O admirável mundo dos enochatos

Está difícil sair com alguns grupos de amigos, que de repente descobriram ou se acham Baco e Dionísio e passaram a se fartar de vinhos a mãos cheias; todos, especialistas na arte da degustação e no entendimento do consumo, plantio e até na industrialização.  Viraram todos, de repente, um Dirceu Vianna Júnior, que vem a ser o único profissional neste nosso Brasil a ter o título de mestre do vinho.

Jolivaldo Freitas

O pior é que aumenta a cada dia o número de "especialistas" nos condomínios, no escritório, na redação, no consultório e cada um tem sua marca de vinho favorita, sua uva especial, suas misturas com especiarias. Cada enófilo com sua sabedoria que busca a suplantar a do outro e a mesa que era para falar de mulher (ou homem), futebol (ou literatura) e dois filhos (ou lavar roupa suja) se transforma depois da segunda garrafa num ringue, num ateneu, numa assembleia geral da ONU voltada para o hedonismo.

Pior é que o enochato não tem lá essa profundida toda no assunto, mas leu rótulos, viu uns artigos na internet, ouviu uns especialistas no Youtube e se acha no direito de ensinar, como se o outro fosse fazer prova do Enem no dia seguinte. E, já que não entendemos de vinhos, preços de vinho, origens, somos vistos e tidos como burros, asnos, apedeutas e nos torcem seus sensíveis narizes. E tome vinho e quando mais o anima do vinho liberta sua alma nos acoitam com regras. O enochato é um dos responsáveis pela indústria nacional de vinhos não se desenvolver mais e mais, pois muita gente deixa de consumir o produto por achar que não vai saber comprar e nem vai saber beber, "por ser uma coisa para bom entendedor".

Apesar disso o Brasil é o sexto maior produtor da América do Sul e está entre os 15 maiores do mundo. Por aqui o consumo ganhou vulto a partir dos anos 1990 logo depois que o ex-presidente Fernando Collor abriu o mercado para as importações. Nossa produção é de 200 milhões de litros. Mas cada litro cria um enochato. Quanto mais se produz mais aparecem "especialistas". E eles extrapolam. Vão além de provar o líquido, cheirar, aspirar, e achar que não está na maturação perfeita. Torcem o nariz por ser o produto muito além de rascante ou excessivamente frutado. Se recusam a beber na taça que não consideram certa ou porque a rolha não tem a textura certa. E haja constrangimento para os mero-mortais.

Muito tempo atrás o Jornal Zero Hora fez um glossário - que sintetizo - e ensinou a identificar o indigitado. Exemplo: Ele precisa de plateia para discorrer sobre seus delírios degustativos e não precisa ser inquirido. Despeja sua "decoreba" de uma mistura de aromas e sabores absolutamente impossível de caber em uma única garrafa. Tipo: aroma de cedro da Tailândia queimado com pitanga morna ao sol do meio-dia. Se considera o protagonista, e o vinho, o coadjuvante. O enochato sempre comunica a plateia que degustou um vinho excepcional na semana passada e sempre são os vinhos da moda. Os verdadeiros especialistas dizem - para nossa alforria - que vinho bom é o que agrada ao seu paladar, independente de preço, rótulo ou região. Vinha é coisa popular desde Jesus Cristo que o fazia só da água. Ou você acha que Dionísio e Baco depois da segunda ânfora não traçava o que viesse.

Escritor e jornalista: [email protected]

 

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
X