A Colômbia continua conversando

Só o fato de o diálogo entre o governo e as FARC prosseguir já seria uma boa notícia. Alguns detalhes, porém, indicam que existe razão para reforçar um pouco mais o otimismo dos otimistas, e para preocupar um pouco mais os preocupados. É que chegou o momento de debater um dos pontos mais delicados da pauta de temas aceitos pelas duas partes: a questão da terra. A primeira conversa, em Havana, está prevista para o dia 8 de janeiro. O artigo é de Eric Nepomuceno/Carta Maior

O ano de 2012 terminou e as negociações entre o governo colombiano e as FARC - as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a guerrilha mais longeva da América Latina - continuam. Só o fato de o diálogo prosseguir já seria uma boa notícia. Alguns detalhes, porém, indicam que existe razão para reforçar um pouco mais o otimismo dos otimistas, e para preocupar um pouco mais os preocupados. É que chegou o momento de debater um dos pontos mais delicados da pauta de temas aceitos pelas duas partes: a questão da terra. A primeira conversa, em Havana, está prevista para o dia 8 de janeiro.

O otimismo pode ser reforçado porque o governo do presidente Juan Manuel Santos parece mesmo disposto a encarar de frente a necessidade de implantar profundas reformas que levem a uma nova política rural. E a preocupação reforçada se deve exatamente a isso: qualquer passo rumo a uma reforma agrária mexerá nos interesses daqueles que estão dispostos a ir às últimas consequências para assegurar a manutenção de um sistema que permite que 1,5% de proprietários tenham 52% das terras cultiváveis no país. Convém lembrar que uma das razões fundamentais para a guerra que dura décadas na Colômbia diz respeito exatamente à terra. Tanto assim, que é este o primeiro ponto da agenda de negociações entre as FARC e o governo.

Em novembro agora, foi realizado em Bogotá um grande encontro, reunindo mais de 1.300 participantes de todas as classes e segmentos sociais, além, claro, dos chamados empresários do campo - os grandes proprietários. E deu para perceber claramente que a questão é muito delicada, e que esse debate irá longe.

Os poderosos pecuaristas, por exemplo, não estão nada dispostos a dialogar com os pequenos proprietários, em geral agricultores. O desequilíbrio de forças é gritante: calcula-se que cerca de cinco milhões de hectares são destinados, na Colômbia, à agricultura, enquanto a pecuária ocupa quase 39 milhões. Essa concentração extrema responde exatamente às distâncias que separam pequenos agricultores e imensos complexos de pecuária.

Os obstáculos para as negociações entre guerrilha e governo são muitos e muito difíceis de superar, e todos sabem disso na Colômbia, a começar, é claro, pelos negociadores. Os setores mais recalcitrantes da direita colombiana acham um absurdo tratar temas como distribuição de terras com guerrilheiros. E outro absurdo é tratar com milhares de pequenos agricultores, vítimas da violência, que não só querem sua terra de volta como serem compensados. Falar em reforma agrária, então, nem pensar.

Seja como for, o que está acontecendo agora na Colômbia é que os dois lados - grandes empresários rurais e pequenos agricultores - conseguiram conversar. Os que se recusam a discutir propriedade privada e economia de mercado e os que querem que se ponha um limite claro à concentração da terra estão conversando, e isso é inédito no país que há décadas padece uma epidemia de violência.

Dessa conversa insólita saíram subsídios para a negociação política que acontece em Havana, entre representantes do governo e da guerrilha. Pode parecer pouco. Talvez seja pouco. Mas é muito mais do que se conseguiu nas tentativas anteriores de se chegar a um acordo de paz.

Falta muito, é verdade. A começar pela negativa do setor pecuário, que se recusou terminantemente a participar, como coletivo, desse grande encontro realizado em Bogotá. O presidente colombiano criticou os representantes do setor, e disse que achava 'irracional' essa recusa, já que justamente os pecuaristas são um dos lados mais afetados pela guerra.

Talvez Juan Manuel Santos tenha se esquecido de um detalhe: muitos dos grandes pecuaristas são aliados ou diretamente cúmplices dos paramilitares que espalham o terror pelo interior da Colômbia, expulsando pequenos agricultores e incorporando suas parcas terras às imensas extensões dedicadas ao gado. O próprio presidente do grêmio pecuarista, José Félix Lafaurie, é suspeito de financiar grupos paramilitares. Não há nada de irracional, portanto, em sua recusa ao diálogo.

Para a guerrilha, o destino da Colômbia passa pela questão da terra. Para os grandes latifundiários, também. O problema é que cada lado tem sua própria visão de destino que pretende para a Colômbia.

Governo e guerrilha estão dialogando. Os latifundiários da pecuária acham isso perda de tempo. Se negam a aceitar que o governo de Juan Manuel Santos parece ter entendido que, sem diálogo, não se chega a lugar algum.

O tema da terra é o primeiro da agenda, e talvez o mais crucial. Depois dele, restam outros quatro pontos: a participação política da guerrilha desarmada, o fim do conflito, a questão das drogas e a reparação às vítimas.

Há, sim, muito caminho pela frente. E, pelo menos por enquanto, parece haver muita disposição para caminhar.

 


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Timothy Bancroft-Hinchey