Que nada há novo debaixo do sol bem sabe quem costuma ler o Livro do Eclesiastes ou Pregador. Por isso, não se surpreende quando aparece alguém anunciando planos com foro de novidade, pois quase sempre são ideias requentadas que se apresentam com nova roupagem.
Milton Lourenço (*)
Foi o caso da ideia da privatização tão decantada na década de 1980 e apresentada como nova panaceia para todos os males, mas que era idosa de séculos. Desde que se concluiu que o Estado sem freios pode virar o monstro Leviatã de Hobbes (1588-1679), sabe-se que a iniciativa privada é mais eficiente que qualquer engrenagem burocrática.
Era assim já ao tempo do Brasil colônia: reino diminuto, pobre e acossado por um vizinho mais forte, Portugal sempre recorria à iniciativa privada não só para impulsionar os Descobrimentos como passava a arrendatários a tarefa de arrecadar os impostos de entradas (de mercadorias), passagens de rios e outros. Esses contratantes montavam equipes e desempenhavam o papel que hoje cabe aos bancos e à Receita Federal e secretarias estaduais.
É o caso também do estudo encomendado pela Secretaria de Portos (SEP) para a implantação de um sistema hidroviário na Baixada Santista, com a instalação de novos terminais. É uma ideia quase tão velha quanto o Brasil, pois foi há 400 anos que os portugueses instalaram na embocadura do rio Piaçaguera, onde hoje está a usina da Usiminas, o primeiro porto fluvial de Cubatão.
Mas a utilização dos rios foi mais intensa no século XVIII quando o açúcar procedente da região de Itu e outros produtos desciam a Serra do Mar em sacos em lombo de burros e bestas por uma trilha aberta por indígenas e eram carregados em chatas entre o Largo do Caneú e o rio Cubatão, até o embarque em embarcações no porto do rio Piaçaguera ou no cais do Valongo. Documentos da época mostram que os prejuízos eram muitos porque as águas acabavam por invadir as chatas e inutilizavam boa parte do açúcar.
Hoje, uma das ideias levantadas no estudo encomendado pela SEP é implantar nessa região 12 terminais fluviais para movimentar por barcaças os contêineres que passam pelo Porto de Santos, a exemplo do que é feito em rios europeus, como o Necker e o Danúbio. Esses terminais seriam construídos entre as cidades de Bertioga, Guarujá, Cubatão e Praia Grande, às margens de rios e braços de mar, em locais com acesso ferroviário e rodoviário.
Como se sabe, a Baixada Santista tem 180 quilômetros de rios navegáveis que, bem utilizados, podem melhorar o acesso ao Porto. Obviamente, obstáculos existem, pois nem todas as vias têm uma profundidade mínima de três metros para a movimentação das barcaças com contêineres, o que exigiria obras de desassoreamento. Sem contar que há pontes que poderiam dificultar a passagem dessas barcaças.
Seja como for, voltar a utilizar o transporte fluvial de carga entre o sopé da Serra do Mar, onde está instalado o pólo de Cubatão, e o Porto de Santos pode representar uma drástica redução de custos e tirar milhares de caminhões por ano das rodovias, aliviando os congestionamentos que hoje infernizam a vida dos moradores. Além disso, hidrovia significa menos poluição e mais desenvolvimento sustentável.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br.