Variação diatópica do português europeu em África

Variação diatópica do português europeu em África

Ensaio sobre variação diatópica do português europeu (p.e.) em África - No entanto permita-nos fazer um pequeno reparo: na década de sessenta, durante o período da luta armada contra o sistema colonial português, em Angola e Moçambique, da parte dos intervenientes africanos surgiria a necessidade de um elo de comunicação neutro face à diversidade étnico-linguística, territorial. Seria assim adoptada a língua portuguesa (a do ocupante) como oficial.

Ensaio sobre variação diatópica do português europeu (p.e.) em África - No entanto permita-nos fazer um pequeno reparo: na década de sessenta, durante o período da luta armada contra o sistema colonial português, em Angola e Moçambique, da parte dos intervenientes africanos surgiria a necessidade de um elo de comunicação neutro face à diversidade étnico-linguística, territorial. Seria assim adoptada a língua portuguesa (a do ocupante) como oficial.

por João Craveirinha

Índice –. Capa. - Introdução. - O Caso de Moçambique. – Epílogo: Pode-se falar de um P.M?

Introdução

“E reconhecer que, além disso, em África, se acham em formação uma variante moçambicana e uma variante angolana, que precisam de determinadas condições sociais para vingar.” (Castro 2006:12 apud Guião 10/1 LC – DLGR 2006/2007).

No entanto permita-nos fazer um pequeno reparo: na década de sessenta, durante o período da luta armada contra o sistema colonial português, em Angola e Moçambique, da parte dos intervenientes africanos surgiria a necessidade de um elo de comunicação neutro face à diversidade étnico-linguística, territorial. Seria assim adoptada a língua portuguesa (a do ocupante) como oficial. No caso de Moçambique a partir de 1962, essa necessidade surgiria mais forte após a fusão dos três movimentos nacionalistas africanos do território [1] (Unami, Udenamo e Manu).

Sem dúvida a grande expansão da língua portuguesa na África soit disant portuguesa deve-se não à administração colonial portuguesa mas aos próprios movimentos de libertação africanos. Essa expansão linguística de tipo P.E, penetraria para além dos centros urbanos e periurbanos, alcançando zonas remotas até então sem expressão da língua portuguesa precisamente pela ausência de agentes directos utilizadores da língua portuguesa (locais ou alienígenas europeus). As populações africanas, em muitas dessas regiões do interior do sertão africano, pela primeira vez teriam contacto com um cidadão português europeu (ibérico), através da guerra e na pessoa de um soldado de arma em punho. Isto na década de 60. Angola sofria uma influência acentuada da

francofonia, a norte, fronteiriça ao Congo (Kinshasa) e do inglês a sul com o Sudoeste Africano ocupado pela África do Sul (actual Namíbia) e a leste com a Zâmbia.

Moçambique por seu lado estava rodeado por vizinhos anglófonos a saber: a norte a Tanzânia, a ocidente o Malawi e a Rodésia de então e a sul com a Suazilândia e a África do Sul. Do lado oposto mais a oriente, através do canal de Moçambique, situa-se a grande ilha de Madagáscar, francófona, no entanto devido ao obstáculo da travessia do canal nenhuma influência linguística a ser registada. A característica comum desses territórios africanos nas influências linguísticas tem a ver com a situação histórica de ocupação colonial pela Inglaterra, Portugal e França. A partilha de África pela Europa, na Conferência de Berlim em 1885 [2] , traçaria as fronteiras geográficas com as consequentes zonas de influência das citadas línguas europeias. Foram esses factores diacrónicos que moldariam não só algumas línguas e dialectos baNto mas afectando o português falado em alguns casos. Temos em Moçambique o caso do termo “maningue [3] nice” para dizer muito bom. No xi-ronga, idioma local, da actual região de Maputo alguns termos práticos são inclusive de origem alemã, exempli gratia: (dyi) Hembe [4] para (a) camisa, corruptela de Hemd [5] . No entanto é no inglês (e afrikaans/flamengo) e no português onde a interacção linguística se nota mais pendendo actualmente (2007) para o português pese embora a adesão de Moçambique, em 1996, ao Commonwhealth.

O Caso de Moçambique

Em relação às línguas e dialectos de Moçambique tem havido alguma confusão sobre as definições do que é idioma e o que não é. Não concordamos com Mateus Katupha quando segundo citação diz: “Por exemplo, podemos considerar o changana, o ronga e o tswa dialectos do tsonga, segundo a classificação de Mateus Kaptupha” apud Irene Mendes (2000) pág. 33. Esta contestação provém do facto que não se teve em consideração aspectos diacrónicos e da sua evolução segundo estudos comparados da história no tempo e modo A seguinte citação é elucidativa: Sanches Osório de Miranda (1895) apud João Craveirinha (2001) pág.111: « (…) E a grande verdade é esta, que a maioria nos julga (aos portugueses) ainda machangana, isto é, vassalos do Gungunhana, enquanto não lhe dermos a valer demonstração da nossa força [6] .…» Dentro deste e de outros considerandos (fora do âmbito deste trabalho) se infere que a denominação de nomes foram classificados muitas das vezes segundo o preconceito e maior ou menor comodismo dos missionários [7] deturpando a verdadeira origem das línguas. É o caso do missionário suíço, Junod: «Estaapelação não é amada pelos Tongas, mas não conheço outra que lhe seja preferível». Severino Goenha (a contribuição da Missão Suíça) apud J. Craveirinha (2001), pág.112.

Com a trajectória histórica a variante do P.E., em África, em particular em Moçambique, influencia as línguas nativas e por sua vez sofre desta também alguma influência no vocabulário ou léxico. A estudiosa moçambicana, Irene Mendes (2000) pág.35/36, considera pertinente que se considere a existência de um P.M., português de Moçambique, porque esta língua (a portuguesa) devido a vários factores inovadores desenvolveu “características peculiares, tornando-se, deste modo, diferente das outras variantes da língua portuguesa.” A autora enfatiza várias alíneas (7) principais que teriam contribuído para tal fenómeno: 1. Participação de Moçambique em África. 2. Mudança política. 3. Aspectos de câmbios socioeconómicos. 4. Modernização tecnológica. 5. A expansão da língua portuguesa nos meios suburbanos, rurais e as migrações do interior para as cidades. 6. Maior importância pelas línguas nacionais. 7. Aspectos culturais de recuperação da tradição.

Dentro destas análises encontramos aspectos já por nós referidos na introdução deste trabalho com a influência “geopolítica” anglófona e diatópica nas línguas (e linguagem) em Moçambique, incluindo a língua portuguesa simultaneamente com as línguas moçambicanas [8] . Dentro de uma perspectiva política versus linguae, Moçambique passou por várias etapas adaptando consoante o “momentum” desses períodos de mudanças estruturais. Estas situações poderiam ser ordenadas do seguinte modo: 1. Período não muito anterior à Independência (1972) com um P.E. norma/padrão mais equilibrado nas zonas urbanas e suburbanas das vilas e cidades de Moçambique. 2. Período de Transição (1974/1975) em que se adaptam formas de locução em consonância com as palavras de ordem “revolucionárias” [9] . Esta fase seria indiciadora das transformações que aconteceriam no P.E em Moçambique [10] .

3. Termos “revolucionários” são introduzidos no quotidiano da língua e linguagem em português quase em “delírio” de se demonstrar estar-se “engajado” [11] .

4. Outras formas de variantes do P.E., de Moçambique foram se estruturando com maior especificidade local ou numa intervenção mais diafásica, distanciando-se da norma padrão do português europeu [12] .

Todas as situações no sentido evolutivo de um pretenso P.M., passam a envolver todos os campos de actividade socioprofissionais (diastratia) em que paulatinamente surgiriam formas sociolectais de expressão oral em língua portuguesa ainda que na ortografia se mantenha vinculada ao P.E., padrão, ao contrário do P.B.

Epílogo

Pode-se falar de um P.M?

Concluindo e recapitulando poderíamos classificar as fases de transformações ”naturais” do P.E., de Moçambique em 7 períodos (todos relacionados com mudanças políticas de fundo):

1. Pré independência (1972/74), divido em duas partes:

a) O português falado e escrito no exterior (exílio em países africanos).

b) No interior da colónia de Moçambique.

2. Transição (a mobilização e o “engajamento”).

3. Independência (25.06.1975) contra os “reaccionários”.

4. Contra a oposição armada 1976/1992

(os chamados bêás de bandos ou “bandidos”armados).

5. Período dos Acordos de Paz de Roma (1991) e dos acantonamentos dos militares da ONU. O termo “acantonado” passou a ser popular para designar estar em compasso de espera.

6. Período de implantação do multipartidarismo.

7. Actualidade da continuidade do sistema político.

Dentro dos enunciados apresentados sucintamente a questão subsiste: Pode-se falar de um P.M [13] ? Ou será mais a nível do léxico que as transformações são mais visíveis?

No entanto um aspecto parece se salientar: estarmos perante uma evolução mais rápida do previsto da utilização do P. E., sem deixar de ser uma língua portuguesa é todavia notório o avanço para uma “nova” língua portuguesa a exemplo do P.B [14] ., a que se chamaria de PM., português de Moçambique. O tempo o dirá mas as condições já se encontram presentes e em movimento para uma VARIAÇÃO DIATÓPICA DO PORTUGUÊS EUROPEU (P.E.) em África em particular em Moçambique. JC

Bibliografia

António Enes (1895). A Guerra de África. Lisboa.

(Pe.) Antº Lourenço Farinha (1917). Elementos de Gramática Landina (SHIRONGA), pág.140. Imprensa Nacional, Lourenço Marques. Moçambique.

Irene Mendes (2000). O Léxico No Português de Moçambique (Aspectos Neológicos e Terminológicos). Promédia, Maputo.

João Craveirinha (2001). Moçambique, Feitiços, Cobras e Lagartos. (Crónicas romanceadas também sobre etno-história) Texto editores. Lisboa. 2ª Edição.

Langenscheidts Portugiesisch- Deutsch -Dicionário alemão (1966). Berlim und München.

Revista Tempo nº1390 (14/906/1998).

Severino Goenha apud J. Craveirinha (2001). História da Educação em Moçambique: a contribuição da Missão Suíça, pág.112.

1º Tenente Sanches Osório de Miranda (12/1895) apud Relatório Militar do Comdt. do Posto de Lhanguene. Arquivo Histórico militar de Lisboa, João Craveirinha (2001). Crónicas Romanceadas, 2ª edição, pág. 111.

Sítios

Zol : http://www.zambezia.co.mz

http://www.littlememberstart.org/british-commonwealth-member-states.htm

http://en.wikipedia.org/wiki/Mozambique

Anexo

Correspondência na Internet em fórum de moçambicanos da nova geração pós-multipartidarismo. (1992 em diante).

Res: Res: [mocambiqueonline] Entrevista de Sebastião Chapepa da Renamo

Enviado por: "Leonel Paulo Ivo" nitoivo@ nitoivo Sáb, 17 de Fev de 2007 7:13 am

“Caros,
Meu ponto de vista é apenas como simples cidadão que sou.
O Senhor Sebastião Chapepa não traz nada de novo nessa entrevista.
Ele, Sebastião Chapepa tal como Dhlakama, são dois herdeiros dos BA´s.”■



[1] Entrevista do fundador da UNAMI – o Enfermeiro Baltazar da Costa “Chagonga” (22 de Junho de 1974). Semanário Voz Africana da Beira, Moçambique. Hemeroteca de Lisboa.

[2] Diciopédia 2004. Porto editora.

[3] Maningue; conotação discutível com a palavra inglesa “meaning” segundo dicionário da Porto editora.

[4] Pe. Antº Lourenço Farinha (1917). Elementos de Gramática Landina (SHIRONGA), pág.140. Imprensa Nacional, Lourenço Marques.

[5] Langenscheidts Portugiesisch- Deutsch -Dicionário alemão (1966). Berlim und München.

[6] 1º Tenente Sanches Osório de Miranda (12/1895). Relatório Militar do Comdt. do Posto de Lhanguene. Arquivo Histórico militar de Lisboa apud João Craveirinha (2001). Origens de Nomes Étnicos , capítulo XVI, pág. 111.

[7] Henry Berthoud (1896:171-172) apud João Craveirinha, pág. 112. «Este povo não possui um nome nacional, mas é contudo mais rico em nomes de clãs ou de tribos: são as nações vizinhas que lhe deram a apelação de Tsonga sob a qual devem agora ser conhecidos cientificamente.»

[8] Poderíamos considerá-las “nacionais” num contexto de pertencerem à Nação apesar de estarem circunscritas mais às suas regiões.

[9] Terminologia de “engajamento”, “camarada”, “comício”, linha correcta”, etc.

[10] “O futebol já se organizou para os festejos da Independência, assumindo assim o papel que, agora, podia desenvolver. Por outras palavras: respondeu à chamada.” Suplemento Revista Tempo nº 246 / (15/06/1975) pág. 60.

[11] O Poeta José Craveirinha “indisponha-se” com a palavra “engajado”, porque não gostava de “gajos”.

[12] (Sahara Ocidental) “Processo anda lento, mas seguramente”: Revista Tempo nº1390 (14/906/1998)

pág.37. Maputo.

[13] P.M., que seria a variante moçambicana do P.E. (português europeu).

[14] P.B., português do Brasil variante do P.E., fruto de uma idiossincrasia própria.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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