"Tem de, afinal, haver um genuíno debate público. Não é fácil, porque há cinco anos a Grécia está sendo esmagada sob as mais inacreditáveis campanhas de geração de medo e de desinformação. A atmosfera foi terrivelmente envenenada. Não é impossível travar esse debate hoje, mas é muito mais difícil hoje, do que teria sido há alguns anos."
Não é novidade que Costas Lapavitsas, professor da SOAS em Londres, tem defendido ativamente que a Grécia saia da zona do euro ("Grexit") - embora essa seja a primeira vez que o faz, depois de eleito deputado na lista eleitoral do SYRIZA em janeiro de 2015. Suas ideias foram mais uma vez ignoradas não só por seus opositores políticos, mas também por ministros de seu próprio partido.
Contudo, ainda que se discorde das ideias de Lapavitsas sobre a moeda, é difícil ignorar a avaliação que faz - confirmada pelos desenvolvimentos das semanas recentes - de que a Eurozona não parece admitir nenhuma 'terceira via' objetiva entre ou arrocho [orig. 'austeridade'] ou Grexit: "A liderança do partido sabe que terá escolha muito difícil a fazer: perseveramos com o programa que apresentamos ao povo grego? Ou nos rendemos ao que as instituições, o Grupo de Bruxelas, a Troika, chame como quiser, querem que nós façamos? As duas coisas são incompatíveis."
Suas entrevistas recentes, ao jornal Bild na Alemanha, e à revista 'Jacobin '[1] em inglês, dispararam uma onda de reações na Grécia: "Plano para desgraça com dracmas e racionamento de gasolina!", na manchete do 'moderado' TOC, seguido por manchetes assemelhadas em praticamente toda a mídia-empresa grega.
Que interesse haveria em manter secreto na Grécia, um debate que já ganhou as manchetes de todo o mundo e respectivos Parlamentos interessados? Pouco muda, com apresentar-se a estratégia de Grexit como catastrófica, ou como "a única solução lógica" - como se lê nessa entrevista ao diário berlinense Der Tagesspiegel e ThePressProject International. - O que importa é que "pelo menos agora, tem de haver genuíno debate público".
Der Tagesspiegel e ThePressProject International (T & PPI): Qual sua opinião sobre as negociações até agora? Como o governo está-se saindo?
Costas Lapavitsas: A estratégia do SYRIZA foi - e continua a ser - que uma mudança no alinhamento político de forças na Grécia, na Europa, ou em geral, operaria como catalisador na Eurozona. Essa estratégia, agora, se esgotou. A verdadeira questão é quanto tempo ainda demorará para que as pessoas vejam isso.
Pessoalmente, sempre fui muito cético quanto a essa estratégia. Sempre disse que não se trata só de alinhamento político, que há mecanismos institucionais e há a lógica da união monetária. E os que creem que basta uma simples mudança de política, para transformar tudo isso, erram sempre. Acho que, agora, isso se confirmou, mais uma vez.
O que vimos é que o quadro institucional da Eurozona e a maquinaria ideológica conectada a ele não são sensíveis a argumentos que venham de realinhamentos eleitorais. E o acordo de 20 de fevereiro, no Eurogrupo, reflete isso.
T & PPI: Seus colegas de partido entendem também que essa estratégia esteja esgotada?
Costas Lapavitsas: SYRIZA é organização grande, que cresceu muito rapidamente. Reflete a sociedade grega. Não é alguma espécie de partido de esquerda tradicional; há lá portanto uma variedade de opiniões e de graus de consciência política.
A liderança do partido sabe que terá escolha muito difícil a fazer: perseveramos com o programa que apresentamos ao povo grego? Ou nos rendemos ao que as instituições, o Grupo de Bruxelas, a Troika, chame como quiser, querem que nós façamos? As duas coisas são incompatíveis.
T & PPI: Não há 'caminho do meio'? Não há via alternativa?
Costas Lapavitsas: Não há caminho do meio. A Eurozona não permitirá nenhuma alternativa. Se eu acho que tenha sido surpresa para a liderança do partido? Acho. Acho, sim, que, em certa medida, sim, foi surpresa para eles. Porque minha leitura da situação é que a liderança acreditava sinceramente, genuinamente, que se você conseguiu mudar os alinhamentos políticos, vc sempre conseguirá mudar a aritmética eleitoral e, por isso, a partir dessa base, sempre seria possível mudar a Europa, mudar as políticas europeias.
T & PPI: Assim sendo, o que deveria fazer o governo grego, em sua opinião?
Costas Lapavitsas: A Grécia precisa considerar o verdadeiro caminho alternativo, que é o de se separar dessa união monetária falida. É claramente a única via que sempre existiu, desde o início - basicamente: sair da Eurozona. Se você vai aplicar um programa desse tipo, como SYRIZA proclamou, e que não é programa radical - o programa do SYRIZA é apenas um keynesianismo moderado -, você tem de pensar seriamente sobre como você conseguirá arrancar-se de dentro dos limites da Eurozona.
T & PPI: O senhor acha que o SYRIZA tem mandado para fazer isso?
Costas Lapavitsas: Resposta direta é não. O SYRIZA só tem mandado para realizar o próprio programa. Indiretamente, não diretamente, só tem mandado para manter o país dentro da Eurozona. Mas a questão jamais foi colocada assim abertamente, claramente, para o povo grego.
T & PPI: A solução seria um referendum?
Costas Lapavitsas: A primeira coisa a fazer não é nos pormos a discutir a ideia de fazer-se ou não algum referendum. A primeira coisa a fazer é realmente discutir uma estratégia alternativa. Tem de, afinal, haver um genuíno debate público. Não é fácil, porque há cinco anos a Grécia está sendo esmagada sob as mais inacreditáveis campanhas de geração de mede e de desinformação. A atmosfera foi terrivelmente envenenada. Não é impossível travar esse debate hoje, mas é muito mais difícil hoje, do que teria sido há alguns anos.
Pela minha avaliação, a melhor estratégia nesse momento é o que chamo de "uma saída ordeira e consensual". Não alguma saída contestada.
T & PPI: O senhor pode elaborar essa sua ideia?
Costas Lapavitsas: Acho que a Grécia deve fixar um alvo para si mesma, para negociar uma saída sem ruptura, sem sobressalto, sem luta, sem ações unilaterais. Significa: acontece a saída da Eurozona, e a Grécia parte para conseguir reestruturação profunda da dívida.
T & PPI: Por que os parceiros na União Europeia aceitariam isso? Essa saída inclui dois elementos que a Eurozona não quer: a saída, propriamente dita; e a reestruturação da dívida.
Costas Lapavitsas: Não estou completamente convencido de que a Eurozona não quer a saída. Desconfio de que sim, quer. E pela minha avaliação, se um país requer que se construa uma saída negociada, ele conseguirá sair. Em 2011, a Alemanha, Schauble, era favorável a uma saída negociada.
O preço para a Eurozona deve ser a reestruturação da dívida. Mas há dois outros elementos muito importantes: a proteção da taxa de câmbio e a proteção dos bancos. São medidas essencialmente sem custo para o Banco Central Europeu, porque a Grécia é país pequeno.
T & PPI: O que a Europa ganharia com isso?
Costas Lapavitsas: Paz e tranquilidade. [Pausa] Por algum tempo.
T & PPI: Por que só por algum tempo?
Costas Lapavitsas: Porque, em minha opinião, a união monetária é um enorme, histórico fracasso. É o maior fracasso da Europa em décadas. Não durará. Mas obviamente pode durar por tempo suficiente para ver morrer a Grécia. Claro que os proponentes da Eurozona creem que ela duraria para toda a eternidade. É uma ilusão, um delírio histórico. Uniões Monetárias nunca duram muito. Eles que acreditem no que quiserem. Não faz diferença.
T & PPI: E a União Europeia, como construção política, sobreviveria, se os países saíssem da união monetária?
Costas Lapavitsas: Em 15 anos, a união monetária destruiu toda a simpatia e a boa-vontade que a União Europeia gerou na Europa. O estado das relações nos países europeus hoje é provavelmente o pior em décadas. A situação das relações entre Alemanha e Grécia é horrível, atroz. E tudo por causa do euro.
É prova de que esse dinheiro não gera solidariedade: só cria divisões. E aí, outra vez, está a maior prova do fracasso da união monetária. E, claro, a teimosia, a nenhuma disposição para reconhecer o fracasso nesses últimos cinco anos está tornando as coisas ainda piores. O que a UE fez nos últimos cinco anos foi atar-se ainda mais fortemente em torno da moeda comum, em lugar de reestruturá-la em profundidade. De fato, tornou o laço ainda mais rígido. Assim, sim, se a moeda comum fracassar agora, como entendo que fracassará, toda a UE estará em questão. É o preço a pagar pelo erro histórico da moeda comum.
T & PPI: Então, para a Grécia, deixar a Eurozona significa também deixar a União Europeia?
Costas Lapavitsas: O que realmente importa é diferençar entre as duas coisas: a União Europeia e a Eurozona. Nesse país, e em quase toda a Europa, enfrentamos, há anos, uma confusão sustentada. Que ser membro de uma seria igual a ser membro da outra. Isso é absurdo evidente, porque há membros da União Europeia que não são membros da união monetária, a chamada Eurozona. Se a Grécia deixa o euro, nem por isso teria de deixar a União Europeia ao mesmo tempo. Se o povo grego quer sair da UE, que saiamos da UE. É questão completamente separada. Essa confusão é mortal. E tem sido usada ideologicamente...
T & PPI: Houve mecanismos de união, até antes de haver a união monetária...
Costas Lapavitsas: Os regimes anteriores não deram certo, mas, comparados ao desastre que é a moeda comum, os regimes anteriores podem ser considerados retumbantes sucessos! Resumo da história: a Europa precisa de um sistema monetário que permita flexibilidade monetária. É completo nonsense impor um sistema de inflexibilidade monetária e, ao mesmo tempo, criar flexibilidade nos mercados de trabalho e no setor privado. Mas, em todos os casos, a razão mais profunda para o fracasso do euro é, claro, a política alemã.
T & PPI: E por quê?
Costas Lapavitsas: A Alemanha é o país mais delinquente, em toda a Europa. Não é a Grécia, nem a Espanha, nem a Itália. E, com certeza, não é a França. A França está sempre mais perto da 'lei', que a Alemanha. A Alemanha não deu nenhuma atenção às regras. Posso, mesmo, dizer de forma bem simples: a Alemanha frequentemente acusa a Grécia - é o que faz Schauble -, de que a Grécia estaria vivendo acima dos próprios recursos. É verdade. Mas a Alemanha tem sistematicamente vivido abaixo dos próprios recursos, e assim é que se geraram as altas exportações; não por causa de alguma tecnologia, mais alta produtividade e tal e tal. Essa é a razão que explica o 'sucesso' alemão.
Mas quando se vive numa união monetária, não pode ser considerado ruim viver acima dos próprios recursos nem pode ser considerado bom viver abaixo dos próprios recursos. A regra de ouro tem de ser que todos vivam conforme os próprios recursos. Estou dizendo que a Alemanha não seguiu as regras; o preço está sendo pago pelo povo alemão. Conheço bem como vive o povo alemão. Sei muito bem que os salários não sobem há anos; que 1/3 da força de trabalho vive em condições precárias, de quase miséria. Emprego precário, salários abaixo da produtividade...
T & PPI: O senhor está dizendo que o euro tampouco foi bom para o povo alemão...
Costas Lapavitsas: É o motivo pelo qual o povo alemão se enfurece cada vez que alguém cogita de mandar dinheiro para o exterior, de pagar pelos outros. Na posição dos alemães, eu também ficaria furioso: você vive no maior aperto, contando moedinhas, e aparece alguém e diz que você tem de pagar...
Mas por outro lado, os alemães exportam seus próprios negócios, os bancos alemães - essa é outra história. Nisso, trabalharam muito bem. Mas isso não implica qualquer benefício para o povo alemão.
T & PPI: Você acha que os alemães são mantidos propositalmente em situação de medo? Se você é alemão, a única coisa que se ouve é "as coisas vão piorar". A Alemanha - é o que nos dizem sempre - não está se saindo muito bem, a Europa não está tendo bom desempenho, a China vem aí, a Índia, a globalização...
Costas Lapavitsas: Globalização é uma dessas palavras que significam simultaneamente tudo e nada. Houve uma política consistente, executada pelo establishment alemão, para manter aterrorizado o público alemão e os trabalhadores alemães, para mantê-los permanentemente com medo do amanhã, principalmente com medo do desemprego. Disso, não há dúvida. A ideia é original nos idos de 1998-1999, de quando o desemprego estava alto e aceitávamos baixos salários para restaurar o emprego dentro de uma união monetária. Agora, o argumento parece ser "aceitamos baixos salários para competir com os chineses". A coisa não termina nunca. A verdade é que baixos salários não são bons para a Alemanha. A Alemanha precisa de uma política que estimule o aumento da demanda doméstica. Isso é neomercantilismo - a crença de que o crescimento só pode vir de fora, que a única riqueza são as exportações.
T & PPI: O senhor aplica o mesmo argumento também à Grécia? A demanda interna é crucial para a volta do crescimento? Como a Grécia conseguirá voltar a andar com os próprios pés?
Costas Lapavitsas: São três fases. Primeiro, como já disse, é a saída negociada, consensual, ordeira, da Eurozona. Segundo, é a recuperação, e muito dependerá da recuperação da demanda doméstica, que está muito pesadamente reprimida nesse país. Há muitos recursos completamente sem uso. Empresas pequenas e médias terão de ser reativadas. Isso dará novo start na economia grega. Não 'exportações'. Esse culto obsessivo das exportações é completo nonsense.
Mas obviamente esse não é realmente uma via para crescimento sustentável. Na sequência, a Grécia precisará de uma política industrial para reestruturar sua base produtiva, para integrar-se na economia mundial em bases diferentes. Serão necessários alguns anos.
T & PPI: Mas a Grécia mesmo assim ainda será parte de um mercado comum, como membro da União Europeia. Então, não é tão fácil, portanto fazer voltar a demanda doméstica e as pequenas e médias empresas, porque tudo isso teria de deslocar as grandes empresas que ainda podem vender mais barato.
Costas Lapavitsas: Entendo que a Grécia pode facilmente vencer a concorrência contra os importados. Infelizmente, os salários foram destruídos durante os últimos cinco anos, por causa das políticas de arrocho [orig. 'austeridade']. Uma desvalorização de 15-20% (mas não mais, porque, como já disse, o Banco Central Europeu defenderia a taxa de câmbio) nos daria tremenda vantagem competitiva. Os salários então novamente subiriam gradualmente.
T & PPI: Quais as chances de isso acontecer? De a Grécia poder escolher esse caminho?
Costas Lapavitsas: Em 2010, eu disse que há três soluções possíveis. Arrocho, "o bom euro" e Grexit. Disse que a solução mais provável seria o arrocho ["austeridade"] e que seria desastre total. Quanto à estratégia do "bom euro" (i.e., que se faça política keynesiana dentro dos limites da Eurozona - a estratégia do SYRIZA), eu disse que as chances de acontecer eram bem próximas de zero. A única estratégica lógica e a da saída da Eurozona. A verdadeira questão é se será saída contestada ou saída ordeira? Não sei. Mas em algum momento a saída terá de acontecer.
T & PPI: Como poderia ser saída ordeira, se agora, só porque se dizia que as negociações não estavam indo bem, já houve pânico e medo de uma corrida aos bancos?
Costas Lapavitsas: A primeira coisa que UE e Grécia têm de entender é que estão espancando cachorro morto. Depois de cinco anos de suplício, é tempo de pôr um fim na tortura. Essa estratégia esgotou-se. Um pouco de senso, por favor! Quando, então, falo de uma meta estratégica, falo disso. As pessoas têm de reconciliar-se com a ideia. E os que se recusarem a ver serão por razões ideológicas, porque a ideologia está envenenando o debate.
T & PPI: Que ideologia?
Costas Lapavitsas: Não é o neoliberalismo: é o europeísmo. A ideia de Europa como essa entidade transcendental que é boa para nós todos e à qual pertenceríamos. Essa é a enorme ficção que emergiu nos países dominantes e penetrou nos países mais fracos.
Sou socialista, à velha moda, com o antigo significado da palavra. A ideia de Estados Unidos da Europa e da solidariedade europeia são ideias socialistas e acredito nelas. Obviamente, também foi ideia nazista, de que Hitler se serviu. Ninguém tem o monopólio da ideia de uma Europa unificada.
Não acredito em 'povo europeu', algum povo único, não há demos europeu, e não deve haver. Europa é ideia de pluralidade, muitas línguas, muitas culturas. Desde quando seria desejável para todos nós sermos "europeus" e só, todos, só isso?
Todas essas são ilusões, são ideologias. Não vejo qualquer convergência política. Vejo crescer o fascismo, vejo crescer a direita radical, vejo tensão extrema. A Frente Nacional na França já tem 30% dos votos e, pelo modo como vão as coisas, não me surpreenderia se o próximo presidente francês for um fascista.
T & PPI: Se o euro foi ideia tão ruim, por que a tal "teimosia" - como o senhor disse - em toda a Europa, que o apoia? Que interesses há por trás da ideia do euro?
Costas Lapavitsas: Dinheiro é a corporificação também de relações não econômicas. Ele corporifica relações sociais, e tem uma identidade associada a ele. Muito frequentemente, essa identidade foi nacional. Os norte-americanos são o dólar; os britânicos são a libra; os alemães são o marco alemão. O euro, particularmente nos países periféricos, passou a significar "europeu". Vê-se claramente nos países do Báltico. Há, pois, um elemento de identidade e um elemento de política internacional.
T & PPI: Mas por que os países centrais da UE também são tão ligados à ideia da moeda comum?
Costas Lapavitsas: Acho que esse 'centro' não sabe como cair fora. Há 15 anos, cometeu-se um erro muito grave, e os riscos para escapar dele são considerados muito altos. Ao mesmo tempo, alguns interesses especiais, o setor exportador, os bancos, defendem muito fortemente o erro passado, porque ele serviu bem à estratégia deles. *******
[1] Ver 27/2/2015, redecastorphoto : "Grécia Fase Um", revista Jacobin, traduzido; e 16/3/2015, "Grécia Fase Dois" [NTs].
17/3/2015, Der Tagesspiegel e ThePressProject International (entrevista)
http://www.thepressproject.net/article/74530/Costas-Lapavitsas-The-SYRIZA -strategy-has-come-to-an-end