SÃO PAULO - Quem conhece minimamente História sabe das consequências do Tratado de Methuen para Portugal e Brasil. Também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, esse acordo entre Inglaterra e Portugal, que vigorou de 1703 a 1836 e levou esse nome em homenagem ao negociador pelo lado inglês, o diplomata John Methuen (1650-1706), envolvia a troca entre produtos têxteis ingleses e vinhos portugueses.
Milton Lourenço (*)
Embora lesivo aos interesses lusos, o acordo teve vida longa e, praticamente, destruiu a incipiente indústria portuguesa, com o conseqüente atrelamento da economia do país à Inglaterra. Como a demanda portuguesa por tecidos era bem maior que a riqueza produzida pela venda de vinho à Inglaterra, os portugueses acumularam grandes dívidas pela necessidade crescente de consumir produtos ingleses manufaturados.
Para tanto, durante quase todo o século XVIII, esse déficit foi suprido com o envio de barras de ouro e pedras preciosas que eram extraídas no Brasil. Como dependia da Inglaterra para se manter como nação independente diante da vizinha Espanha, Portugal teve de se submeter aos interesses britânicos, deixando de aproveitar um período em que a prosperidade trazida pelo ouro poderia ter impulsionado a sua modernização.
A que vêm estas reflexões históricas? Vêm a propósito das negociações entre Mercosul e União Europeia (UE) que se arrastam desde 1999 e que, aparentemente, caminhariam para uma conclusão, diante da próxima proposta sul-americana que atenderia à exigência dos europeus de liberação de pelo menos 90% dos produtos trocados pelos dois lados.
Como se sabe, a última proposta do Mercosul, apresentada em 2004, chegou a 87%, mas não houve consenso. Desde então, divergências entre os sócios do Mercosul impediram que o bloco definisse uma nova proposta. Além disso, como os preços das commodities estavam nas alturas, os latino-americanos não pareciam muito interessados em consumar o pacto.
Acontece, porém, que hoje o contexto internacional é outro. A UE claramente espera concluir antes os projetados acordos com EUA, Índia e Japão. Com isso, estará numa situação bem confortável para negociar com o Mercosul, que, por sua vez, ficará praticamente "asfixiado" e condenado a uma posição subalterna, sendo obrigado a aceitar as regras impostas pelos demais blocos, sem condições de discuti-las.
Diante disso, se não for bem negociado, o acordo UE-Mercosul pode vir a constituir uma reedição do Tratado de Methuen. Em outras palavras: a adoção explícita do neocolonialismo.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br.