Clima é pra lavoura; golpe exige oportunidade!

Uma parcela da classe média bem intencionada, porém equivocada, muitas vezes entende e expressa legítima indignação contra injustiças, participa de movimentos pró direitos humanos, consterna-se com vítimas de crimes hediondos e protesta contra as falcatruas de políticos e empresários que são pegos com a mão grande na botija, saqueando os cofres públicos.

Fernando Soares Campos


Uma parcela da classe média bem intencionada, porém equivocada, muitas vezes entende e expressa legítima indignação contra injustiças, participa de movimentos pró direitos humanos, consterna-se com vítimas de crimes hediondos e protesta contra as falcatruas de políticos e empresários que são pegos com a mão grande na botija, saqueando os cofres públicos. Porém, a despeito desse esforço de exercício da cidadania, esta camada da população geralmente busca justificativas para a instauração da pena de morte, a redução da maioridade penal e até para um “providencial” golpe militar que “restabeleça a ordem”, em “breve ditadura”. “Somente pra colocar ordem na casa”, tentam justificar.


A classe média brasileira (acho que em todo o planeta) geralmente confunde sistema capitalista, liberdade de mercado, com democracia. Apesar de estarmos tratando de uma classe, referimo-nos à mentalidade predominante em muitos indivíduos que formam este estrato social, não estou tratando propriamente de qualquer orientação ideológica adotada pela classe média brasileira, mesmo porque tal enfoque exigiria uma complexa análise de fatores que influenciam o comportamento de grupos. Refiro-me ao indivíduo que aposta numa tal mobilidade social, uma ascensão individual, baseada em méritos pessoais, num sistema capitalista que nada tem de democrático. Não dá pra confundir um oba-oba consumista, ou uma liberdade de sofrer e protestar contra o sofrimento, com democracia.


Entre as imagens que me causam profundo pesar, a mais perturbadora é a tomada aérea de favelas como o Complexo do Alemão, aqui na maravilhosa Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Citei do Complexo do Alemão como exemplo, mas não isolado, é que este complexo de favelas sempre me impressionou mais que todas as outras. É olhando para aqueles aglomerados humanos momentos que me lembro do sensacionalismo que se faz quando da deserção de cubanos.

Deserção sim, pois milhões de brasileiros marginalizados pelas leis do capitalismo insensível, se tivessem verdadeiro conhecimento de como vivem as pessoas em Cuba, diriam que os sujeitos estão desertando de uma revolução que dura 50 anos. Cuba tem pouco mais de 11 milhões de habitantes; o Brasil tem cerca de 30 milhões de pessoas vivendo em condições que beira a miséria. Além desses, no nosso país, a condição de pobre que faz uma razoavelmente boa refeição diária já coloca uma família na faixa dos “privilegiados” de classe “D”.


Por que Lula seria o culpado de tudo?


A classe média reage, em alguns casos, ou sob alguns aspectos, talvez até involuntariamente, sob o bombardeio midiático que, à falta de certos fantasmas, como a velha ameaça do “comunismo ateu”, a instiga com “monstros virtuais” do tipo de Hugo Chavez “ditador”, Evo Morales “usurpador”, Lula “presidente analfabeto”. Isso entre tantas outras artimanhas. Na verdade, onde o governo Lula esteja mesmo errando, nem sempre tal fato desagrada os golpistas.
Se Lula amadureceu e não adotou alguns dos antigos planos do seu partido, os golpistas (direita conservadora e extrema esquerda eterna oposição, feliz com seus carguinhos políticos) gritam: “Olha lá, traidor!”


Quando Lula se negava a fazer coligação com as diferentes correntes políticas, mesmo com os “bem comportados” quadros centristas, chamavam-no de “purista”, cobravam dele uma posição moderada, tolerante. No momento em que Lula resolveu fazer alianças que atendessem idéias e aspirações num âmbito interpartidário, tentando o tão sonhado governo de coalizão, acusaram o ex-metalúrgico de compactuar com as elites dos setores econômico-financeiros e com as velhas raposas da política nacional.


Diziam que Lula no governo iria perseguir seus antecessores e, vingativo, mandaria investigar até o momento do parto de seus desafetos. Lula resolveu trabalhar, restabelecer a moral no serviço público e atender às necessidades mais urgentes dos verdadeiros necessitados. Ao invés de chorar o leite derramado, Lula decidiu fazer o país produzir mais leite, carne, pão, manteiga, feijão, soja, carros, eletrodomésticos, combustíveis...


Vivíamos afirmando que neste país só se prendia ladrão de galinha. O governo Lula resgatou uma Polícia Federal, que chegou à beira da falência; fez, até agora na medida do possível, o que qualquer país sério deve fazer: mandou pra cadeia milhares de criminosos que durante muitos anos circularam impunes. Se os indivíduos conseguem se safar e protelar seus julgamentos até a prescrição de seus crimes, o governo Lula não pode ser responsabilizado pelas leis que esses mesmos corruptos elaboraram e nelas se apóiam há décadas!


Existe clima para golpe militar?


Com esta imprensa que temos aí, não duvido que, a qualquer momento, entrevistem alguns generais e os consultem sobre as possibilidades de um iminente golpe de Estado. Eu já vi coisas assim: repórteres perguntando a generais se existia algum golpe em andamento. Como se algum conspirador admitisse as intenções de golpear. Não estou com isso dizendo que algum general conspira, atualmente, no Brasil, refiro-me à “ingenuidade” de certos profissionais de imprensa.
Conspiração contra um governo (qualquer que seja) é uma constante, é uma atitude comum a oposições de qualquer orientação político-ideológica. Uns mais desleais que outros, mas conspirar é muito comum entre adversários.


Golpear um governo não depende apenas de "clima" ou "ambiente"; mas, acima de tudo, de oportunidade. E essa oportunidade a oposição brasileira está criando, com o apoio da mídia golpista, pois quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Lembram-se? Os tempos são outros, os métodos talvez também sejam outros, porém não menos violentos.

Milhares de pessoas já morreram porque não acreditavam em golpe militar iminente. Duvido que, na manhã de 1º de abril de 64, os militantes de esquerda e a população brasileira em geral acreditassem que, naquele mesmo dia, os tanques estariam nas ruas.


Eu perguntaria aos companheiros chilenos se eles poderiam nos relatar como se sentiam no dia em que bombardearam o Palácio La Moneda e eliminaram o presidente Salvador Allende? Se a população havia sido notificada sobre o “evento”? Se os companheiros argentinos, por acaso, receberam algum boletim informativo com uma nota do tipo "Amanhã cedo vamos golpear". Como foi o primeiro dia de matança aí na Argentina, hein? Como estava o clima naquele dia? Muito frio? Chuvoso? Nevasca? Calor?


Para não ficarmos em dúvida de que conspirar é uma constante, vejamos alguns trechos do que escreveu o capitão-de-mar-e-guerra Cláudio Buchholz Ferreira, no Manifesto dos Companheiros das Forças Armadas, em outubro de 2005:


“Em um momento da vida nacional em que o povo mais precisa das Forças Armadas para o restabelecimento da ordem e da garantia das Instituições, fiquem certos de que elas não se acovardarão ante o processo de desvalorização dos seus integrantes e da premeditada ação de anulação de sua capacidade de reação e de cumprimento do seu dever, nem em face de tentativas de implantação de regimes totalitários, contrários às nossas mais sagradas tradições.” (...) Não temos permissão para nos acomodar. Por juramento, somos obrigados a tomar uma atitude. Chega de chantagens emocionais "quartelada", "golpe", "patrulhamento". (...) Fazemos votos para que aqueles que, em dissonância com a história, ainda pretendem implantar no Brasil um estado totalitário, desistam da idéia, porque não é isso que os brasileiros querem e se eles não querem nós não vamos deixar que isso aconteça. O que todos querem é muito simples: imprensa livre, repetindo, IMPRENSA LIVRE...” (Para ler o texto completo, use o link 2)


Fala-se em imprensa livre como se liberdade de imprensa conferisse o direito à mentira, ao engodo, às meias-verdades, às acusações precipitadas, sem que o acusado tenha direito a defesa.


O AI-5 do general Costa e Silva, em 68, impôs o fechamento do Congresso Nacional e impôs censura à imprensa. Estabeleceu de vez a ditadura que começou em 64. Porém, nos dias de hoje, com a imprensa e o Congresso que temos aí, nem precisa cassar mandatos, nem precisa impor censura à imprensa. Pra quê?! Eles já aprenderam a autocensurar-se, a obedecer, a mancomunar-se. Nada de atos de exceção, hoje basta o que já temos aí, impérios jornalísticos a serviço do poder econômico, engasgado com um presidente de origem paupérrima, de pouca instrução formal, mas competente, ensinando como se governa competentemente. Isto, para as oligarquias que dominaram este país durante séculos, é inaceitável. Não adianta multiplicarem seus lucros, o importante para elas será a retomada do poder institucional. Imaginem quantas madames estão torcendo o nariz para a primeira dama, quanta cobrança elas fazem aos maridos, instigando-lhes o ódio e a cobiça. Quanta inveja! Imagine de quanta covardia serão capazes, para novamente se apossarem do trono.


E olha que o capitão aí estava “indignado” apenas com o caso do “mensalão”. Imagino como deve estar se sentindo hoje com o “pagão aéreo”.


Não há clima de golpe?!

Ora, o que precisa de bom clima é dia de praia e lavoura; para golpear eles precisam de oportunidade. E oportunidade se constrói. Mesmo que de forma desleal, como estão fazendo.


Mensagem do jornalista Mauro Carrara:

“A imprensa monopolista elevou tremendamente o tom das críticas ao governo federal. Termos pesados tem sido utilizados para humilhar e desqualificar o presidente da República. Enquanto isso, largos setores da classe média parecem aderir ao discurso golpista. Basta conferir os fóruns dos principais jornais. O editorial de O Estado de S. Paulo desta terça-feira é uma clara incitação ao golpe.


”De outro lado, os sabotadores fardados estão fornecendo todas as condições objetivas para instabilizar o governo. Disciplinados, estão destruindo o que é possível para inviabilizar o sistema aéreo no Brasil.


”Já começaram os primeiros pronunciamentos de militares de extrema-direita em favor do golpe. Um ministro do STM acaba de sugerir aos jovens oficiais uma ação de ruptura institucional.


”A mídia de direita (liderada pela infantaria de articulistas do terror, como Clovis Rossi, Eliane Cantanhede e Dora Kramer), jovens sabotadores, ex-torturadores, latifundiários, especuladores, privateiros e oportunistas de todos os tipos engrossam o caldo da revanche.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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