Lições do Equador ao País da Pobreza Intelectual e Moral
Campanha presidencial no Equador da Revolução Cidadã há dez anos solidificada, tem muito a ensinar ao Brasil das ideias pré-concebidas que insiste em não olhar para os lados - e pior: em não se olhar no espelho. E as lições vão muito além de conquistas sociais (reconhecidas internacionalmente), que apontam histórica melhora neste quesito: trata-se de mentalidade
por Edu Montesanti
Da entretenida e colorida Huaquillas, cidadezinha na fronteira com o Peru, à encantadora Tulcán que, no limite com Ipiales na Colômbia, parece um pedaço do céu no planeta Terra, o Equador evidencia-se como uma potência turística. E social, no sentido mais amplo.
Charles Darwin fez seus estudos evolucionistas nas Ilhas Galápagos, arquipélago do Oceano Pacífico que comporta a maior variedade de espécies animais e vegetais do planeta, declarado Patrimônio da Humanidade em 1978 pela Unesco. Em 1985, o Parque Nacional Galápagos foi declarado reserva da biosfera, ampliando-se posteriormente em dezembro de 2001, quando incluiu a reserva marinha
O fato de o território equatoriano ser coberto em 48% pela floresta amazônica que se eleva magnificamente às estupendas montanhas andinas, revela por si só a díspar beleza geográfica do país.
Apesar de o "centro do mundo" (a chamada linha do Equador que divide imaginariamente o planeta passa exatamente pelo país andino) possuir toda essa "bagagem", beleza incomparável além de excelente gastronomia e uma sociedade extremamente gentil cujos índices de criminalidade são baixíssimos, falar em Equador no Brasil da TV Globo arranca, quase que invariavelmente arranca, olhares de zombaria e desprezo.
Aflora-se, também ai, o caráter fortemente discriminador da sociedade brasileira, movida historicamente por ideias pré-concebidas e pela acentuada aversão às diferenças.
E o que é pior: com todas as conquistas sociais, históricas nestes dez anos de Revolução Cidadã que tem levado a nação andina a ocupar os primeiros lugares da América Latina em índices de desenvolvimento social, os quais antes da referida revolução amargava os últimos lugares regionais, tal desprezo também permeia espíritos "de esquerda" em terras tupiniquins nada férteis, do ponto de vista intelectual e moral.
Eleições Presidenciais no Equador e Revolução Cidadã
A campanha eleitoral à presidência equatoriana, cujas eleições se darão no próximo dia 19, apresenta a tendência latino-americana: campanha baseada na manipulação das informações, na difamação e na calúnia por parte de um punhado de atores reacionários de baixíssimo nível, sem ideias, sem conteúdo, cínicos e desmoralizados diante das ligações comprovadas com corruptos, contra o oficialismo progressista.
Pois o candidato governista, Lenin Moreno, segue as orientações históricas do Movimiento Alianza PAIS baseadas em dois conceitos fundamentais para vencer as eleições, e seguir governando o Equador na mesma linha de Rafael Correa eleito pela primeira vez em 2007, reeleito em 2012 cuja popularidade é uma das mais altas da região até hoje:
Protagonismo da sociedade: alcançar maior politização da sociedade, única garantia de que qualquer mudança programática que realize a Revolución Ciudadana, não seja passageira. A irreversibilidade do processo depende apenas de uma sociedade consciente de seus direitos e da importância de suas lutas históricas. Neste sentido, coloca-se muita ênfase no território, em "escutar as pessoas";
Democracia radical: governar os mercados, colocar a economia a serviço da cidadania (o termo cidadania denota que o cidadão é considerado muito mais que consumidor, enquanto dotado de consciência política, de direitos e deveres diante de um Estado que lhe garante serviços básicos como saúde, educação, segurança, saneamento como direito e não bens de consumo). Além disso, incentivar os mecanismos de participação cidadã para que a sociedade possa imiscuir-se de uma melhor maneira no governo.
Moreno também garante que dará seguimento à Ley de Comunicación, em vigência desde 2014, cujo objetivo consiste em consolidar um sistema de comunicação mais equilibrado no que diz respeito aos seus atores, à pluralidade e à oferta televisiva.
Antes de 2008, a concessão de frequências de rádio e televisão esteve envolta em irregularidades e deficiências pelo que um dos pontos principais que estabelece a lei é a distribuição equitativa de frequências do espectro radioelétrico: 33% para os meios públicos, 33% aos privados e 34% aos meios comunitários.
Vale notar: o Equador, que ocupava os últimos lugares em termos econômicos e sociais em geral antes da Revolução Cidadã para hoje ser referência regional, era o último colocado em nível educacional: atualmente, não apenas possui o maior número de universidades públicas, como também (e isto configura-se como da maior importância) proporcionalmente é a nação que mais cresceu em termos de nível educacional.
O presidente Correa, idealizador da Revolução Cidadã, sempre soube que, para levar sua nação aos patamares sociais sólidos de hoje, precisava fornecer á sociedade a maior arma contra o retrocesso: a cultura que leva consigo a consciência cidadã. Qualquer processo que não passe por isso, é efêmero, mesmo o que transforma milhões de pobres extremos em pobres consumidores. Já dizia Paulo Freira, mais um alvo do ódio de mentalidades escravocratas e reacionárias: "A educação que não é emancipatória, faz com que o oprimido queira se transformar em opressor".
Do Golpe Militar de 64 ao Parlamentar de 2016 no Brasil: Deus É 'Made in Brazil'?
Isto nos leva a concluir que inclusive limitada às cômodas questões teóricas, trancafiada discutindo ciência política e estratégias para tomar novamente o poder, a "esquerda" tupiniquim (para nem mencionar a ala reacionária nacional, cuja ignorância e histeria multiplicam-se por dez) está há décadas atrás de vizinhos como o Equador.
Na realidade, o Brasil está historicamente atrasado em diversos pontos, tudo desaguando na questão mentalidade imperante: enquanto outras nações latino-americanas declararam-se independentes e, imediatamente, proclamaram suas repúblicas, nossa pífia "independência" cujo "grito" do Ipiranga, se existiu, deveu-se talvez a algum susto do histérico monarca português com baratas às margens do rio. último país do continente a terminar com a escravidão de negros; enquanto a vizinha Argentina promovia a Reforma Universitária em Córdoba (1920), no Brasil ainda se fundava sua primeira universidade (UFPR, em 1913). No primeiro quarto do século passado, a mesma Argentina, altamente industrializada, era a quarta economia mundial ao passo que o Brasil era agroexportador. Ex-ditadores têm sido julgados e punidos nos países da região, com direitos políticos cassados e vivendo, em diversos casos, atrás das grades para o resto da vida enquanto no orgulho verde e amarelo do ame ou deixe dos milicos (isto é, não critique ou vá embora do país), tivemos de assistir ao então presidente Luiz Inácio, entre outras tantas traquinagens em prol dos ex-ditadores militares e de seus seguidores, apoiar José Sarney, ex-presidente da Arena (partido da ditadura), para presidir o Senado da República - em plena "redemocratização".
Os governos do PT ampliaram o financiamento dos estudos universitários - nunca as universidades brasileiras assemelharam-se tanto a shopping centers quanto nos dias de hoje -, sem porém aumentar de maneira minimamente suficiente o número de universidades federais, e o nível educacional brasileiro é uma verdadeira avacalhação, repleta de "estudantes" semi-analfabetos os quais são, mais que tudo, abobalhados consumidores de diplomas.
No que diz respeito às louváveis cotas étnicas, acabaram, como praticamente todas as medidas petistas, pela metade jogadas às demagogias partidárias: o que foi feito para que um dia essas etnias, nem que fosse em um distante futuro, as etnias menos favorecidas, historicamente marginalizadas pudessem, apoiadas em sua própria capacidade e em igualdade de condições, ocupar as universidades públicas? Não apenas no ensino básico mas em termos de inclusão e consciência social em geral, absolutamente nada foi feito!
Quanto aos pobres consumidores? Pobres analfabetos políticos, escravos da própria alienação como sempre - como as classes mais favorecidas, aliás -, pobres em serviços básicos - saúde, educação, segurança, saneamento básico etc - com este agravante: retornando à pobreza extrema economicamente. Já dizia Alfredo Maneiro, político venezuelano (1937-82): "A revolução não é só uma bisteca no prato em cada mesa, nem muito menos uma TV em cada quarto e nem, absolutamente, um carro em cada porta. A revolução é, sobretudo, uma mudança de atitude nas relações humanas".
Hoje, personagens à "esquerda", mesmo entre os "moderados" do PT aceitam mais passivamente e até fazem exatamente os apontamentos críticos ao nível intelectual e moral da sociedade brasileira. Contudo, aos adeptos deste espectro político, é como se de repente tudo tivesse se modificado no Pais do Imponderável: essas mesmas observações eram inaceitáveis, patrulhadas e reprimidas com peculiar agressividade quando seus políticos, especialmente Luiz Inácio, gozavam de ampla popularidade. Então, falar em despolitização da sociedade era palavrão dos mais graves.
A propósito, Luiz Inácio, desconsiderando palavras do jurista argentino Nicolás Avellaneda (1837-85), "Povo que esquece seu passado, está condenado a vivê-lo novamente". aliou-se a ex-partidários da Arena para se manter no poder, cujo exemplo foi dado mais acima no caso do Sarney. É exatamente de Luiz Inácio esta célebre frase: "Passado é passado", ou seja, esqueçamos tudo referindo-se à Lei de Anistia que pretendia apenas recontar a história do regime militar - sem punir como todos os vizinhos têm feito, ampla e exemplarmente. E não é que Avenalleda, que neste ano cumpriria 180 anos de idade, tinha razão? Mais que suas palavras, tal mentalidade tem sido bem compreendida - fora do Brasil.
A tempo: Luiz Inácio e sua sucessora, Dilma Rousseff em sua arte de manter, à base de muita demagogia, a ditadura de Partido Único no Brasil escondido detrás de diversidade de siglas, foram os que mais injetaram dinheiro público no oligopólio midiático brasileiro em toda a história - e não democratizaram a mídia a exemplo do que vigora em países como Estados Unidos, os da Europa e agora, em grande parte dos vizinhos. É também de Luiz Inácio esta bela homenagem póstuma: "Ai se vai um grande ser, merecedor de três dias de luto oficial", em referência a ele, ele mesmo, ao "doutor" Roberto Marinho.
Vale destacar que o setor midiático amplamente apoiado pelos petistas deslumbrados com o poder de outrora, mantém em uníssono a mesma mentalidade, hoje e sempre, do autor desta resposta a Monteiro Lobato quando o escritor propôs campanha para erradicar o analfabetismo no Brasil: "Ô, Lobato: mas se todos aprenderem a ler e escrever, quem vai pegar na enxada?". O autor? Proprietário do jornal O Estado de S. Paulo à época, meio que pauta precariamente a mentalidade predominante no País (e tudo se torna ainda mais patético considerando a era da Internet que vivemos, com suas inúmeras opções).
Do golpe militar de 1964 ao golpe parlamentar de 2016, o Brasil não tirou lição nenhuma - e hoje, na era da revolução da informação através da Internet, torna o problema em questão mais grave. Mas com tudo isso, diante de todo esse cenário, ainda se exacerba a fúria societária à "esquerda" quando, diante dos provérbios de Luiz Inácio, exclama-se que cinismo também precisa encontrar limites.
Pois os que se deslumbraram com o poder previsivelmente passageiro de outrora, trataram de blindar covardemente a oligarquia nacional a ponto de levar o devido bico nos fundilhos, sem absolutamente nada pode fazer posteriormente. Os porões do poder estavam muito bem protegidos para se fazer algo em prol da propalada democracia e revolução social, que nunca existiram. E trataram também de domesticar uma "esquerda" já frágil, apática, sisuda, dessituada, mesquinha, cínica defensora de interesses político-partidários, fechada sem capacidade de dialogar com a sociedade, sequer de falar sua linguagem e sem a menor capacidade de luta e de resistência (são emblemáticas neste sentido as alianças do PT ao PMDB hoje, pós-golpe parlamentar, especialmente de Lula a Temer em pleno velório da esposa, uma das tantas vezes, mas certamente a mais surpreendente em que se aflorou a patologia do poder). Trataram de patrulhar e abafar toda e qualquer crítica, de todo e qualquer segmento. Pois aí está a "resposta" do ninho de dezenas de milhões de víboras perdidas que o PT ajudou a acirrar, ao grande circo democrático que vive o Brasil - e assombra o mundo todo.
Ironia do destino! O PT precisa e busca desesperadamente atualmente pela sociedade politizada que não existe, e por um tipo de esquerda que, enquanto o partido esteve no poder, acusou de ultra-radical e de retrógrada - exatamente aquilo que o PT (dizia que) era ontem, pré-poder, não foi no poder e tenta enganar hoje, pós-poder, que se torna novamente - dependendo da ocasião é claro, para não perder o costume.
Enfim, é realmente bem menos doloroso a curto e médio prazo, ao menos psicologicamente, viver atolado no auto-engano apesar de as vinganças da história serem, cedo ou tarde, fatais. Só não digam mais que Deus é brazuca, e que nosso futebol é o melhor do mundo! Que se contentem com o "debate" político que em todos os níveis toma conta, ferozmente, do país - já está bom demais!