Sou feio sim, e daí?

Vivemos a ditadura da beleza. Quem não segue o padrão de beleza do momento e é feio aos olhos da coletividade tem mais é que morrer ou viver escondido, como se fosse a mais nojenta das ratazanas. Imagina um gordo, careca e dentuço ir à praia de Ipanema. Corre o risco de ser preso por crime ambiental ou atentado ao bom gosto dos demais banhistas.

 Por Alessandro Lyra Braga

Imaginem o mundo para pessoas como eu, que sou feio, gordo e já não sou mais nenhum garoto, podendo até ser classificado de semi-novo e quase-velho. É um mundo cruel! Quando entro numa loja para comprar roupas, por exemplo, sou visto como uma aberração, daquelas que até desvaloriza os produtos à venda. Mas, será que sou o único a passar por isto? Claro que não!

Hoje em dia para ser alguém na vida temos que ser "sarados", bem tratados e triviais. Agir de forma diferente é ser visto como um ET. Eu, por exemplo, sou carioca e sou branquelo como pouca gente consegue ser. Fujo do sol como o Diabo da cruz e não me visto com bermudas estampadíssimas que parecem ter sido feitas com cortinas de quarto de mulher-dama e não saio na rua de chinelos de jeito nenhum! Prefiro roupas clássicas e procuro estar sempre adequadamente trajado aonde vou. Por conta disso, muita gente me pergunta se sou paulista. Puro preconceito!

Entendo que a beleza existe em qualquer época da vida, em qualquer idade. É só sabermos ser coerentes. Não somos obrigados a usar nada ou nos portar artificialmente para agradar aos outros, a não ser que queiramos. Eu conheço um casal que o marido tem idade para ser pai da esposa e se veste como se fosse filho dela. É ridículo! Ainda por cima o infeliz pinta o escasso cabelo, o que faz a situação ficar ainda pior. Homem de cabelo pintado ou de peruca chama mais negativamente a atenção do que qualquer outra coisa. Se este mesmo homem que eu citei soubesse que ser natural talvez despertasse ainda mais o interesse de sua esposa, certamente ele seria bem mais feliz, acredito eu. Até porque, se ela quisesse um garotão, não estaria casada com ele.

Mas, o que leva as pessoas a se transformar no que não são, é o absurdo medo da não aceitação. Assim, estas pessoas acabam não se aceitando como são ou estão. Ninguém precisa ser velho por estar com muita idade, mas querer se comportar como rapazinho ou mocinha já estando em idade mais avançada é fugir da realidade. Da mesma forma, quem não se enquadra nos conceitos de beleza que a mídia nos impõe, sofre horrores, já que nem sempre há condições de se obter melhoras expressivas por intervenções, sejam elas quais forem.

Para se ter uma ideia das imposições da mídia, qual galã de filmes ou novelas é, de fato, feio? Normalmente os feios só fazem papéis secundários ou de bandidos. É a própria marginalização do que não é belo, associando-se assim o belo ao sucesso e à bondade, como se isto fosse a realidade. Quando vemos na TV que uma moça bonita foi assassinada ou presa por ser bandida, dizemos "que pena, uma moça tão bonita!", mas raramente dizemos isto se a moça for feia. Ou seja, o feio pode ser preso, morrer ou sumir que ninguém se importa. Tem até aquela piada de que mulher feia é que nem pantufa, em casa é gostosinho, mas para sair na rua dá uma vergonha danada! Até parece que todos nós somos tão belos assim!

Em compensação, da mesma forma que a mídia nos coloca como feios, ela nos coloca como belos. Afinal, qual jogador de futebol, mesmo sendo dentuço e feio como a desgraça, é visto como sendo horroroso se ganha milhões por mês? Nenhum! O mesmo vale para os atores e atrizes que se valem de litros de botox na busca da eterna juventude, mesmo que suas expressões faciais fiquem comprometidas. É o preço que a fama cobra: ser sempre belo! Aí, não importa o que terá que ser feito, desde que a tida beleza se perpetue. È trágico e cômico ao mesmo tempo.

Um dos consolos dos feios é o ditado "quem ama o feio, bonito lhe parece", pois sim! Os feios geralmente só se relacionam com quem sobra ou com quem é feio também, perpetuando sua feiura. Pode ser uma colocação cruel, mas é a mais pura verdade. Quando vemos um rapaz feio namorando uma moça bonita, sempre ouvimos aquele comentário "nossa, ela é tão bonita para estar com alguém tão feio!", ou não ouvimos? É o senso comum falando mais alto e marginalizando assim as pessoas consideradas feias. Isto é fato!

Como eu costumo dizer, meu projeto genético até que foi bem concebido, mas infelizmente no final saí mal acabado, apesar da torcida de meus progenitores. No entanto, entendo que ser igual a todo mundo, me esfolando em academias ou recorrendo às práticas cosméticas também não é minha praia. Jamais faria uma cirurgia plástica por vaidade, por exemplo. Apesar do que a mídia e o senso comum me impõem, consigo ser eu mesmo, mantendo minha personalidade e meu jeitinho estranho de ser. E quem não gostar...

*Alessandro Lyra Braga é carioca, por engano. De formação é historiador e publicitário, radialista por acidente e jornalista por necessidade de informação. Vive vários dilemas religiosos, filosóficos e sociológicos. Ama o questionamento.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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