Os Verdes querem esclarecimentos do Governo sobre acordos comerciais com Marrocos no Sahara Ocidental
O Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar Os Verdes, entregou na Assembleia da República uma pergunta em que questiona o Governo, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre os acordos comerciais com Marrocos no Sahara Ocidental, assim como a posição do Governo relativamente à exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental por parte do Reino de Marrocos.
Pergunta:
O Sahara Ocidental foi inscrito em 1963 na lista de territórios não autónomos da ONU, ou seja, por descolonizar, e é um território cujo estatuto internacional é indeterminado, estando as Nações Unidas a trabalhar há longo prazo para uma resolução pacífica dessa disputa.
O território do Sahara Ocidental foi ocupado violentamente pelo Reino de Marrocos na década de 70 e, desde essa altura, o povo saharaui tem lutado pelo seu direito à autodeterminação.
Em 1975, o Tribunal Internacional de Justiça confirmou que Marrocos não pode reivindicar qualquer soberania sobre o Sahara Ocidental e que o povo saharaui deve exercer o seu direito à autodeterminação através de um referendo.
Contudo, ao longo de décadas, Marrocos tem violado sistematicamente os direitos humanos, e o povo saharaui tem vivido condenado à pobreza, sob violência e sem acesso aos recursos do seu território.
Também a Declaração de Princípios de Direito Internacional relativos às Relações de Amizade e Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, determina que o território de uma colónia ou outro território não autónomo tem um estatuto separado e distinto do território do Estado que o administra. Assim, um território não autónomo não é parte do poder administrativo, mas tem um estatuto distinto sob a lei internacional.
A pedido da Frente Polisário, o Tribunal de Justiça da União Europeia, através do acórdão de 10 de dezembro de 2015, cancelou o acordo de cooperação entre a União Europeia e Marrocos, porque incluía o território do Sahara Ocidental.
Assim, a Decisão 2012/497/UE do Conselho, de 8 de Março de 2012, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, respeitante às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n. os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro-Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros por um lado, e o Reino de Marrocos por outro, foi anulada na parte em que aprova a aplicação do referido acordoao Sahara Ocidental.
Segundo o referido acórdão, Marrocos não pode reivindicar soberania sobre o território do Sahara Ocidental e não tem mandato internacional para exercer atos soberanos.
No seguimento desta decisão, o Conselho da União Europeia interpôs, em 19 de fevereiro de 2016, um recurso destinado a anular o acórdão de 10 de dezembro de 2015. Considerando que o Governo português solicitou que o Tribunal de Justiça admitisse aintervenção da República Portuguesa neste processo, em apoio das conclusões do Conselho da União Europeia.
Considerando ainda que os acordos internacionais celebrados pelo poder administrativo de um território não autónomo não se aplicariam nesse território, salvo se estivesse expressamente escrito em extensão. Logo, se não existe um acordo com tal extensão, o Acordo de Associação com Marrocos aplica-se apenas aos produtos originários do Reino de Marrocos, Estado que, de acordo com a lei internacional, não inclui o Sahara Ocidental. Perante estes factos, e se a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental não é reconhecida nem pela União e pelos seus Estados-Membros, nem pela ONU, um acordo com o Reino de Marrocos nunca poderá aplicar-se ao Sahara Ocidental.
Acresce ainda o facto de a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 7º (Relações Internacionais) consagrar que Portugal se rege "pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade" e que "preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos".
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicito a S. Ex.ª O Presidente da Assembleia da República que remeta ao Governo a seguinte pergunta, para que o Ministério dos Negócios Estrangeiros possa prestar os seguintes esclarecimentos:
1- De que informação dispõe o Governo sobre este processo?
2- Não considera o Governo que há um duplo critério a nível da União Europeia uma vez que os estados europeus não reconhecem a soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental, mas aceitam a aplicação de acordos comerciais com Marrocos no Sahara Ocidental?
3- Qual a posição do Governo sobre qualquer presença europeia no Sahara Ocidental no âmbito de um acordo com Marrocos?
4- Qual a posição do Governo relativamente à exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental por parte do Reino de Marrocos?
5- Qual a razão que leva o Governo a contestar um acórdão do tribunal europeu que é claro na sua aplicação, em conformidade com a lei internacional e de acordo com os princípios subscritos por Portugal no seio da ONU?
O Grupo Parlamentar "Os Verdes"