Quando os EUA metem-se em 'alívio quantitativo' perene, tudo bem. Quando a União Europeia agarra-se ao seu 'alívio quantitativo', tudo bem. Mas quando o Banco da China decide que interessa à nação deixar o yuan cair um pouco, em vez de subir infinitamente... é o Apocalipse.
Bastou o Banco da China desvalorizar o yuan, dois dias consecutivos - movendo-se dentro da banda de 2% que tem para mover-se -, para os proverbiais mortos-vivos financeiros globais pirarem completamente.
Esqueçam a histeria. O xis da questão é que Pequim está injetando mais combustível num jogo longo e bastante complexo: soltar a taxa de câmbio em yuan; deixar que flutue livremente contra o dólar norte-americano; e estabelecer o yuan como moeda global de reserva.
Trata-se pois, essencialmente, de liberar a taxa de câmbio - não de alguma 'guerra' monetária, como reza a boataria frenética, de Washington/Wall Street a Tóquio, via Londres e Bruxelas.
Observemos a reação de alguns especialistas
Ex-presidente não executivo [orig. non-executive] do [banco de investimentos] Morgan Stanley na Ásia, Stephen Roach, veio com a muito previsível ortodoxia à Deusa do Mercado, alertando para a "clara possibilidade de escaramuça nova e cada vez mais desestabilizante na guerra monetária global que continua a se ampliar. A corrida para o fundo acaba de se tornar bem mais traiçoeira."
Nota escrita por um grupo de analistas do HSBC é mais realista: "A pressão de depreciação sobre moedas asiáticas pela ação da China, deve diminuir, dado que a nação não visa à construir um yuan muito mais fraco. Fazê-lo seria contradizer o objetivo de promover maior uso global do yuan."
Mas é Chantavarn Sucharitakul, diretora-assistente do Banco da Tailândia, quem acerta a cabeça do prego no que tenha a ver com toda a Ásia: "O impacto de longo prazo deve ser avaliado em termos de se maior flexibilidade do yuan pode beneficiar a reforma econômica da China, ao mesmo tempo em que depreciar o yuan pode ser positivo para o crescimento econômico da China, que beneficiaria também o comércio regional."
O próprio Banco da China, em declaração, destaca que a depreciação permitirá que os mercados tenham maior influência sobre a taxa de câmbio do yuan.
Crucialmente importante, destaca também que não há base econômica para a desvalorização, e faz referência ao atual enorme superávit em conta corrente e às gigantescas reservas da China em moeda estrangeira.
Na interpretação de Pequim, o forte laço mantido com o dólar norte-americano interferiu na competitividade da China vis-à-vis seus principais parceiros comerciais - Japão e Europa.
Quer dizer que é hora de sacudir o (balançante) bote. Daí a histeria sobre "guerra monetária" - porque o resultado prático, no médio prazo, será novo impulso às exportações chinesas.
Quando os EUA metem-se em 'alívio quantitativo' perene, tudo bem. Quando a União Europeia abraça o seu 'alívio quantitativo', tudo bem. Mas quando o Banco da China decide que interessa à nação deixar o yuan cair um pouco, em vez de subir infinitamente... é o Apocalipse.
É só fazer as contas
Manter o yuan acompanhando de perto o dólar norte-americano serviu muito bem à China - até agora. Os alívios quantitativos na União Europeia e no Japão levaram a euro mais fraco e a yuan mais fraco -, mas o yuan permaneceu estável em relação ao dólar norte-americano.
Tradução: desde junho-2014, já há mais de um ano, a real taxa de câmbio do yuan vinha sendo a mais forte do mundo, tendo crescido 13,5%, mais que a do dólar norte-americano (12,8%).
Não foi difícil para Pequim, fazer as contas: o forte laço mantido com o dólar norte-americano interferiu na competitividade da China vis-à-visseus principais parceiros comerciais - Japão e Europa.
E simples desvalorização de 2% pode não ser suficiente para fazer aumentar as exportações chinesas. Afinal, o yuan apreciou-se mais de 10% ao longo do ano passado em relação aos principais parceiros comerciais da China.
Daí o que se ouve em Pequim, de insiders, sobre "vozes poderosas no governo" que estariam empurrando o Banco da China para desvalorização total, do yuan, de 10%. Bom... Isso, com certeza, impulsionaria as exportações.
Assim sendo, a desvalorização dessa semana - que gerou tanta histeria - parece apontar para mais algumas desvalorizações aí à frente, pela estrada.
Se se considera que se trata de China, onde o planejamento é feito com anos de antecedência, sem frenesis do dia para a noite, como é prática no território da Deusa do Mercado, vê-se que o jogo tem a ver com converter o yuan em moeda global oficial de reserva.
Uma equipe de especialistas do FMI esteve recentemente em Xangai, falando com funcionários do banco central chinês e do Sistema Chinês de Comércio Exterior e Câmbio [orig. China Foreign Exchange Trading System], que supervisiona o comércio de moeda na China, para estabelecer se o yuan pode ser incluído na cesta, criada pelo FMI, de moedas que gozam de special drawing rights (SDR).
Não surpreendentemente, o próprio FMI elogiou a recente desvalorização: "a China pode, e deve, procurar chegar a sistema de taxa de câmbio realmente flutuante, dentro dos próximos dois ou três anos."
E o FMI também admite que "taxa de câmbio mais determinada pelo mercado facilitaria as operações SDR, no caso de o renminbi vir a ser incluído, adiante, na cesta de moedas."
É disso, portanto, que se trata: ajustes chineses, já de olho no processo de preparar o yuan para que se qualifique ao status de moeda de reserva. A decisão final do FMI é esperada para o final de 2015, outono de 2016.
Um yuan internacionalizado estabelecido como moeda global de reserva implica taxa de câmbio "determinada pelo mercado". É o objetivo ao qual visa o Banco da China. O resto é só tempestade em xícara de chá (de dólares norte-americanos). *****
12/8/2015, Pepe Escobar, Sputnik News