível e não há, portanto, possibilidade de que se repita 1964. As razões são muito simples. O que ocorreu em 1964 não foi um simples golpe de estado, o que ocorreu foi a captura do Estado. O livro magistral de René Dreiffus deixa isso bem claro e Diálogos do Sul já publicou vários textos demonstrando que houve a captura dos centros de decisão por agentes diretos ou indiretos das transnacionais e do poder de Washington.
A partir de 1980, essa situação evoluiu para a imposição do pensamento único imposto pelo capital financeiro e os instrumentos comandados por Washington, Londres e Wall Street. É uma ditadura difícil de ser percebida e mais ainda de ser compreendida. É sutil, más é ditadura.
Essa ditadura tem sido implacável nos últimos 40 anos na cooptação dos organismos de inteligência do Estado, de intelectuais, de políticos, de partidos políticos e inclusive de organizações sociais tidas como de esquerda. A Universidade deixou de formar quadros críticos para formar servos intelectuais aos manuais de Harvard, Chicago, Washington, Wall Street. Isso ocorreu no mundo inteiro, só que aqui alcançou o paroxismo da servidão intelectual.
O exemplo mais claro é o abandono da corrente histórica dos revolucionários de 1930, que evoluiu no projeto de nação e na doutrina trabalhista de Getúlio Vargas, que teve continuidade na aliança PTB/PSD que deu estabilidade ao governo de Juscelino e que foi o projeto adotado por João Goulart e seu herdeiro, Leonel Brizola.
"É preciso acabar com a era Vargas" proclamou o príncipe dos sociólogos no alto do comando de um partido que se dizia socialdemocrata. Marx é morto, proclamou o professor Francisco Weffort, na direção do Ministério da Cultura, que antes tinha sido da alta direção do PT.
O Judiciário nunca desfrutou de tantas benesses do poder. É o poder judicial mais caro do mundo, com juízes que ganham salários pornográficos. Vão abrir mão disso? Os órgãos auxiliares do judiciário, como a PF, foram treinados pelos agentes de inteligência dos EUA.
Temos 35 partidos políticos registrados no TSE e, se 35 já não é um absurdo, ha mais 56 partidos na fila de espera por aprovação. Política virou meio de vida e enriquecimento. É uma atração irresistível. Quantos desses partidos são ideológicos ou programáticos, quer dizer, tem um projeto de nação para apresentar aos eleitores? Já se comprovou que a governabilidade com esse quadro atomizado de 35 partidos já é insustentável, imagine com 90 partidos!
Para que se tenha uma ideia do fisiologismo dos parlamentares e da ausência de conteúdo dos partidos, bata com lembrar que na presente legislatura, nada menos que um em cada quatro deputados já mudou de partido. E a dança das cadeiras prossegue na busque incessante por benefícios pessoais. O que esperar de um legislativo como esse que além disso é o mais caro do mundo?
Há que lembrar, a estrutura sindical no Brasil, produto da Era Vargas, junto com a CLT que garante direitos para os trabalhadores, estabeleceu o princípio da unicidade na organização sindical e a hierarquia organizacional que ainda hoje se vê. O modelo de organização vale tanto para os trabalhadores como para os patrões: temos sindicato dos trabalhadores químicos, por exemplo, e o sindicato das empresas químicas. Na cúpula as federações sindicais, dos patrões e dos trabalhadores.
Com essa estrutura Vargas costurou um Pacto em torno de um projeto de nação e de desenvolvimento industrial com ênfase na infraestrutura. Além das federações os trabalhadores firmaram no início dos anos 1960 O Pacto de Unidade Sindical e o Comando Geral dos Trabalhadores. Podem acreditar que essa foi uma das principais razões, ou pretexto, para o golpe de 1o de Abril.
Então, o modelo de organização sindical vale tanto para os trabalhadores como para os patrões, reitere-se. O movimento para mudar essa estrutura começou nos Estados Unidos, claro. Aqui as novas regras valem para os sindicatos dos trabalhadores mas não valem para os patrões. Estes, mais espertos ou melhor informados, mantiveram a estrutura varguista.
Temos 14 centrais sindicais e deve haver mais algumas em formação. Temos uma única Fiesp (Federação de sindicatos patronais em cada estado e uma confederação nacional). Dá pra perceber qual lado é o mais fraco? Por que os trabalhadores se dividiram e os empresários não? Por que a estrutura varguista é boa para os patrões e os próprios patrões não a querem para seus empregados?
Nos finais dos anos 1970, em plena ditadura, surge o novo sindicalismo proclamando ser preciso acabar com os "pelegos", o que na verdade queria dizer: "é preciso acabar com a influência dos trabalhistas e dos comunistas no movimento sindical e impor um sindicalismo de resultado". Esse novo sindicalismo, articulado pela AFL/CIOS, foi que rompeu o pacto varguista. Se não, quem foi?
Os sindicatos dos trabalhadores romperam o pacto por um sindicalismo de resultado. Hoje, o movimento sindical dos trabalhadores virou meio de vida e enriquecimento. Os "pelegos" utilizavam a proximidade com o governo para obter benefícios para a classe trabalhadora (e obtiveram). Os dirigentes do novo sindicalismo utilizaram a proximidade com o governo para obter vantagens pessoais, altos cargos na administração pública, manejo de muito dinheiro nos fundos de previdência privada. Com o sindicalismo dividido a precarização avança junto com a anulação das conquistas em benefício dos trabalhadores, inclusive direitos elementares como o de parir em paz.
Na França Macron está anulando os "privilégios" conquistados por séculos de luta dos trabalhadores. Os trabalhadores estão perplexos. A socialdemocracia já há muito tempo traiu os princípios com os quais foi fundada e os sindicatos, a maioria cooptada, não consegue parar as maldades do governo.
A Fiesp (leia-se organizações sindicais patronais) também rompeu o pacto a partir da substituição, em sua direção, do estamento empresarial pelo estamento gerencial. Sai a burguesia industrial nacional (Mindlin, por exemplo) e entra o executivo, o gerente, escolhido pela matriz da empresa transnacional.
Não obstante, enquanto no meio sindical dos trabalhadores se digladiam para ver quem consegue mais adepto, como ganhar mais poder pelo dinheiro, a Fiesp é uma só, conduzindo com firmeza os sindicatos filiados, até mesmo com bobagens como a história do Pato amarelo.
Gente! Está tudo contaminado, corrompido pelo dinheiro; é campo minado. Bom mesmo é ter dinheiro no bolso, a pátria que se dane. Todo mundo quer ser Gerson (lembram dele?), todo mundo quer ser Neymar. Porém, quantos no mundo têm esse salário pornográfico?
Rio de Janeiro ocupado
Gente! 1964 é isso aí. Simples assim. 1964 ainda não acabou.
E também as Forças Armadas estão muito infiltradas, pensam ainda como nos tempos álgidos da guerra fria: o inimigo interno é o comunismo, o petismo, o que seja. E ainda há o acordo de cooperação militar e de inteligência firmado por Dilma e Obama, que dá excessiva ingerência dos militares de Estados Unidos no dia-a-dia das forças armadas, principalmente do Exército. Esqueceram que o inimigo é outro, é o que viola a soberania.
É de chorar ver o Rio de Janeiro ocupado militarmente. E, por favor, essa ocupação não começou na semana passada na Rocinha. Faz tempo que o Rio de Janeiro está ocupado. E São Paulo, não está? São as sutilezas da ditadura atual. A manutenção da ordem nos Estados, ou seja, a garantia do status quo, é responsabilidade de tremenda força repressiva, super bem equipada para guerra. Ou não é militar a repressão aos movimentos populares.
Gente! 1964 é isso aí. Simples assim. 1964 ainda não acabou. Os conflitos que assistimos são puramente por disputa de poder. Os mais fortes, mais espertos, e com mais dinheiro ganharam e não querem deixar o poder. É bem complicada a situação. Tem saída? Claro que tem.
Ruptura institucional como saída
A única saída é a ruptura institucional. A percepção de que só uma ruptura institucional salva o país dessa barbárie, tem levado muita gente a temer que isso pode resultar em golpe militar. O debate está quente nas redes sociais e em alguns grupos organizados.
Temos reiterado que só se consegue parar a sangria desatada por esse governo ilegítimo e entreguista através de uma ruptura institucional. Sem ruptura eles continuarão no poder e farão seus sucessores. É o capital financeiro impondo o pensamento único com a força de todos os meios de comunicação. Inclusive as escolas estão contaminadas pelo pensamento único.
Essa ruptura só poderá ter êxito se contar com as forças armadas. Está formada uma Frente Parlamentar Mista de Defesa da Soberania. É disso que se trata: defender a soberania. Essa frente que nasceu mista, pode ser o caminho para uma grande frente de salvação nacional formada em defesa da soberania.
No movimento dessa frente se discutirá e formulará um projeto nacional.
A Frente para ser verdadeiramente ampla tem que contar com os militares. Se não os convencermos a juntar forças com o povo para salvar a nação eles virão contra nós. É isso minha gente. Como convencê-los? Com mobilização massiva da sociedade. Com o melhor de nossa inteligência dialogando nas escolas de formação dos militares, ou chamando-os ao diálogos nas instituições civis e organizações sociais, com os melhores de nossos políticos chamando-os para o diálogo, dialogando sobre o que é soberania nacional.
Uma coisa é ruptura institucional feita pelos militares. Neste caso é golpe. Outra coisa é ruptura institucional conduzida pela sociedade, através de uma Frente Ampla de Salvação Nacional com apoio dos militares para defesa da soberania e do Estado de Direito e que culmine numa constituinte soberana (popular para ser soberana) que redesenho o Estado, a Democracia e o Desenvolvimento que queremos. Neste caso é exercício da soberania.
Engenheiros, Economistas, Profissionais Autônomos através de suas organizações profissionais e/ou sindicais já perceberam que o Estado carece de um projeto nacional e estão chamando suas bases pra enfrentar essa falta através do debate criativo. É um bom exemplo para todas as categorias profissionais. Vamos discutir que país queremos, que democracia queremos, que modelo de desenvolvimento queremos.
Se a esquerda e os democratas não forem capaz de se unir para salvar o país, estamos fritos e a culpa será nossa. União em torno do resgate da soberania e de um projeto nacional de desenvolvimento é o caminho mais seguro. Para ajudar na reflexão recortei esse parágrafo que está completando 50 anos.
"Escolhemos o caminho da União para a Paz, que exige a liberdade do povo de se manifestar e decidir. Fomos um do outro, adversários e até inimigos. No entanto, temos deveres para com a pátria e o povo, maiores que os nossos possíveis ressentimentos e preconceitos". Em 4 de setembro de 1967, assinaram o manifesto da Frente Ampla Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, o líder da direita cavernaria da época.
*Jornalista editor de Diálogos do Sul