"A China procura recuperar um ritmo de maior crescimento, quer defender sua partilha no mercado mundial. A China procura formas de mobilizar as poupanças e, ao mesmo tempo, procura financiar o próprio desenvolvimento interno. As desvalorizações têm duplo sentido: por um lado, liberalizar mercado de divisas; por outro, estão intervindo para fomentar o desenvolvimento das exportações.
Na realidade, a China não enfrenta crise alguma, apesar do que diz a imprensa financeira capitalista que não entende o tal "socialismo de mercado", que não é volta ao capitalismo, visto que tudo é centralizado, controlado pelo PC Chinês. Este ano, a China vai crescer 7%, que é quatro vezes mais que a Europa e três vezes mais que o EUA. Se a China está em crise, a Europa está numa catástrofe."
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SHARMINI PERIES, Produtora Executiva, TRNN [de Baltimore]: Essa manhã o índice Dow Jones teve queda acentuada, caindo mais de mil pontos nos primeiros 20 minutos do pregão. Agora, está recuperando-se lentamente, mas foi a maior queda desde o crash de 2010. Para discutir tudo isso, está conosco Michael Hudson. Michael é professor emérito e pesquisador na University of Missouri, Kansas City. Seu livro mais recente, que discutiremos detalhadamente em breve é Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Destroy Global Economy. Pode-se baixar uma cópia digital emCounterpunch. Michael, muito obrigada por nos receber.
MICHAEL HUDSON: Obrigado a vocês. E a edição encadernada estará disponível na Amazon, em duas semanas.
PERIES: Esperamos com ansiedade. Mas, Michael... Alguns veículos da imprensa-empresa dominante estão dizendo que é contágio do que está acontecendo na China. Sempre precisam de alguém a quem culpar. Qual a causa do que estamos vendo?
HUDSON: Não é a China. A China está simplesmente de volta ao nível em que esteve no início do ano. Um dos problemas do mercado chinês, que é muito diferente do mercado norte-americano e europeu, é que muitos dos grandes bancos chineses emprestam a pequenos emprestadores, uma espécie de emprestadores atacadistas, os quais por sua vez emprestam no varejo, ao público. E muitos chineses estão tentando avançar tomando empréstimos para comprar imóveis ou ações. Então, há aqueles intermediários, não bancários, espécie de corretores de imóveis, que tomaram muito dinheiro nos bancos e o reemprestaram a muita gente, pequenos tomadores. E quando esses pequenos entram, é como os pequenos corretores de terra nos EUA, pequenos corretores, você logo vê que o boom acabou.
E o que temos agora é que muitos pequenos especuladores perderam o dinheiro deles. E isso gera pressão sobre os especuladores não bancos. Mas isso é coisa que, no mundo, só acontece, quase que unicamente, só na China. Muitos americanos e a maioria dos europeus, e as famílias, não tomam empréstimos, não vão ao mercado. Aqui, grande parte do mercado é financiado por dívidas. E é financiado por grandes, grandes, enormes empréstimos de alavancagem para tudo isso.
E isso é o que a maioria dos comentaristas não percebem, que o que vimos nos últimos um, dois anos, foi o Federal Reserve oferecendo crédito aos bancos a cerca de 1/10 de 1% a 1%. Os bancos emprestaram a corretores que emprestaram a grandes corretores institucionais e especuladores pensando, "ok, se podemos tomar emprestado a 1% e comprar ações que rendem talvez 5 ou 6%, então podemos arbitrar"... E fizeram uma arbitragem de 5%, com a compra; mas agora também perderam 10, talvez 20% do capital.
O que estamos vendo é que esse pensamento de curto prazo absolutamente não levou em conta o longo prazo. E é por isso que é muito parecido com ocrash no mercado de capital de longo prazo em 1997, quando os dois ganhadores do Prêmio Nobel que disseram que toda a economia vive no curto prazo, descobriram que, repentinamente, o curto prazo tem de voltar para o longo prazo.
É estranho o quanto a imprensa hoje não entende isso. Por exemplo, no New York Times, Paul Krugman - em quem você pode confiar cegamente se você quiser errar - disse que o problema é que estamos numa savings glut [lit. "abarrotados de poupança": designa situação em que a poupança desejada excede o investimento desejado]. As pessoas teriam economias demais. Ora...Sabemos que nos EUA as pessoas não têm economias demais. Estamos hoje numa deflação de dívida. Os 99% da população está tão ocupada pagando as dívidas, que o que se conta como economias aqui mal chega para cobrir as dívidas. Por isso é que ninguém tem dinheiro suficiente para comprar bens e serviços, e as vendas estão caindo. Com isso, os lucros estão caindo. Até que as pessoas percebem, "Calma, espere aí! Se as empresas não têm lucros, não poderão pagar dividendos!"
Em resumo, as próprias empresas estão causando essa crise, tanto quanto os especuladores, porque empresas como Amazon, Google ou Apple, especialmente, têm tomado empréstimos para comprar suas próprias ações. E ativistas corporativos, ativistas acionistas disseram àquelas empresas: "Queremos que vocês nos ponham nessa; porque queremos que vocês tomem empréstimos a 1%, para comprar as ações de vocês e ganhar 5%". Vocês ficarão ricos num piscar de olhos. Significa que todas essas recompras de ações, que Apple e outras empresas estão fazendo, a altos preços, de repente, sim, eles podem realizar aquele dinheiro no curto prazo. Mas o valor líquido delas está despencando. Assim estamos numa clássica deflação de dívida.
PERIES: Michael, por favor, explique melhor como essas recompras estão causando tudo isso. Para que as pessoas comuns entendam.
HUDSON: Bem, as recompras causam o aumento do preço das ações - as empresas estão sob pressão. Os gerentes são pagos conforme o que consigam fazer subir o preço da ação. E eles pensam: 'Por que teríamos de investir em pesquisa e desenvolvimento de longo prazo, quando podemos simplesmente comprar nossas próprias ações, o que as fará subir, mesmo sem investimentos, sem criar um emprego, sem aumentar a produção?! Podemos conseguir que as ações subam, só com engenharia financeira. Usar o que nós já ganhamos, e comprar nossas próprias ações.'
Assim, o que se tem são ganhos ocos. Você fez os preços das ações subirem, sem que nenhuma empresa estivesse ganhando mais. Se você recompra suas próprias ações e retira as ações, nesse caso as ações sobem de preço. De repente, o mundo inteiro dá-se conta de que não passa de engenharia financeira, que é jogo de espelhos, que nada é economicamente real. Não houve nenhum aumento na lucratividade industrial. Só houve desvio da renda do negócio da empresa, para os mercados financeiros, em vez de investimentos palpáveis, em vez de a empresa contratar empregados.
PERIES: Michael, Lawrence Summers está tuitando. Diz que "como em agosto 1997, 1998, 2007 e 2008, podemos estar nos primeiros estágios de uma situação muito difícil" (parte da culpa pela qual, acho eu, pode-se atribuir a ele). O que você acha desse comentário? São os começos de um problema maior?
HUDSON: Gostaria que ele tivesse explicado o que significa, para ele, a palavra 'situação'. O que as pessoas em geral não percebem - especialmente o que Lawrence Summers não percebe, é que há duas economias.
Quando ele diz "situação difícil", está dizendo "difícil para o eleitorado dele". O 1%. O 1% está pensando 'oh, vamos perder no mercado de ações'. Mas... O 1% está ganhando muito dinheiro empurrando os 99% para o endividamento; ao apertar cada vez mais as condições de trabalho e arrancar mais trabalho, por menor salário, de cada um que consiga manter-se empregado. Ganham muito dinheiro ao arrochar os salários. Tiram tanto dinheiro de circulação, matam o mercado de fome, até que ninguém tenha dinheiro para comprar os produtos que a indústria produz.
Quero dizer: a "situação" está na economia real, não na economia financeira. Mas Lawrence Summers e o Federal Reserve, repentinamente, chegam e dizem... "Escutem, não estamos interessados, ninguém aqui se preocupa com a economia real. Só nos interessamos e só nos preocupamos com o mercado de ações."
De fato, o que vimos nos últimos poucos anos, dois anos, eu diria, dessa corrida às ações, é coisa única. Pela primeira vez, a Bolsa, os bancos centrais dos EUA e também da Suíça, da Europa, estão dizendo que o papel do banco central é inflar os preços das ações. Ora... A razão tradicional conhecida para haver bancos centrais, que eles mesmos sempre apresentaram, sempre foi conter a inflação. E agora... Não querem conter coisa alguma, estão tentando inflar o mercado de ações. E o Federal Reserve vem tentando fazer subir o mercado de ações puramente por razões financeiras, com essa baixa taxa de juros e o 'alívio quantitativo'.
E o Wall Street Journal também não entende nada, na página do editorial. Lá está uma coluna assinada por Gerald O'Driscoll, que foi da diretoria do Dallas Federal Reserve, dizendo "Vejam, o problema dos juros baixos é que encorajam investimentos de longo prazo, porque as pessoas podem esperar." Mas... o que é isso?! É aquela teoria austríaca doida. O verdadeiro problema é que os juros baixos fornecem dinheiro para os especuladores de curto prazo. E todo esse crédito foi usado, não para o longo prazo, não para qualquer tipo de investimento, fosse qual fosse, mas só, exclusivamente, para a especulação. E quando há especulação, uma pequena gota no mercado pode varrer todo o capital investido.
Assim sendo, o que houve na manhã de hoje no mercado de ações foi uma imensa saída de dinheiro emprestado a pessoas que pensaram que o mercado iria subir, e que o Federal Reserve conseguiria inflar os preços.
O trabalho do Federal Reserve é aumentar o preço do dinheiro e das ações e dos imóveis, em relação ao trabalho. É como se o Federal Reserve estivesse fazendo luta de classes. Quer aumentar o patrimônio do 1%, em relação ao que ganham os 99%, e estamos vendo aí, agora, que o efeito dessa luta de classe foi sucesso tão absoluto, que já empurrou a economia para a dívida, tornou a economia lentíssima e levou à crise em que estamos hoje.
PERIES: Michael, só mais uma pergunta. Muita gente comum está em casa, pensando que "ora, é um estouro no mercado de ações. Eu não tenho dinheiro em ações, portanto, não é comigo". O que você tem a dizer a essas pessoas? Haverá algum impacto sobre todos esses?
HUDSON: Não os afetará muito. O fato é que tanto do dinheiro que está no mercado é capital especulativo, que de fato pouco afetará esses norte-americanos comuns. E com certeza tampouco afetará a China.
A China está tentando desenvolver um mercado interno. E tem outros problemas, e o mercado não vai afetar nem isso nem a China bem os norte-americanos comuns. O problema é que quando os 1% perdem dinheiro, eles se põem a gritar feito doidos. Para os 1%, os 99% têm o dever de 'resgatá-los'.
PERIES: E sobre economias para aposentadorias e coisas assim?
HUDSON: Ora, se as economias para aposentadorias estiverem aplicados no mercado de ações, em fundos especulativos, perderão dinheiro, mas poucas economias estão aplicadas nesses fundos. Essas economias já saíram, já se afastaram do mercado. E o mercado só está voltando para o ponto onde estava no início desse ano. Significa que ninguém de fato sofreu tanto assim. Apenas não conseguiram ganhar a montanha de dinheiro que esperavam ganhar. Nada pior que isso.
PERIES: Muito bem, Michael, e obrigada por nos receber.
HUDSON: É sempre bom estar com vocês.
26/8/2015, Michael Hudson, The Real News Network (vídeo e transcrição)