Economista Avalia Crise Brasileira: Críticas às Políticas Petistas e Perspectivas
"Reforma tributária é fundamental. É preciso que os ricos respondam pela maior parte do ajuste tributário e fiscal. Com a queda da renda e o desemprego em alta o pequeno empresário e, principalmente, trabalhador já estão sofrendo com a crise brasileira. É fundamental, também, evitar a paranoia fiscal focada no corte de gastos públicos"
"Não houve revolução social nenhuma no Brasil. Não houve uma reforma tributária, as políticas sociais como Bolsa Família e os benefícios da previdência social não alteraram, de forma nenhuma, a estrutura de distribuição de riqueza e renda do país", avalia nesta entrevista exclusiva ao Jornal Pravda Reinaldo Gonçalves, sobre os mais de 13 anos do PT no governo federal.
Para o economista, o que se chama de pacote econômico de Temer são inconsistentes, tratando-se na realidade de conjunto de medidas que, em grande medida, só deverão surtir efeito a médio e longo prazo. "É pouco provável que a redução dos subsídios e incentivos fiscais tenha impacto no curto prazo já que o governo estará pressionado pelos setores dominantes".
De nada adianta a atual "paranoia fiscal focada no corte dos gastos públicos", sendo urgente eficiência nestes gastos diante do "liberalismo social tupiniquim marcado por forte conteúdo assistencialista" promovido pelo PT em nome de revolução social. "Não houve uma reforma tributária, nem mudança na distribuição funcional da renda (salários versus lucros e juros). Os governos do PT aprofundaram e ampliaram o Modelo Liberal Periférico introduzido no governo FHC".
Questionado sobre as concessões que, segundo a cúpula petista, se diferencia da política das privatizações tucanas, Gonçalves é enfático: "Farsa, pura farsa", e vai além: "Melhor exemplo de privatização foi o estímulo dado pelo governo às instituições privadas de ensino superior via incentivos fiscais e financiamentos".
Analisando o desmantelamento estatal pelo PT, agravado pelos escândalos de corrupção, Gonçalves comenta a vulnerabilidade externa do Brasil, para ele presente em todas as esferas: "comercial, produtiva, tecnológica, monetária e financeira". Internamente, aponta "a cooptação e a fragilização de forças políticas como MST, CUT, UNE etc", por parte do PT, especialmente do ex-presidente Lula.
Detalha também as causas da atual crise financeira: "Há uma combinação de determinantes, assim como catalisadores. Ao fim e ao cabo, o que há uma combinação trágica de falhas de modelo com falhas de mercado e falhas de governo".
Passando pela análise da política externa focada na cooperação Sul-Sul, o economista encerra esta entrevista com perspectivas para o futuro. "O cenário mais provável (60%) é a melhora da situação econômica".
Autor de diversas obras, entre elas Economia Política Internacional (Rio de Janeiro: Elsevier, 2016), o economista Reinaldo Gonçalves leciona Economia Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formou. É mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-RJ, e doutor em Letters and Social Sciences pela University of Reading na Inglaterra.
A seguir, a entrevista.
Edu Montesanti: Como o senhor vê o pacote econômico apresentado pelo presidente interino Michel Temer, e em que ele se diferencia do modelo de seus antecessores, presidentes Dilma e Lula?
Reinaldo Gonçalves: Não se trata de um pacote econômico com medidas consistentes. Trata-se, simplesmente, de um conjunto de medidas focadas no aumento da receita e uma redução das despesas da União. Ademais, a maioria só terá efeitos no médio e longo prazo. A medida de mais curto prazo (fechamento do Fundo Soberano e venda das ações do Banco do Brasil que lastreiam esse fundo) é irrelevante em termos de impacto fiscal.
Recuperar R$ 100 bilhões de recursos do BNDES depende do grau de comprometimento desses recursos em empréstimos. A diretriz de congelamento real dos gastos sociais só tende a ter efeito no médio e longo prazos. A maior regulamentação dos fundos de pensão e das estatais e os ajustes na Petrobras também tendem a ter impacto no longo prazo.
É pouco provável que a redução dos subsídios e incentivos fiscais tenha impacto no curto prazo já que o governo estará pressionado pelos setores dominantes. O "balcão" deve continuar aberto para determinados segmentos dominantes.
Edu Montesanti: Quais as medidas urgentes para se conter a crise, e proporcionar condições para crescimento com distribuição de renda?
Reinaldo Gonçalves: Reforma tributária é fundamental. As diretrizes são: manutenção da carga tributária, racionalização, moralização e progressividade. É preciso que os ricos respondam pela maior parte do ajuste tributário e fiscal.
Com a queda da renda e o desemprego em alta o pequeno empresário e, principalmente, trabalhador já estão sofrendo com a crise brasileira. A conta do ajuste fiscal deve ficar com os grandes capitalistas e rentistas.
É fundamental, também, evitar a paranoia fiscal focada no corte de gastos públicos. Quanto aos gastos, é necessário mais eficiência do que cortes.
Edu Montesanti: Quais circunstâncias exatamente trouxeram o Brasil a esta crise?
Reinaldo Gonçalves: Há uma combinação de determinantes, assim como catalisadores. Ao fim e ao cabo, o que há uma combinação trágica de falhas de modelo com falhas de mercado e falhas de governo. As falhas de governo envolvem inépcia, corrupção, déficit de governança, péssimo desempenho econômico, problemas de governabilidade etc. Ou seja, o governo Dilma sempre foi, desde o início do primeiro mandado, marcado pela mediocridade esférica. Essas falhas agravaram as falhas de mercado.
Aqui, é o abuso do poder econômico que também se expressa no abuso do poder político, e ambos geram ineficiência sistêmica. O Brasil andou para trás, conforme analiso no livro "Desenvolvimento às Avessas" (Rio de Janeiro: LTC, 2013). As falhas do Modelo Liberal Periférico são graves e implicam transformações fragilizantes: desindustrialização; dessubstituição de importações; reprimarização; maior dependência tecnológica; desnacionalização; perda de competitividade internacional; crescente vulnerabilidade externa estrutural; maior concentração de capital; e dominação financeira.
Essas transformações fragilizantes do MLP impõem restrições ao desempenho econômico de longo prazo. A situação econômica se agrava no contexto do sistema político-partidário corrupto, clientelista e patrimonialista que sempre houve no Brasil. Ocorre que esse sistema foi aprofundado e ampliado nos governos do PT. O resultado é uma crise sistêmica: ética, econômica, social, política e institucional. A ruptura de governo é, simplesmente, consequência dessa crise sistêmica.
Edu Montesanti: Em que pontos os governos do PT promoveram a propalada revolução social? Em que aspectos o modelo econômico petista se diferenciou do modelo de Fernando Henrique Cardoso?
Reinaldo Gonçalves: Não houve revolução social nenhuma no Brasil. Os governos do PT adotaram uma forma de liberalismo social tupiniquim marcado por forte conteúdo assistencialista. Não houve uma reforma tributária, nem mudança na distribuição funcional da renda (salários versus lucros e juros).
As políticas sociais como Bolsa Família e os benefícios da previdência social não alteraram, de forma nenhuma, a estrutura de distribuição de riqueza e renda do país. Cabe notar que os dados usados, que mostram queda significativa do índice de desigualdade, abarcam, fundamentalmente, rendas derivadas do trabalho. Ou seja, a melhora ocorre dentro da classe trabalhadora.
Ademais, com a crise fiscal os ganhos conjunturais já começam a ser revertidos. Os governos do PT não alteram a estrutura de distribuição de riqueza e renda. Essa é a essência do social liberalismo. Os governos do PT aprofundaram e ampliaram o Modelo Liberal Periférico introduzido no governo FHC.
Edu Montesanti: O PT se defende das críticas de suas concessões, tão combatidas pelo partido antes de chegar ao governo federal, alegando que não são exatamente privatizações. Como o senhor avalia as concessões feitas ao longo destes anos pelos presidentes Dilma e Lula?
Reinaldo Gonçalves: Farsa, pura farsa. Valer repetir: os governos do PT aprofundaram o Modelo Liberal Periférico (MLP) introduzido no governo FHC. Como parte do MLP há privatizações, concessões, liberalizações e desregulamentações.
O agravante nos governos do PT é que as falhas de governo (inépcia e corrupção) geraram mais falhas de mercado. Essas falhas implicam abuso de poder econômico, ineficiência e perda de competitividade. Isso ocorreu, inclusive, nos setores que foram privatizados ou nos arranjos de concessões.
Melhor exemplo de privatização foi o estímulo dado pelo governo às instituições privadas de ensino superior via incentivos fiscais e financiamentos.
Edu Montesanti: Qual sua avaliação do argumento petista de que o país passou fortalecido pela crise econômica internacional de 2008?
Reinaldo Gonçalves: O Brasil tem enorme vulnerabilidade externa em todas as esferas: comercial, produtiva, tecnológica, monetária e financeira. No segundo semestre de 2008, a moeda brasileira foi uma das que mais sofreu desvalorização. A crise cambial causou falências de grandes empresas no setor bancário e na indústria. O Brasil tinha e continua tendo uma "blindagem de papel crepom". Vale mencionar que as reservas internacionais do país (pouco mais de 360 bilhões de dólares) não garantem o passivo externo financeiro de US$ 1 trilhão. O país está "vendido" em mais de 600 bilhões de dólares.
O mundo sabe disso. Na maioria dos países, o impacto da crise se limitou a 2 ou 3 anos enquanto no Brasil até hoje o país sente dramaticamente os efeitos da queda da demanda mundial, do aumento das restrições de acesso a mercados e da queda dos preços das commodities. Países vulneráveis têm reduzida capacidade de resistência a fatores desestabilizadores externos.
Edu Montesanti: A mídia, até renomados juristas e, logo, a sociedade estão completamente divididos em relação à (i)legalidade do impedimento da presidente Dilma.
Os que avaliam que é ilegal, argumentam que a presidente petista apenas atrasou pagamentos, algo não apenas normal em tempos de crise mas também praticado por pelo menos 17 governadores recentemente, por numerosos prefeitos e até por Lula quando era presidente, por Aécio Neves quando governador de Minas Gerais, e diversas vezes pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro argumento dos que se posicionam contrariamente ao impedimento é que a presidente Dilma é a única sem nenhuma acusação e sem sequer ser investigada pela Operação Lava-Jato por corrupção.
A seu ver, ela cometeu crime de responsabilidade fiscal e/ou qualquer outro que justificasse impedimento?
Reinaldo Gonçalves: O pedido de impedimento apresentado ao Congresso, os relatórios do Congresso e as análises de especialistas em finanças públicas (Gil Castelo Branco, José Roberto Afonso, Rogério Werneck etc.) são conclusivos e convincentes. Houve, sim, crime de responsabilidade.
Dilma Rousseff deve, também, ser julgada pelo conjunto da obra, ou seja, ela é responsável direta por uma das mais graves e profundas crises sistêmicas que o país experimentou em toda a história republicana.
Edu Montesanti: O pacote do governo interino inclui uma antecipação do recebimento de 100 bilhões de reais em empréstimos ao BNDES, que vencerão em 2016. Tal medida configura a chamada "pedalada", utilizada como justificativa para impedir a continuidade do mandato da presidente Dilma?
Reinaldo Gonçalves: Penso que não.
Edu Montesanti: Por que o senhor considera fracassada a política externa do PT, tida como exitosa por seus defensores principalmente em relação à cooperação Sul-Sul e à integração regional, em especial envolvendo o Mercosul?
Reinaldo Gonçalves: O fracasso da estratégia de Cooperação Sul-Sul é evidente, particularmente no que se refere às relações comerciais com os países-membros dos blocos Mercosul, IBAS e BRIC. A intensidade do comércio bilateral do Brasil com todos os países-membros fundadores do Mercosul cai durante os governos Lula e Dilma em comparação com o governo FHC.
O fracasso do Mercosul é, portanto, uma marca da política externa dos governos do PT.
Edu Montesanti: No artigo Por que a esquerda tem mais razões do que a direita para ser a favor do impedimento de Dilma e da punição do Lula?, o senhor defende "investigação, indiciamento, julgamento, condenação e prisão de Lula". Por quê?
Reinaldo Gonçalves: A investigação já existe. O próximo passo é o indiciamento por crimes e infrações. Procuradores de São Paulo já pediram a prisão de Lula. Esse processo deve seguir até a punição.
Além disso, devemos, mais uma vez, considerar o conjunto da obra. Lula é, sem dúvida alguma, o principal responsável pela atual crise sistêmica no Brasil. Ele é responsável, ainda, pelo apodrecimento e a destruição da esquerda brasileira. Lula foi o principal operador e beneficiário do transformismo do PT que gerou um projeto de social liberalismo frágil, insustentável e fracassado.
Ainda como parte da herança ignóbil de Lula há o governo Temer que só existe porque os governos do PT criaram uma crise sistêmica. Portanto, a crise gera o impedimento e o governo Temer que, apesar de reduzir as falhas de governo, manterá as falhas de mercado e aprofundará as falhas do Modelo Liberal Periférico.
Lula é o principal responsável pelo desenvolvimento às avessas do Brasil que também se caracteriza pelo aumento do patrimonialismo e seus vícios. Lula é responsável direto pelo invertebramento da sociedade civil organizada já que houve a cooptação e a fragilização de forças políticas como MST, CUT, UNE etc.
Por fim, como parte da herança ignóbil de Lula, há que se destacar, naturalmente, o governo Dilma, a apoteose da mediocridade esférica!
Edu Montesanti: Dada a atual conjuntura, que esperar para o país economicamente? Quem serão os maiores beneficiados e os grandes prejudicados?
Reinaldo Gonçalves: O cenário mais provável (60%) é a melhora da situação econômica em decorrência, em primeiro lugar, das falhas do governo Dilma. Por mais ineficaz que seja o governo Temer, é muito pouco provável que ele seja pior que o governo Dilma.
Em segundo lugar, as condições de governabilidade tendem a melhorar após o impedimento definitivo de Dilma.
Por fim, haverá, gradualmente, uma reversão das expectativas adversas que dominaram nos últimos anos.