O Dia em que Leonardo Padura viajou no ônibus Serraria

As pessoas não falam mais umas com as outras. Elas se relacionam apenas com seus celulares com os quais se divertem, com pequenas interrupções quando aquelas geringonças funcionam como telefone.

Num dia quente de fevereiro de 2017, num ônibus Serraria, entre a Avenida Salgado Filho e Wenceslau Escobar, resolvi anotar o que elas falavam.

O que se segue é o resultado das minhas anotações, que possivelmente não terão utilidade nenhuma.

- Um sem vergonha

- Queria pagar 50 reais para limpar a casa toda, aquela vaca.

- Só porque está na série B, que não vou deixar de torcer

-  Não vou chupar coisa nenhuma. Comi muita banana e estou com dor de barriga

- Fudeu

- Tudo igual, tudo ladrão

- Nunca simpatizei com aquele tal de Carlos

- Foi metendo a mão por baixo da blusa

- Merda. O cara falou  que era para passar outro dia.

- Falou uns nomes complicados, mas pelo que entendi posso começar a encomendar o caixão.

- Político é tudo igual.

- Dizem que vão aumentar a passagem

- Já me arrependi de ter votado no cara

- É isso minha filha, te falei com o cara era casado.

-  Um velho tarado

- Eles só pensam naquilo

- Eu disse, vai procurar tua turma

- Não tem um tostão no bolso e tá querendo se encostar

- Até o padre era meio tarado

- Pára essa merda que eu quero descer

- Assaltou  e matou a velha.

- Não tem mais respeito.

- Eu dando aquele duro e o cara no bem  bom, cheio de amantes.

- Esse gringo é bem pior. Eu gostava do Olívio, que andava sempre de ônibus.

- Eu votava só no PT, agora não sei mais.

- E o salário mínimo? Queria ver esses caras viverem com o mínimo.

- Antigamente era bem melhor

- Eu não gostava dela, mas esse Temer é bem pior.

- Pelo menos era honesta, agora só ficaram os ladrões.

-  Fudeu.

-  Vai tu seu canalha. Não respeita mais uma mulher.

- Assaltaram o super? Bem feito, eles roubam da gente o dia inteiro.

-Eu não voto mais.

- Os milicos de novo? Deus me livre. Vai ficar ainda pior

- Acho que vou descer, tô com um cutuco que vão assaltar esse ônibus

- Vai tu, seu merda.

- Primeiro, paga o que me deves.

- Porra, tá sem sinal de novo.

Desci na frente do Passeo, com essas anotações, pensando que poderia escrever um conto sobre os hábitos e costumes de alguns passageiros do ônibus Serraria, algo parecido com o que Leonardo Padura faz.
As anotações eu já tenho, só me falta o talento do Padura.
O que aconteceria se ele, em vez de morar em Havana, morasse na Wenceslau Escobar e andasse no ônibus Serraria?
Talvez essa história, mais do que a dos outros passageiros, daria um conto. O titulo já nasceu pronto:
"O Dia em que Leonardo Padura viajou no ônibus  Serraria".
Vou pensar.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey