Maddie, Informação, Justiça e a Media

Há precisamente um ano, a pequena Madeleine McCann estava com os pais na Praia da Luz, Algarve, Portugal, uma das aldeias/regiões/países mais pacatos e seguros da Europa, senão d mundo. Nada levaria os pais a crerem que haveria qualquer perigo de abdução e daí, o erro de jantar com os amigos e deixar três crianças num quarto.

A mais velha destas crianças era Madeleine McCann, de três anos de idade e o seu desaparecimento foi a faísca que acendeu um ano de frenesim mediático e intrusão de alheios numa tragédia particular, tragédias aliás que acontece a milhões de famílias todos os anos.

Por quê o tremendo interesse no caso da Maddie? Ela é (e suponhamos que ainda está viva e será encontrada, até que apareçam informações irrefutáveis ao contrário) uma pequena bonita, branquinha e abonecada, de uma família afluente e lourinho e que apresenta uma boa figura nas câmeras da TV. Se fosse filha de uma cabo-verdiana e de pai incógnito, será que alguém (além da mãe) queria lá saber?

Foi precisamente esse interesse no caso que envolve a questão de justiça e que introduziu a média no caso, exacerbando o suposto choque cultural entre a Polícia Judiciária portuguesa e os meios de comunicação britânicos, todos presentes desde os eruditos antigos “broadsheets” até aos tablóides do tipo “ET com três mamas viola octogenário em parque subterrâneo”. Usa-se a palavra “suposto” porque não é verdade que a justiça portuguesa funciona sempre atrás de um manto de sigilo – o caso Casa Pia (pedofilia envolvendo figuras públicas e alunos da Instituição Casa Pia) está no seu sexto ano, figuras nacionais viram as suas reputações destruídas, sendo acusados e julgados e rotulados de culpados pela opinião pública entre rumores e coscuvilhice – e o caso nem sequer foi a julgamento. Onde está o preceito de inocência até ser provado o contrário?

A mesma coisa aconteceu no caso da Madeleine McCann – perguntas da média, muitas baseadas em rumores, e alimentadas por suposição, e meios-factos que mais pareciam deixas emitidas pela polícia dando alento à atribuição de cada vez mais importância à fofoquice, em que se tornaram fontes “credíveis” frases como “alguém disse que ouviu alguém dizer na padaria que…”

O resultado foi que os variados jornais publicaram o que conseguiram encontrar na sua procura cada vez mais desesperada para informação e a consequência não foi bonita – “factos” enublados e até contraditórios acerca de amostras de sangue, cabelos e sedativos sem quaisquer provas claras, firmes ou convincentes.

Na ausência destas, e com o ror de rumores no meio de todos envolvidos, as simpatias pelos McCann se tornaram em suspeitas, culminando na insinuação pela polícia portuguesa a Kate McCann que ela tinha provocada a morte da sua própria filha. A não ser que esta insinuação fosse baseada em provas, em que caso teria sido base para um julgamento, por quê foi feita?

Esta “acusação” foi o suficiente para enviar uma onda de “Eu sabia que eram culpados” a encrespar pela sociedade portuguesa, baseado nas perguntas nem feitas, nem respondidas “Por quê é que estão a contratar aqueles advogados do topo?”, “Por quê é que angariaram tantas milhões para o Fundo Find Madeleine?” e a declamação universal que “aquela mãe é muito estranha”.

Que um preceito fique bem claro: nas sociedades civilizadas, e perante a lei, existe a noção da inocência até que sejam apresentadas provas quanto à culpa. O Fundo está a ser utilizado, entre outras coisas, para tentar estabelecer um sistema de aviso precoce em situações semelhantes no futuro e quanto à reacção e expressão facial da Kate McCann, provavelmente chorou séculos de lágrimas na noite de 3 de Maio de 2007 e desde então, vive seu desespero atrás da melhor máscara que conseguiu encontrar, achando na aparente calma e dignidade gelada a única protecção que sabia empregar perante a fanfarra que se abriu à sua volta. Acabou de perder uma filha, pois!

Se a Madeleine tivesse sido retirada de Portugal durante a primeira hora após a sua abdução, teria havido pouca ou nenhuma informação para a polícia achar para levá-la ao paradeiro da criança. A polícia, por sua vez, teria feito melhor em não dar qualquer informação, em vez de paulatinamente umas meias-dicas em conferências de imprensa.

Quanto à média e todos envolvidos em usar este caso para ganhar reputação e louros ao custo do sofrimento de terceiros, esses abutres desapareceram há muito tempo. Alguns voltarão à Praia da Luz este fim-de-semana, procurando algo para vender os exemplares de amanhã.

Os pais, Gerry e Kate McCann, estarão a reviver o pesadelo de aquela decisão de jantar sem as crianças – como aliás deveria ser seu direito… e pagaram um preço elevadíssimo, injusto, cruel mas no mundo de hoje, previsível. É aqui que a história deveria começar e acabar – uma tragédia particular e não um espectáculo público.

Espera-se que encontrem a Maddie, saudavel e viva, visto que a esperança é o último a morrer. Até então, é fundamentalmente importante que continuem a procurar a Maddie e a(s) pessoa(s) que a raptaram.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

Nota: A versão portuguesa decidiu não entrar na onda de especulação a volta deste caso, limitando-se a colocar dois artigos, o primeiro dos quais abaixo e o segundo, com a fotografia do suposto raptor, apresentando a fotografia da Madeleine na nossa primeira página durante dois meses após o desaparecimento, para ajudar. Entendemos desde o início que este caso deveria estar no segredo da justiça enquanto a polícia concentrava na tarefa, longe dos rumores que decidimos não publicar aqui ao longo deste ano.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

Director e Chefe de Redacção

Versão portuguesa

PRAVDA.Ru

Primeiro análise apresentado na PRAVDA.Ru

http://port.pravda.ru/mundo/11-09-2007/19114-maddiemccann-0

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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