Se pelo menos os Mad Men na vida real fossem como Don Draper - canalizando o verdadeiro eu-interior, depois de muito agito, num "tudo bem comigo, tudo bem com você". Em vez disso, o que há é um punhado de doidos (do Pentágono) provocando todos os seus maiores concorrentes geoestratégicos, todos ao mesmo tempo.
Os Mestres da Guerra, no governo Obama autodescrito como "Não façam merdacoisa estúpida", anunciam agora que estão prontos para despachar aeronaves e navios de guerra para bem perto (a 18km de distância) de sete ilhas artificiais que a China construiu nas Ilhas Spratly.
A resposta de Pequim, pelo Global Times, não poderia ser diferente de "Haverá guerra". "Se a última palavra dos EUA é que a China teria de suspender suas atividades, nesse caso uma guerra EUA-China é inevitável no Mar do Sul da China (...) A intensidade do conflito será mais alta do que em geral define-se como 'atrito'."
Segundo Pequim, os faróis construídos, um no Recife de Huayang, outro no Recife de Chigua - áreas agora em discussão -, foram construídos "para aumentar a segurança de navegação no Mar do Sul da China".
Não há qualquer sinal de que a China venha a suspender seu trabalho de construir ilhas, mesmo com navios de guerra dos EUA por ali, de um lado para o outro, naquela quebrada naval. Será que os EUA darão uma de heavy metal e desencadearão o maior atrito, para impedir que navios chineses civis naveguem por ali? Ou quem sabe a Marinha dos EUA espera que Pequim meta a viola no saco e colapse?
O que o Global Times deixa implícito é que com certeza absoluta a China revidará, se navios de guerra dos EUA entrarem nos 18km demarcados em torno das ilhas.
Pequim já calou eletronicamente os drones Global Hawk de vigilância de longo alcance que espionavam as Ilhas Nansha. E Pequim considera demarcar uma Zona Aérea de Identificação de Defesa [orig. Air Defense Identification Zone (ADIZ)] no Mar do Sul da China, tão logo esteja completo o trabalho nas sete ilhas artificiais.
Esse aventureirismo excepcionalista dos EUA no Mar do Sul da China pode fugir de qualquer controle em velocidade alarmante. Combine isso e o "patrulhamento" do Pacífico Ocidental - com os EUA e Austrália já bem perto de receberem por ali o Japão em pleno processo de remilitarização, para seus joguinhos bienais de guerra. O resultado é um Diálogo Xangrilá - reunião de cúpula, sobre segurança, que se realiza a cada dois anos em Cingapura, e que começa no próximo sábado - ainda mais quente que o habitual. Melhor que aquele sortimento de agentes provocadores não se metam com o almirante Sun Jianguo, subcomandante do Alto Comando do Exército Popular de Libertação, que será o convidado-estrela do show.
Tudo sobre a Rota da Seda Marítima
A mais nova escalada acontece no momento em que Pequim divulga seu mais recente documento militar,[2] no qual detalha uma nova estratégia defensiva - a qual é agora, para todas as finalidades práticas, defensiva/ofensiva de tipo Pleno Espectro Terra-Mar-e-Ar-e-Ciber). Planejadores do Pentágono, mastigai vosso coração coletivo: o tal "pivoteamento para a Ásia" acaba de encontrar adversário à altura.
Dentre os destaques, sabe-se agora que a China está oficialmente aderindo ao princípio segundo o qual "Nós não atacaremos, a menos que sejamos atacados, mas com certeza contra-atacaremos se formos atacados." - É amostra gráfica do que pode acontecer a seguir no Mar do Sul da China.
Pequim passa a focar-se em "vencer guerras informacionais locais" (está ativada uma verdadeira tempestade elétrica para desmontar nuvens de informação eletrônica).
E a ELP-Marinha [ing. PLA Navy (PLAN)], a Marinha do Exército Popular de Libertação, mudará gradualmente de foco: de "defesa de águas territoriais", para uma combinação de "defesa de águas territoriais" com "proteção de mares abertos"[3]. Bem-vindos à doutrina chinesa que bem se pode intitular "Do mar (da China) ao shining sea".
Zhang Yuguo, coronel sênior do comando do Exército Popular de Libertação, estava visivelmente muito satisfeito na conferência de imprensa, quando disse que "Há países que escolhem estratégias preventivas, enfatizando a intervenção preventiva e tomando a iniciativa de atacar. Nossa estratégia é totalmente diferente dessa." E então, a frase-suspense-não-percam-o-próximo-capítulo, no melhor estilo Sun Tzu: "Ser 'ativo' não passa de uma espécie de recurso. Nosso objetivo principal é 'defesa'."
Para os que insistem em não captar a mensagem, o documento é a prova clara de que a China posicionou-se agora como aspirante a grande potência marítima.
Na verdade, é genético. A China já tinha a maior frota naval do mundo pelo menos desde 200 anos antes de Cristóvão Colombo, e foi devidamente utilizada pela dinastia Ming para explorar os litorais da Ásia, do arquipélago indonésio, da África e do Oriente Médio.
E adivinhem o que eles queriam, naqueles idos: comércio/negócios de "ganha-ganha" e intercâmbio cultural. Faça negócios, não faça guerra. Séculos adiante, tudo volta, remixado, na(s) Nova(s) Rota(s) da Seda, ou no projeto "Um Cinturão, Uma Estrada".
E não esqueçam: Urfa vem aí
A estratégia de Pequim para o Mar do Sul da China sempre foi clara. Todos - sem discriminação - terão direito de passagem. Todas as disputas - de exploração de petróleo e gás a direitos de pesca - devem ser resolvidos bilateralmente no quadro da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ing. ASEAN). E todo o processo nada tem, absolutamente nada, a ver com Washington.
Os EUA insistem que a 'linha de cinco traços' [ing. nine-dash-line] da China infringe a lei internacional. É risível.
De fato, aquela linha foi sonhada pelos chineses nacionalistas do Kuomintang dois anos antes do nascimento da República Popular da China em 1949.
Washington diz que a implementação da linha de cinco traços permitirá que a China controle a navegação no Mar do Sul da China. Mais uma vez: Pequim não tem interesse em controlar coisa alguma, só quer negócios e mais negócios, o que já é fato: 80% do tráfego comercial marítimo mundial é serviço de navios chineses.
Não há o que faça Pequim retroceder da negociação no âmbito da ASEAN - porque o Mar do Sul da China é elemento chave da Rota Marítima da Seda. O que Pequim quer são negócios de "ganha-ganha" com todos, do Vietnã às Filipinas, especialmente em termos de explorar toda aquela energia submersa.
Quanto a Washington - como Pequim a vê - tudo se resume à total obsessão de manter-se como o hegemon dos mares, pelo planeta inteiro, do Pacífico Asiático ao Estreito de Malacca e o Oceano Índico.
Daí aparecer o documento chinês, para fazer lembrar a todos em todo o mundo, que o Mar do Sul da China não é lago norte-americano; que o Mar do Leste da China e o Mar Amarelo não são lagos nipo-americanos; e que o Oceano Índico não é Oceano Norte-Americano. Não há o que contestar.
Todos esses desenvolvimentos cruciais foram estudados em detalhe no início dessa semana, na 11ª rodada de consultas estratégicas China-Rússia em Moscou - quando o Conselheiro de Estado chinês Yang Jiechi, um segundo ministro de Relações Exteriores muito ativo na promoção das políticas de Estado da China, sentou-se frente a frente com o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolai Patrushev.
Enquanto o Pentágono corre e bufa, Pequim lança sua doutrina militar anti-nonsenses; russos e chineses afinam sua parceria estratégica; e constroem o ato que levarão juntos para a próxima e crucialmente importante reunião de cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, que acontecerá nesse verão, em Urfa. Preparem-se, porque os doidos-aqueles pirarão completamente. Ah, sim: de agora em diante, nada de cruzeiros românticos pelos mares.*****
From sea to shinning sea [literalmente, "do mar ao mar brilhante", no sentido de 'costa a costa'] é expressão de um canto patriótico, "America the Beautiful", que se ouve frequentemente como o hino dos EUA [ver http://en.wikipedia.org/wiki/America_the_Beautiful]. A tradução que aí se lê é uma tentativa, para recuperar parte desses significados complexos (NTs)].
"Estratégia Militar da China". Pequim, maio 2015. Gabinete de Informação do Conselho de Estado da República Popular da China (ing. Xinhua, 26/5/2015; traduzido em redecastorphoto).
Mares abertos: Que têm ligação direta com águas oceânicas; p. ex., o Mar das Antilhas e o Mar da China .
27/5/2015, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://atimes.com/2015/05/patrolling-the-hood-from-china-sea-to-shining-sea/