O primeiro aspecto é a desburocratização do desembaraço aduaneiro, que não foi atacado como deveria ser, ainda que já existam meios para tanto: o programa Porto sem Papel, que virtualiza o processamento das informações para a liberação da carga, mas que ainda não foi adotado pela Receita Federal, que continua a exigir papeis.
Milton Lourenço (*)
A Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13), se representou um novo marco regulatório para o setor e estabeleceu alguns avanços em relação à antiga Lei nº 8.630/93, deixou de lado aspectos importantes que, se não forem resolvidos, continuarão a contribuir para que os terminais marítimos públicos e privados brasileiros continuem a ser os mais caros e mais lentos do mundo.
O primeiro aspecto é a desburocratização do desembaraço aduaneiro, que não foi atacado como deveria ser, ainda que já existam meios para tanto: o programa Porto sem Papel, que virtualiza o processamento das informações para a liberação da carga, mas que ainda não foi adotado pela Receita Federal, que continua a exigir papeis; e o programa Porto 24 Horas, que permanece no plano do ideal, diante da necessidade de a Receita Federal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Polícia Federal e demais órgãos intervenientes aumentarem seus efetivos e aparelharem-se para atuar em regime diuturno de liberação de mercadorias.
O outro aspecto que coloca em risco o futuro de muitos portos brasileiros é o modelo de gestão adotado, que é único no mundo e, portanto, constitui uma incógnita quanto ao seu funcionamento. Ou seja, em vez de adotar o regime de porto privado, que tem apresentado excelentes resultados na Inglaterra e na Nova Zelândia, o governo optou pela utilização de dois regimes de exploração dos portos: o público, que já existia sem grandes resultados - tanto que motivou a mudança -, e o privado.
Só que, para estabelecer o regime de porto privado, o governo optou por uma excessiva centralização das decisões, estabelecendo regras desequilibradas que podem funcionar como obstáculos para a atração do investimento privado. Essa centralização também pode ser prejudicial para os portos públicos.
É o caso do Porto de Santos, cujo futuro pode ficar em xeque a partir de 2015, quando as obras de ampliação do Canal do Panamá serão inauguradas. Isso significa que os portos das regiões Norte e Nordeste passarão a ter mais competitividade do que os do Sul e Sudeste, ao menos na questão da distância. Além disso, com a conclusão das obras da ferrovia Norte/Sul, que ligará Goiás ao Maranhão, e uma possível modernização da rodovia BR-163, que liga Cuiabá-MT a Santarém-PA, o Porto de Santos terá de agir para enfrentar a concorrência.
Acontece que a nova lei tirou poderes da gestão local, com o enfraquecimento do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo) e da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Assim, o contrário do que ocorre em portos europeus, a comunidade local não terá representatividade na administração do Porto.
Como a nomeação de administradores para os portos públicos ainda funciona como moeda de troca no jogo político em Brasília, o Porto de Santos talvez tenha dificuldades para encontrar meios para reagir ao novo cenário a ser criado com a reabertura do Canal do Panamá, que alterará o fluxo de navios mercantes no mundo.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br.