Setembro no TCSB: Tomeo, António Nóbrega e Butoh marcam arranque da temporada

Setembro no TCSB: Tomeo, António Nóbrega e Butoh marcam arranque da temporada

A reposição de TOMEO Histórias Perversas e a "Ocupação Brincante", com o regresso a Coimbra do músico e bailarino brasileiro António Nóbrega, são os destaques da programação de Setembro do Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra. Entre as novidades estão também duas oficinas de movimento, dirigidas por Matilde Javier Ciria, que decorrerão ao longo do ano.

 

HISTÓRIAS PERVERSAS

Um ano depois do grande sucesso alcançado com este espectáculo, que registou sucessivas lotações esgotadas, A Escola da Noite volta a apresentar em Coimbra "TOMEO Histórias Perversas", criação que assinalou o 25.º aniversário da companhia.

Pelo transformado palco do TCSB voltarão a passar, a partir de 20 de Setembro, os 26 textos curtos escritos pelo dramaturgo espanhol Javier Tomeo, seleccionados a partir das obras "Histórias Mínimas", "Cuentos perversos", "Inéditos y Reescrituras", "Los nuevos inquisidores", "Problemas oculares" e "Bestiário".

Muitas vezes a raiar o absurdo e definida como uma "literatura livre e audaz", a obra de Tomeo é plena de humor, ironia e sátira mas também de poesia e humanismo. A perversidade, anunciada pelo próprio, e a aparente falta de compaixão com que trata as suas personagens desafiam-nos a pensar na forma como vivemos, como vivemos com o outro e como convivemos com um mundo que tantas vezes nos parece uma coisa demasiado estranha. A propósito dos "seres incompletos, incapazes de encaixar no mundo" que povoam os textos de Tomeo, escreve Daniel Gascón no prólogo de "Cuentos Completos": "Com as suas parábolas sobre o medo irracional, a solidão e a incomunicação, Javier Tomeo faz com que a realidade se torne um pouco mais ameaçadora, mas também muito mais rica e fascinante. É o melhor serviço que um escritor pode prestar aos seus leitores".

De volta ao contacto com o público da cidade estão as intrigantes e desafiadoras personagens que nos conduzem pelo universo de Tomeo: (muitos) míopes, pais que vêem gigantes onde filhos vêem moinhos, assassinos que saltam da tela de cinema, crianças que partem a lua em pedaços, esqueletos que falam, capitães que desertam, leões que choram e muitas outras coisas que nem sempre "saem à medida dos nossos desejos".

A par do trabalho dos três actores da companhia (Igor Lebreaud, Miguel Magalhães e Sofia Lobo), que se desdobram em dezenas de personagens, sobressai neste espectáculo o artesanal e sofisticado dispositivo cénico, (possível apenas numa sala com as características do TCSB), construído para realçar os efeitos de surpresa, mistério e inquietação que os textos transmitem. A música - original e interpretada ao vivo - de Jorri (a Jigsaw), o vídeo de Eduardo Pinto, a iluminação de António Rebocho e os figurinos e adereços de Ana Rosa Assunção, com a direcção (dramaturgia, encenação e espaço cénico) de António Augusto Barros, completam o leque de criações que fazem deste espectáculo uma proposta a que é impossível ficar indiferente.

 

Javier Tomeo

Javier Tomeo (1932-2013) foi um dos autores mais originais e prolíficos da narrativa espanhola contemporânea. As suas obras foram traduzidas em quinze idiomas e várias foram adaptadas ao cinema ou representadas nos principais teatros europeus. A sua produção literária - com destaque para obras como "Amado Monstro" e "O Caçador de Leões" - foi distinguida com vários prémios, entre os quais o "Prémio Aragón a las Letras", em 1994. Em 2012, toda a sua narrativa breve, incluindo as obras "Historias Mínimas" e "Cuentos Perversos", foi reunida num só volume, pela editora Páginas de Espuma, sob o título "Cuentos Completos". Morreu em Barcelona, em 2013, deixando dois livros por publicar: a novela "El hombre bicolor" e o seu último livro de micro-relatos "El fin de los dinosaurios". Em Portugal, estão publicados "Amado Monstro" (Cotovia, 1990) e "Histórias Mínimas" (Livros Horizonte, 1992).

 

"OCUPAÇÃO BRINCANTE", COM ANTÓNIO NÓBREGA: OFICINAS E AULAS-ESPECTÁCULO

Na última semana do mês, interrompendo temporariamente (e por uma muito boa causa) a nova temporada de "TOMEO Histórias Perversas", A Escola da Noite e a Cena Lusófona acolhem em Coimbra a "Ocupação Brincante" com António Nóbrega. O programa desenhado com o músico e bailarino brasileiro (que em 2003 passou pela Oficina Municipal do Teatro e pelo TAGV) inclui duas oficinas de quatro dias e duas aulas-espectáculo, oportunidades únicas para conhecer o notável trabalho de pesquisa e formação desenvolvido por aquele que é um dos mais singulares músicos, bailarinos e coreógrafos contemporâneos do Brasil e do espaço lusófono.

Entre 25 e 28 de Setembro (terça a sexta-feira), terão lugar duas oficinas, com a duração de 4 dias - uma de dança, diriga por Rosane Almeida, e outra de música e poesia, dirigida pelo próprio Nóbrega. "Uma linguagem brasileira da dança" e "Tirando versos na rima" são particularmente apelativas para intérpretes de artes cénicas, alunos/as e professores/as do ensino artístico e educadores/as mas destinam-se ao público em geral e podem ser usufruídas por qualquer pessoa, independentemente da experiência artística que tenha. As inscrições, já abertas, custam 50 Euros por oficina (30 Euros, no caso de estudantes).

"Com Passo Sincopado" e "Mátria" são os títulos das duas aulas-espectáculo que António Nóbrega apresentará no palco do TCSB nos dias 29 e 30 de Setembro (sábado às 22h00 e domingo às 16h00). Na primeira, o artista apresenta a sua visão de uma dança brasileira contemporânea, sistematizada a partir do encontro de matrizes corporais índio-africano-iberopopulares (passos, giros, meneios, molejos, gingados, etc.) com princípios técnicos, práticas e procedimentos formais provenientes de linguagens de dança do Ocidente e Oriente. Em "Mátria", que define como " uma viagem lírica e brincalhona e ao mesmo tempo repleta de significados", Nóbrega aprofunda, através  da música cantada e instrumental, da dança e da atuação teatral, uma síntese da fricção cultural que identifica no Brasil contemporâneo, entre o rico imaginário cultural popular brasileiro (a "Mátria") e "o universo cultural Pátria - o da técnica e sistematização desenvolvidos pela tradição ocidental de cultura, de ascendência greco-latina-judaico-bárbaro-cristã".

Os bilhetes para as aulas-espectáculo custam entre 6 e 10 Euros e já podem ser reservados pelos contactos habituais do TCSB.

 

António Nóbrega e Rosane Almeida

António Nóbrega nasceu em Recife, Pernambuco, em 1952. Iniciou a sua carreira artística através do violino, instrumento que o acompanhará nas suas diversas actividades artísticas. Entre 1968 e 1970, integrou a Orquestra de Câmara da Paraíba e a Orquestra Sinfónica do Recife. Em 1971, foi convidado por Ariano Suassuna para integrar o Quinteto Armorial, grupo precursor na criação de uma música de câmara brasileira de raízes populares. A partir de 1976, começou a desenvolver um estilo próprio de criação. Em 2002 apresentou "Lunário Perpétuo". Entre 2006 e 2007, apresentou "Nove de Frevereiro", dedicado ao frevo, a que se seguiram "Passo", "Naturalmente - Teoria e jogo de uma dança brasileira", "Húmus" e "Pai", entre outros. Tem apresentado o seu trabalho em inúmeros países, entre os quais Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Cuba, Rússia e França. Recebeu inúmeros prémios, entre os quais o TIM de Música, SHELL de teatro, Mambembe e APCA. Recebeu por duas vezes a Comenda do Mérito Cultural. Fundou e dirige, em São Paulo, o Instituto Brincante, local de cursos, apresentações, oficinas, mostras e encontros onde procura apresentar, dinamizar e difundir aspectos pouco conhecidos da cultura brasileira. Actualmente está a escrever uma obra ensaística sobre a dança brasileira e prepara um novo espectáculo. "Brincante - O Filme", documentário sobre a actividade do Instituto, foi, nesta especialidade, Grande Prémio de Cinema Brasileiro 2015.

Rosane Almeida fundou, com Nóbrega, o Instituto Brincante. É actriz, bailarina, artista de circo e música e dedica-se há mais de 20 anos ao estudo da diversidade cultural do país e à valorização de seu imaginário e universo simbólico.

 

NI.BUTOH E TREINO FÍSICO PARA AS ARTES CÉNICAS: AULAS REGULARES COM MATILDE JAVIER CIRIA

Recém-radicado em Coimbra, o bailarino e coreógrafo espanhol Matilde Javier Ciria é o novo artista da cidade a quem A Escola da Noite se orgulha de abrir as portas do Teatro da Cerca de São Bernardo.

A partir de 11 de Setembro, e ao longo de toda o ano, as terças-feiras no Teatro oferecem duas oficinas regulares de movimento, que podem ser frequentadas individualmente ou de forma complementar, conforme a disponibilidade e a vontade dos/as formandos/as.

Entre as 18h30 e as 20h00, decorre semanalmente a oficina "Treino físico para as artes cénicas", destinada a "melhorar as capacidades psicofísicas dos participantes". Com exercícios baseados em técnicas de Noguchi Taiso, Body Weather, Yoga e Teatro, serão trabalhadas aptidões como flexibilidade, resistência, relaxamento, reacção, escuta interna, escuta espacial, coordenação e ritmo, entre outras. Particularmente pensada para intérpretes e alunos de artes cénicas, a formação "dirige-se a todos os corpos, independentemente da sua experiência".

Logo de seguida, entre as 20h00 e as 22h00 de todas as terças-feiras, Matilde Ciria dirige aulas de Ni.Butoh - "Ni teatro ni dança". Originária do Japão (criada nos anos 50 do século XX por Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno), a dança Butoh é definida como "uma dança da vida, da liberdade". "Através do confronto da alma com o corpo humano, procura integrar a dualidade da existência (vida/morte, masculino/feminino, consciente/inconsciente, futuro/passado...) e encontrar uma forma de expressão única de cada ser e ao mesmo tempo comum a todos, uma verdade da alma através do corpo, que permita a sabedoria inconsciente manifestar-se através do movimento consciente" - adianta Matilde Ciria. Útil para quem utiliza o corpo como ferramenta de trabalho nas artes cénicas, a oficina de Butoh pode no entanto ser frequentada por todos/as quantos/as querem conhecer melhor o seu corpo e as suas possibilidades: "Mediante o desafio dos nossos limites físicos, emocionais e psicológicos, poderemos entrar num espaço de vazio mental - desde aí poderemos escutar o mistério, bater à porta atrás da qual se encontram as memórias ocultas do nosso corpo e deixar que o movimento surja de outro lugar, mais profundo. A chave será a nossa sensibilidade".

As inscrições para as oficinas podem ser feitas por aula, por mês ou por trimestre, havendo condições especiais para as pessoas que frequentem as duas.

 

Matilde Javier Ciria

Nascido em Múrcia, Espanha (1978), Matilde Javier Ciria é um artista multidisciplinar, cujo trabalho se centra na criação e interpretação cénica e na performance. Recebeu formação em circo, teatro físico, teatro invisível e improvisação e entrou em contacto com a Dança Butoh em 2008, disciplina que marca todo o seu trabalho desde essa altura e da qual tem dirigido oficinas desde 2011, em países como Espanha, Portugal, Sérvia, Argentina e Costa Rica.

Como encenador, dirigiu peças para a companhia "noTchão", TEUC, o grupo '3monos' e o festival de butoh 'Ex..it!' e Teatro Nacional da Costa Rica. Em Coimbra, no TCSB, estreou em 2017 o espectáculo "Público x Lorca", corolário de uma co-produção internacional financiada pela rede Iberescena. Enquanto produtor, está ligado ao festival Kojoteki de Butoh e dança experimental em Lugo (2012, Bienal desde 2013), o festival de dança 'Dance to Meet You' (desde 2012) e o festival "ALMA NEGRA. Festival de Butoh Ibérico"(nascido em 2015), entre outros.

 

Coimbra, Teatro da Cerca deSão Bernardo

Programação de Setembro de 2018

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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