O que fazer com os velhos?

O que fazer com os velhos? 

Nas últimas páginas do livro Le Thibault, de Roger Martin de Gard, o personagem principal, Jacques Thibault, tenta um ato desesperado para interromper a Primeira Grande Guerra que começava entre a França e a Alemanha: a bordo de um pequeno avião, lança panfletos pedindo aos soldados que deponham suas armas.

O avião é abatido, e Jacques, muito ferido, é resgatado por uma patrulha de soldados franceses.  Durante algum tempo, ele é carregado nas costas pelos soldados. Inerte e sem qualquer reação física, ele é apelidado pelos seus salvadores de Pacote. Em determinado momento, o soldado que carrega Jacques às costas, começa a ficar para trás dos seus companheiros e pergunta desesperado o que fazer.

- Larga o Pacote, respondem os outros

Sem olhar para trás, ele larga o Pacote num canto qualquer e corre para alcançar seus companheiros.

Essa sempre foi uma dúvida para a humanidade, o que fazer com seus velhos, doentes, deficientes físicos e loucos?

São os novos pacotes, sem serventia na guerra e na paz.

A resposta mais desumana e perversa foi dada na Alemanha nazista com o desenvolvimento de um terrível plano de eugenia humana. Não eram apenas com os judeus, os ciganos, os polacos, os comunistas e os homossexuais que Hitler queria acabar.

Acreditando na falácia da raça pura, ele e seus asseclas pretenderam acabar com todas as pessoas que nasceram com deficiências físicas ou mentais ou que as adquiriram na velhice.

Joseph Mengele, que conseguiu fugir da Alemanha depois da guerra e veio a morrer no Brasil vinte anos mais tarde, era o grande teórico e também o terrível prático dessas medonhas experiências.

Adepto da eugenia, sua tese de medicina em 1939 já revelava suas preferências, um estudo de famílias sob o ângulo da fissura lábios-maxilar (lábio leporino). Alistado mais tarde na Waffen SS, realizou pesquisas a partir de1943, subvencionado pela Deutsche Forschungs-gemeinschaft (Comunidade Alemã de Pesquisas) em Auschwitz-Birkenau, principalmente sobre patologias hereditárias.

Mais do que pesquisas, foi responsável por experiências terríveis com seres humanos, como a sua tentativa de fabricar siameses, atando entre si, cirurgicamente as veias de dois gêmeos ou a de injetar substâncias químicas nos olhos de bebês na tentativa de mudar sua coloração.

No seu livro A Parte Obscura de Nós Mesmo, Elizabeth Roudinesco diz que Mengele tinha paixão pelos anões.

"Sentia prazer em selecioná-los pessoalmente entre famílias inteiras, obrigando-os a se maquiar e se vestir de maneira grotesca a fim de reinar no meio deles, qual um monarca de opereta, cigarro na boca, deleitando-se em observá-los durante horas. À noite, após empanturrar-se com tantas bufonarias, conduzia-os a pé, até o crematório".

Obviamente, nem de longe é isso que as famílias modernas querem fazer com seus velhos, doentes e deficientes físicos e mentais.

Mas, os velhos, porque um dia não foram velhos, parecem ser aqueles cujas presenças mais causam incômodo.

Podemos ser capazes de grandes sacrifícios para ajudar alguém com algum tipo de deficiência física ou mental, parente ou não, porque nunca fomos assim e certamente também nunca o seremos.

Os velhos, não. Eles mostram, com suas mazelas físicas e mentais, qual será o nosso futuro.

Então, apesar de muitas juras de gratidão, os queremos bem longe de nós, de preferência nesses depósitos humanos aos quais se dão nomes tão amenos como Lar e Casa de Repouso. O nome real de Asilo, fica reservado para aqueles que, a rigor, sempre viveram em algum tipo de asilo desde que nasceram.

Sob a estreita ótica capitalista, está certo. Como eles não produzem, apenas consomem, estão dificultando o progresso da sociedade.

Os governos, usando sempre eufemismos para não chocar algumas pessoas mais sensíveis, lamentam que o aumento na expectativa de vida das pessoas esteja acabando com a possibilidade de que continuem dando assistência aos mais velhos.

Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, talvez pensando em sua aposentadoria precoce, disse que os brasileiros querendo se aposentar muito cedo, não passavam de vagabundos.

Temer, também aposentado muito cedo, pensa da mesma maneira.

Talvez tenham razão. Precisamos botar todos os nossos velhos no trabalho para o bem da Pátria.

Só um problema: está faltando trabalho até para os mais novos.

Para os velhos, então nem se fala.

É preciso saber o que fazer com os velhos que insistem em continuar vivos, antes que alguém tenha mais uma vez alguma ideia maluca, própria de um darwinismo social que parece voltou a ser moda em alguns lugares. 

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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