No mundo de hoje, as ditas vantagens competitivas resultam menos dos baixos custos salariais e muito mais da qualificação, da tecnologia e da capacidade organizativa na produção de bens e serviços. Expliquem isso aos empresários lusos, mais apostados em sujos favores obtidos à custa da carga fiscal sobre o trabalho e o consumo
Ligeira introdução sobre economia
Se uma empresa funcionar com baixa tecnologia, pouco exigente em qualificação dos trabalhadores, não terá elevada produtividade e não poderá pagar elevados salários; e, se tiver baixos salários, mesmo com tecnologia, certamente não terá um quadro de pessoal estável e motivado, nem contribuirá para a existência de um poder aquisitivo elevado da população. Se tiver baixos níveis de capitais próprios e depender em demasia de financiamento bancário, ficará com pouca margem para investir e/ou pagar salários condignos a trabalhadores qualificados; se os seus gestores praticarem uma promiscuidade entre os bens familiares e os que serão afetos ao negócio, podem ficar ricos mas, a empresa arrisca a falência; e haverá outras combinações que não conduzem a negócios prósperos e duráveis. Em todos esses casos, está-se muito longe da lógica austera do protestantismo escocês do século XVIII que influenciou Adam Smith, uma lógica que, aliando a argúcia com grande capacidade de trabalho, permitiria a acumulação de capital.
Há quem considere que um baixo custo da mão-de-obra é, só por isso, um gerador de mais competitividade e não é, sobretudo de modo sustentado. Os países mais ricos, são aqueles onde os custos laborais são mais elevados, porque a essa situação corresponde maior produtividade, um maior valor acrescentado incluído nos bens ou serviços produzidos e ainda um mais elevado poder de compra. Se o baixo salário fosse a grande vantagem que os tecnocratas bruxelenses enquadram como parte das "reformas estruturais", em Portugal, nos últimos anos, ter-se-iam observado catadupas de investimento estrangeiro; o que não aconteceu.
Os países ricos ou os países pobres tendem a consolidar especializações produtivas distintas que alicerçam níveis de vida e de preços também distintos, o que desemboca nas grandes desigualdades existentes no planeta. Nos países com estruturas produtivas alicerçadas em tecnologias, investimento em equipamentos e conhecimento, as altas produtividades surgem e ligam-se a trabalhadores altamente qualificados, com salários elevados, em termos relativos.
Onde essas estruturas não existem, estão criadas as condições para a não vigência de altas produtividades, ou salários elevados; e, se se formarem elevados lucros, eles resultam não tanto da atividade económica mas, da sobre-exploração do trabalho, sobretudo menos qualificado e muito das chamadas "externalidades", dos favores obtidos junto dos poderes públicos, mormente da corrupção, da garantia da existência de uma leviana gestão da punção fiscal ou contributiva, da existência de reguladores do mercado, convenientemente estrábicos.
Nesse plano, as pessoas mais habilitadas para laborarem em áreas exigentes de maiores qualificações, se nativos de países onde os níveis de especialização são mais modestos, tendem a deslocar-se, a emigrar para os mais ricos, onde essas qualificações são mais bem remuneradas; há muitos anos isso sucede - é o brain drain. Assim, os países de acolhimento, os mais ricos, recolhem gente qualificada, cuja formação foi paga pelas famílias e pelos estados de rendimentos menores. Inversamente, não há fluxos significativos de pessoas de países desenvolvidos disponíveis para aceitar níveis salariais típicos de países menos desenvolvidos, baixos; havendo sim, aposentados, cujas pensões lhes permitem viver nesses países, de menor custo de vida e de clima mais aprazível.
Os custos do trabalho desempenhado com baixo recurso a tecnologia e pouco exigente em conhecimentos por parte de quem o executa, conduzem ao subdesenvolvimento e à pobreza e viabilizam empresas afastadas da tendência global do capitalismo, de investimento em capital fixo e conhecimento, para aumentar a produtividade, reduzir o custo da produção e vencer a concorrência.
Nenhum país desenvolvido, com intensiva utilização de tecnologias, exigente de trabalho qualificado, pode existir com os custos laborais vigentes em países menos desenvolvidos; porque os mais qualificados imigrariam para países concorrentes (hoje, sem a necessidade de deslocações "a salto") e os qualificados de países mais pobres não se deslocariam para lá sem vantagens significativas, face à situação nos seus países de origem.
Perante essa impossibilidade, o capitalismo avançado gerou a segmentação da produção em parcelas, deslocando os componentes com um fabrico menos exigente em tecnologia para países de baixo salário; e, com as tecnologias de informação isso tornou-se trivial e extensivo também a áreas de serviços. Nos casos em que essa deslocalização não é fácil ou conveniente, por motivos estratégicos, procede-se à contratação de trabalhadores qualificados em países menos desenvolvidos, facilmente atraídos para a migração, precisamente porque no país de destino, as suas qualificações, sendo mais necessárias, tornam-se objeto de melhores remunerações, mesmo que, muitas vezes, haja um desfasamento relativamente a colegas autóctones. Por outro lado, razões históricas quanto a direitos no campo da educação, da saúde, da habitação, na reforma, por exemplo, alicerçam uma qualidade de vida só possível com elevados rendimentos e uma distribuição não muito recessiva, que permita o alto poder de compra que garanta a continuidade do modelo económico e social, com a acumulação capitalista a acontecer, sem grandes sobressaltos.
2 - Evolução dos custos do trabalho na Europa (2000/16)
A evolução do custo médio por assalariado é revelador, não só das grandes desigualdades existentes na Europa resultantes da especialização produtiva, das capacidades das empresas em termos de financiamento, equipamento, gestão, como da estrutura da predação fiscal e das capacidades dos trabalhadores em impor as suas reivindicações.
É abissal a diferença nos custos do trabalho entre os oito países selecionados no gráfico que se segue e que se agravou claramente no período em observação: essas diferenças são históricas, ainda que agravadas com a intervenção de troika, com o conveniente acordo das correspondentes classes políticas, cujos partidos se dividem em dois grupos - os que aplicam a receita num andamento presto e os outros que gritam da plateia, ma non tropo!
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