Nós, as FARC-EP, celebramos em 27 de maio de 2015 mais um aniversário de nosso nascimento em Marquetalia. "Sempre acreditamos que a tomada do poder é impensável sem a participação ativa e decisiva das massas populares organizadas e a esse propósito dedicamos a parte mais importante de nossos esforços."
Durante 51 anos contínuos combatemos as forças militares e policiais colombianas, seus grupos paramilitares, seus apoiadores norte-americanos, britânicos, israelenses e os demais, com uma impressionante assimetria de recursos de toda ordem, movidos exclusivamente por nossas convicções, inspirados por nossos mártires e sem alterar em um milímetro nossos princípios e objetivos. E permanecemos combatendo-os, ao preço de nosso sangue e nossas vidas, com a mesma coragem e disposição.
Guerrilheiro Marquetaliano 1964
Nossa luta armada de mais de meio século na Colômbia foi a expressão particular de uma luta econômica, ideológica e política universal, que enfrenta os poderes do capital, o latifúndio e a violência, contra as aspirações dos povos, dos trabalhadores e da paz. Pegamos em armas há mais de cinco décadas porque em nosso país as vias democráticas legais foram fechadas violentamente para o exercício da atividade política opositora. Porque pronunciar-se contra a injustiça do sistema capitalista e a exclusão política vigente transformou-se em crime, porque a prisão e o caixão se fizeram destino seguro para aqueles que se negaram a seguir a voz dos partidos tradicionais da oligarquia ajoelhada ante o governo de Washington.
As FARC-EP formaram ao longo destes 51 anos uma imensa comunhão de colombianas e colombianos de todas as regiões e culturas, de dimensões e profundidade muito maiores que nossas estruturas armadas. Contamos com o sincero afeto e a solidariedade de muitos povos do continente e do mundo. Podemos dizer, com orgulho, que são os elevadíssimos graus de consciência, combatividade e heroísmo dessa grande fraternidade fariana que nos permitem fazer frente, sem nos intimidarmos jamais, à mais intensa arremetida ideológica, política e militar empreendida pelo imperialismo, a oligarquia e seus aliados contra um povo de Nossa América em toda sua história.
Nós, as FARC-EP, somos um partido político em armas, o somos desde o dia de nosso nascimento. Tínhamos em Marquetalia nossas ideias e propostas para as comunidades isoladas e colônias agrícolas derivadas da amarga noite de violência liberal conservadora. Porém, ante a enorme arremetida de que fomos vítimas em maio de 1964, por ordem do Presidente Guillermo León Valencia e em execução dos planos do Pentágono, elaboramos, em meio à confrontação, uma simples declaração que denominamos Programa Agrário dos Guerrilheiros, na qual ficaram registradas as razões de nossa histórica luta, a natureza de nossos objetivos e a necessidade de formar um grande movimento nacional pelas mudanças urgentes que requeria o país.
Durante mais de cinco décadas, damos a conhecer a infinidade de documentos que refletem nossos projetos para a Colômbia, sempre odiados pelos donos do poder, distorcidos e manipulados pelos grandes meios de comunicação, perseguidos por todos os aparatos de morte e terror. No longo caminho empreendido para a materialização da paz, cada vez que nós das FARC-EP sentamos a uma Mesa de Conversações com o governo nacional, demos a conhecer ao país e ao mundo nossos pensamentos e aspirações para a Colômbia. Assim, o fizemos com a plataforma política que serviu de lançamento ao movimento político União Patriótica, assim como nas múltiplas Audiências Públicas celebradas no Caguán. Da mesma maneira, agimos hoje com as propostas mínimas sobre cada um dos pontos da agenda de Havana.
Preocupação principal
Nossa preocupação principal ao longo destes 51 anos de luta tem sido a formação de um grande movimento político que se constitua na verdadeira alternativa de transformação democrática para o país. Uma gigantesca torrente de massas que tenha a capacidade de desprezar a oligarquia na Colômbia e arrebatar-lhe o poder. Sempre acreditamos que a tomada do poder é impensável sem a participação ativa e decisiva das massas populares organizadas e a esse propósito dedicamos a parte mais importante de nossos esforços. A ganância do imperialismo norte-americano e da oligarquia dominante na Colômbia fez ver em qualquer líder ou organização social ou política de oposição um verdadeiro perigo para seus interesses, fazendo necessário removê-los do meio de modo exemplar. Isso explica o derramamento de sangue ininterrupto de nossa pátria.
Nunca deixamos de relacionar a ideia da paz com as de democracia e justiça social. Porque a pobreza e as carências, as iniquidades próprias da desigualdade social e os privilégios políticos são a principal fonte de inconformidade e protesto contra um regime. Os povos, as classes desfavorecidas reclamam por seus direitos quando os mesmos são negados ou violados, organizam-se politicamente na oposição quando são concedidas as garantias para fazê-lo. Porém, se são impedidos de se organizar como oposição, sendo perseguidos, encarcerados e assassinados por apresentarem sua inconformidade, essa violência, essa negação absoluta da democracia, essa institucionalização do crime e do terror se convertem no principal alimento da rebeldia, na causa principal do levante armado e da guerra.
Nós, as FARC-EP, somos oposição política em armas porque a violência e o terror de Estado imperantes na Colômbia se encarregam de proibir as expressões políticas de inconformidade com o regime. O que reclamam os ecos de nossos fuzis é o direito à vida de todos os colombianos que não acreditam nas bondades do sistema, é o direito a expressar as ideias livremente e fazer política com elas, sem que recebam dois disparos na nuca na porta de sua casa. Nenhum país do continente, nem sequer aqueles do cone sul que suportaram por anos horrendas ditaduras, contam um número tão impressionante de vítimas estatal como as que contam a Colômbia, de cuja estabilidade democrática ufana suas classes dominantes com verdadeiro cinismo.
O extermínio de organizações políticas completas, o elevadíssimo número de assassinatos políticos, a desenfreada e impune ação de grupos paramilitares e matadores, a aterradora lista de massacres, desaparecimentos, montagens judiciais, despojos violentos da propriedade, deslocamentos forçados, ameaças e desterros, a ocorrência cotidiana da brutalidade policial repressiva, falsos positivos e operações militares de terror, imputáveis todos ao Estado, a seus altos funcionários e comandos militares e policiais, apoiados por governos estrangeiros, altos empresários, dirigentes políticos tradicionais, latifundiários, grandes meios de comunicação e setores da igreja católica, não podem ser dissimulados nem justificados. Trata-se de verdades que provam de modo inquestionável a ausência de uma democracia real em nosso país e são, portanto, a principal causa a atender e solucionar na busca da paz.
Não esquecemos as vidas arrebatadas de nossos companheiros de luta e de nosso povo durante todos estes anos, ao tempo que expressamos nosso afeto e solidariedade com os camaradas lesados, feridos de guerra e afetados por enfermidades. Doem-nos nossos prisioneiros e prisioneiras de guerra, que suportam o tratamento cruel e desumano nos cárceres do país e do exterior, sem abandonar seu sonho de revolução e socialismo. Para elas e eles, nosso abraço e nosso alento. À população civil afetada pelas repressões, deslocamentos e demais crimes do militarismo fascista, dentro dos quis cabe incluir a perseguição judicial, nosso sentimento de irmandade e nossa decisão de lutar até o final por ela. Neste 51° aniversário, reiteramos que sem os direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade dos opositores, sem a vigência de garantias certas para o exercício de sua atividade política, sem o ressarcimento de seus direitos violados, é inútil pensar na finalização do conflito.
Conflito e como termina
Do mesmo modo, voltamos a insistir na ignorância que significa pensar que o conflito colombiano terminará pela via da força e da submissão. O imperialismo e a oligarquia deveriam entender isso depois de 51 anos de tentativas frustradas. As FARC-EP sempre sustentaram que a solução é política, pela via das negociações, mediante um acordo que ponha fim às causas que originaram e alimentam o confronto. Este aniversário coincide com um conjunto de avanços importantes nesse sentido, alcançados com o governo de Juan Manuel Santos. Ainda considerando a força das explicações pendentes, é inquestionável que o acordado em matéria dos três pontos da Agenda carece de antecedentes e abre as portas ao otimismo. Avançam as discussões sobre o ponto das Vítimas e, paralelamente, trabalha a Subcomissão de cessar-fogo e o fim do conflito, onde, pela primeira vez na história, se sentam à mesa, para dialogar com respeito, importantes comandos das forças armadas enfrentadas durante todos esses anos.
A Mesa de Havana abriu as portas para as mais diversas representações das vítimas, incorporando a visão de gênero, produzindo o Informe da Comissão Histórica, celebrando pela primeira vez um acordo humanitário de descontaminação de explosivos. Implicou no reconhecimento das FARC-EP como organização política e validou tal caráter ante a comunidade internacional, representada pelos países acompanhantes e garantidores do processo, o que por sua vez recebeu as mais diversas manifestações de apoio, entre as quais cabe destacar a nomeação de enviados especiais por parte dos governos dos Estados Unidos e Alemanha. Também, e o mais importante, despertou um amplo debate nacional em torno do significado da paz e as aspirações do povo colombiano, que se mobilizou de forma majoritária em apoio à solução política, ao cessar-fogo bilateral e à Assembleia Nacional Constituinte.
O conjunto do exposto dá lugar ao mais positivo dos ânimos com relação à obtenção de um Acordo Final completamente satisfatório para ambas as partes, capaz de conseguir o referendo das grandes maiorias nacionais e digno do reconhecimento internacional. As FARC-EP consideram que seria uma grande vitória para o povo colombiano a assinatura desse Acordo Definitivo de Paz, em cuja elaboração nós consideramos urgente o acréscimo do Exército de Libertação Nacional e o resto da insurgência revolucionária consequente. Por isso, reiteramos hoje nossa decidida disposição em obtê-lo, entendendo sempre que se trata da confluência de duas vontades e não da submissão de uma delas ao império da que se considera mais forte, porque pode bombardear pelo ar e matar de uma vez, covardemente, dezenas de seus adversários.
O otimismo e a fé expressos na consecução de um Acordo Final não deixam de ser atravessados por sombras sinistras, contra quem o povo colombiano, mobilizado de formas distintas, deve fechar o caminho com a firme decisão. A primeira delas é a promoção e expedição de normas constitucionais e legais que o governo nacional sabe vão em aberta contradição com o pactuado e o pendente de ser aprovado em Havana. O previsto em matéria de terras e política de exploração de recursos naturais no Plano Nacional de Desenvolvimento impossibilita a execução de acordos pontuais assinados na Mesa de Havana, do mesmo modo que ocorre com reformas de corte mais antidemocrático ainda, previstas no chamado equilíbrio de poderes.
Independente da Mesa de Conversações, o governo insiste em aprovar um marco legal para a paz e uma justiça transicional, conforme o interesse exclusivo de certos setores comprometidos até os ossos com os mais diversos crimes, ao mesmo tempo em que adianta uma campanha geral de propaganda em torno das condenações e penas impostas aos comandantes guerrilheiros. Tudo visa apresentar como fatos consumados sem qualquer discussão. Isso só pode despertar dúvidas e desconfianças.
A reiterada negativa em acordar um cessar-fogo bilateral desde a primeira aproximação feita por nós e sua insistência em conversar em meio ao confronto até o último dia, só pode ser interpretada como a aspiração em obter mediante rios de sangue nossa rendição na Mesa de Havana. Enquanto isso, nossos gestos unilaterais de paz são desprezados, reagindo com escândalo, ameaças e ordens absurdas a nossa mais que justificada resposta militar. Buscamos uma solução pacífica, civilizada e democrática à guerra que nos foi imposta há 51 anos porque sabemos da dor que ela causa a nosso povo, porque entendemos que a morte das filhas e filhos da mesma pátria se produz em benefício exclusivo das classes abastadas, porque sabemos que um povo reconciliado pode unir-se e trabalhar por uma ordem econômica e social mais justa e humana.
Juramos vencer!... E venceremos!
SECRETARIADO DO ESTADO MAIOR CENTRAL DAS FARC-EP
Montanhas da Colômbia, 27 de maio de 2015.