Investimentos fora de lugar

Milton Lourenço (*)    
            
Um historiador do futuro, com certeza, vai concluir que nenhum governo trabalhou mais contra o comércio exterior do Brasil do que o brasileiro, pelo menos neste começo de século XXI. Para confirmar essa previsão, seguem aqui fatos que não podem ser contestados.


O primeiro é que a insistência com que o governo brasileiro pugnou pela Rodada Doha, iniciada há 12 anos, resultou em rotundo fracasso, confirmado com o seu colapso ocorrido ao final de 2013 com a redução da Organização Mundial do Comércio (OMC), com sede em Genebra, a mero tribunal de contenciosos comerciais.


Insistindo no multilateralismo como panaceia para o crescimento do comércio exterior, o Brasil viu passar ao largo durante todo esse tempo vários tratados de livre-comércio, sem deles participar. Sem contar que trabalhou com denodo para enterrar as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e ainda comemorou o seu fracasso como se se tratasse de um grande vitória diplomática.


Enquanto isso, México, Chile, Colômbia e Peru assinaram com os Estados Unidos e a União Europeia acordos de livre-comércio. Já o Mercosul, encalacrado em divergências, até agora, não foi capaz de superar arestas para formalizar um acordo a meia-boca com a União Europeia. Já os Estados Unidos estão prestes a concluir acordos com várias economias asiáticas, exceto com a China, e com a União Europeia que, depois de assinados, vão ditar as regras do comércio mundial.


Para piorar, os últimos governos vêm insistindo em investir em portos estrangeiros, enquanto os portos nacionais mostram-se assoreados e mal servidos por rodovias e ferrovias. Basta ver que, em 2014, o Brasil vai perder 22% da riqueza produzida pela maior safra de soja de sua história - mais de 55 milhões de toneladas - por falta de infraestrutura para escoá-la para o exterior.


O que se sabe hoje é que apenas 7% dos US$ 217 milhões previstos para investimentos em terminais portuários em 2013 foram efetivamente aplicados, ou seja, US$ 15,2 milhões. E por quê? Ora, por incapacidade de gestão. Em vez de melhorar os seus portos como devia, o governo tem procurado investir em portos no exterior, sem que se saiba quais são as tais "razões estratégicas" que justificariam a iniciativa.


Foi o caso dos US$ 682 milhões investidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos últimos três anos na construção de um terminal no porto de Mariel, em Cuba, cuja capacidade será 30% superior ao de Suape, na região metropolitana de Recife, o principal do Nordeste brasileiro.

Ou seja, o Brasil emprestou a Cuba desde 2008 três vezes mais do que destinou à melhoria e ampliação de Suape desde a sua inauguração em 1983.


Sabe-se agora que o governo brasileiro também está empenhado em financiar, por meio do BNDES, 80% das obras de um complexo de águas profundas no porto de Rocha, no Uruguai, avaliado em US$ 500 milhões. O pior de tudo, porém, é que, ao contrário do porto de Mariel, o de Rocha deverá concorrer diretamente com os portos de Rio Grande-RS, Itajaí-SC, Imbitiuba-SC, São Francisco do Sul-SC, Paranaguá-PR e até com Santos-SP.


Por sua localização geográfica e seu calado natural de 20 metros, o porto de Rocha deverá atrair embarques de minérios e grãos de países vizinhos, pois poderá oferecer custos mais baixos. Além disso, deverá receber embarcações de até 160 mil toneladas, tornando-se um hub port (porto concentrador de cargas e linhas de navegação) para toda a região Sul do Continente.


Em outras palavras: nada explica o Brasil financiar um concorrente, enquanto seus portos apresentam deficiências flagrantes em acessos terrestres e aquaviários e na sua infraestrutura. A não ser que o seu governo alimente ideias expansionistas e o Uruguai volte a ser a antiga província Cisplatina.
 
 _______________________________________
(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br.
 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey