Simplesmente, 80% do consumo privado mundial é abocanhado por 20% da população mundial residente nos países mais ricos, o que faz "sobrar" para 80% da população (5,6 bilhões de pessoas), residente nos países mais pobres e em vias de desenvolvimento, apenas 20% da produção mundial.
Marcus Eduardo de Oliveira (*)
Apenas os EUA, com 4,5% da população mundial consomem 40% de todos os recursos disponíveis.
Consumo em larga escala é sinônimo de degradação dos ecossistemas naturais; mais produção física é resultado, claro e evidente, de mais poluição, de mais lixo (descarte) e de menos ambiente preservado, o que compromete, sobremaneira, a qualidade de vida de todos.
Não por acaso, etimologicamente a palavra "consumir" significa "esgotar". Enquanto os mais ricos exageram no consumo, os mais pobres sofrem de perto as consequências do desequilíbrio ambiental.
Nos últimos 30 anos o consumo mundial de bens cresceu numa média anual de 2,3%; em alguns países do leste asiático essa taxa supera o patamar de 6%. É a cultura do consumismo se fazendo presente, incitando-nos a consumir mais e mais. Para isso importa produzir mais e mais.
Leonardo Boff em "O Cuidado Necessário" registra bem essa passagem: "Esse processo de produção exige mais e mais a exploração dos recursos da natureza. Como decorrência, quanto mais se exploram os recursos naturais, mais escassos se fazem, mais poluição se produz, mais deflorestação ocorre, mais se envenenam os solos, mais se contaminam as águas, mais se degeneram ecossistemas e cada vez mais aumenta o aquecimento global com as decorrentes mudanças climáticas" (BOFF, 2012, p. 74)
De um lado, cresce exageradamente o consumo e a dilapidação de todo o patrimônio natural, do outro, disparam os índices de desigualdade social, tornando mais crônico ainda o modo de viver dos mais pobres e carentes.
Trata-se de um desequilíbrio sem igual provocado por poucos que dominam a cena do consumo mundial. Stephen Pacala, ecologista da Universidade Princeton, aponta que as 500 milhões de pessoas mais ricas do mundo (aproximadamente 7% da população mundial) são atualmente responsáveis por 50% das emissões globais de dióxido de carbono, enquanto os 3 bilhões mais pobres são responsáveis por apenas 6%.
É a prática do consumo que "dispara" sem precedentes. No mundo, ao ano, são mais de 70 milhões de veículos consumidos. O consumo da humanidade em bens e serviços em 1960 atingiu o equivalente a US$ 4,9 trilhões (dólares de 2008); em 1996, chegou a US$ 23,9 trilhões e, dez anos depois, atingia mais de US$ 30 trilhões.
Na França, a média do consumo de proteínas é de 115 gramas/dia, ao passo que em Moçambique é de apenas 32 gramas. Cada cidadão dos Estados Unidos, na média, consome 120 quilos de carnes ao ano (10 quilos por mês), enquanto um angolano consome 24 quilos/ano, (2 quilos/mês). Os 315 milhões de estadunidenses (dados de 2012) comem 9 bilhões de aves todos os anos. Na Ásia inteira, com 3,5 bilhões de pessoas, consome-se 16 bilhões de aves ao ano. Há 150 carros para cada mil habitantes na China, enquanto nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) essa relação é de 750, e na Índia, apenas 35.
Oitenta e dois por cento da população da Índia, 65% da população da Indonésia, 55% da chinesa e 17% da brasileira ganham menos de U$$ 2/dia, segundo dados do estudo Sustainable Consumption: A Global Status Report, produzido pela United Nations Environment Programme (2002).
Os gastos com cosméticos ao ano, somente nos EUA, chegam à importância de US$ 8 bilhões. A Europa gasta com cigarros, também ao ano, mais de US$ 50 bilhões e mais US$ 105 bilhões são dispendidos em bebidas alcóolicas. Os gastos em armamentos e equipamentos bélicos no mundo giram, ao ano, próximo de US$ 780 bilhões, enquanto apenas US$ 9 bilhões seriam suficientes para levar água e saneamento básico para toda a população mundial.
Enquanto cresce o consumo para atender apenas alguns privilegiados, degrada-se, sobremaneira, o meio ambiente à medida que mais crescimento econômico (mais produção para o atendimento a esse exagerado consumo) responde pela exaustão (na origem do termo: "cansaço") dos recursos naturais e energéticos e pela completa depredação dos serviços ecossistêmicos. Já passou da hora de todos entenderem que é limitada à capacidade de o ecossistema terrestre suportar as pressões advindas do crescimento econômico.
(*) Economista, professor e especialista em Política Internacional (FESP). prof.marcuseduardo@bol.com.br