Paraná sobre rodas, trilhos e águas

Livro-reportagem mostra fatos e personagens relevantes para o desenvolvimento do transporte no estado

A história paranaense se confunde com a evolução dos meios de transporte. A colonização da área que hoje corresponde ao Paraná co­­meçou com a chegada dos navegadores portugueses ao litoral. Curi­­tiba nas­­ceu como um ponto de parada no caminho dos tropeiros que percorriam o trecho entre Viamão (RS) e Sorocaba (SP). Para lembrar o passado, mostrar o presente e sugerir o futuro dos modais de transporte no Paraná, o jornalista Gilberto Larsen está concluindo o livro-reportagem Quilômetros de História, com lançamento previsto para 2010.

Larsen lembra que o primeiro por­­to com importância econômica para o estado foi o de Barreiros, em Morretes. “Este local foi o ponto de partida para o desenvolvimen­­to do litoral paranaense”, diz uma placa colocada em uma curva do Rio Nhundiaquara, a 6 km da sede do município. “Serviu de ancoradouro dos batelões que faziam transporte de carga do planalto, descendo o Rio Nhun­­dia­­quara, até o Porto de Paranaguá, nos ciclos da erva-mate e da banana, desde o ano de 1700 até a construção das estradas de rodagem e de ferro.”

Propaganda do Lloyd Paranaense em revista da época: inaugurado em 1915, permaneceu em atividade até 1953

Balão Granada pousou em cima da Catedral

No trabalho de pesquisa para o livro que está escrevendo, o jornalista Gilberto Larsen resgatou histórias pouco conhecidas do modal aéreo no Paraná. No dia 6 de fevereiro de 1876, o vôo de um mexicano em um balão trazido por um circo de passagem pela capital provocou comentários que duraram semanas. Passados 33 anos, outro balão causou alvoroço no céus de Curitiba, após atingir a altura de 970 metros e permanecer 34 minutos no ar. Era o Granada, pilotado pela espanhola Maria Aida, que fez um pouso atrapalhado em cima da Catedral. “Consta que Aida rapidamente se livrou do balão, desceu pela claraboia, entrou na igreja e saiu pela porta da frente para os triunfais cumprimentos”, conta o jornalista.

Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi forçada a abandonar a aviação militar, concentrando esforços nas aeronaves comerciais. Eram dessa época os Junkers G24 usados na primeira linha regular de hidraviões no país, ligando o Rio a Porto Alegre, em 1927. As aeronaves faziam escala para reabastecimento em Paranaguá, pousando no Rio Itiberê. Nove anos mais tarde, outra aeronave germânica chegou ao Paraná. A colônia alemã em Curitiba recebeu um planador do 3.º Reich.

“Atualmente, uma das grandes discussões da logística aérea paranaense é a construção da terceira pista no aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais”, afirma. “A obra, que atenderia também ao transporte de carga, tem muitos defensores, embora alguns técnicos defendam primeiro a extensão das atuais pistas.” (AS)

Obra surgiu da experiência e pesquisa

A ligação do jornalista Gilberto Larsen com os transportes é antiga. “Trabalhei muito tempo na Secretaria de Estado dos Trans­portes e na [extinta] Rede Fer­­roviária Federal (RFFSA), aqui e no Rio”, lembra. “Também passei pela Ferroeste e pelo Geipot [Empresa Brasileira de Pla­­nejamento de Transportes, que conserva a sigla da antiga denominação, Grupo Executivo de Integração da Política de Trans­portes].”

A ideia de produzir a obra surgiu no ano passado durante uma conversa com um amigo. “Estava falando com o [engenheiro] An­­­tônio Ribas, que era do Depar­ta­­mento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER) e está na Itaipu, e ele me sugeriu: ‘Que tal reunir toda a sua experiência e escrever um livro? ’”, conta. A partir daí surgiu o trabalho de pesquisa e coleta de dados. Agora o livro está na fase de edição. A conclusão da obra está prevista para o início do ano que vem.

Larsen levantou os fatos marcantes do transporte no Paraná desde o descobrimento, passando pelo período colonial e pelo Império, até a República. A obra registra a navegação pelo Rio Iguaçu, os portos marítimos, aeroportos e os modais terrestres (rodoviário e ferroviário), até os dias atuais. “Um dos capítulos mostra a malha viária do Paraná, incluindo oleoduto, gaseoduto e infovias e a compreensão do território para estabelecer as vias de transporte”, conta o jornalista. “Outro aborda os caminhos históricos: Peabiru, Cubatão, Graciosa, Itupava, Arraial, dos Ambrósios, da Mata e das Missões, entre outros.”

O trabalho terá farto material ilustrativo, incluindo fotos, infográficos e mapas históricos, como o que mostra a perda de território durante a Guerra do Contestado. “Um capítulo será dedicado às personalidades do setor”, revela o autor. A atuação das Forças Ar­­madas nos transportes, com a im­­plantação da chamada Estrada Estratégica (a atual BR-277, que liga Paranaguá a Foz do Iguaçu) e outras iniciativas também estarão no livro, que destaca a influência de entidades como a Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) e a Associação Paranaense dos Empresários de Obras Públicas (Apeop). Os tópicos abordados incluem ainda planos de transportes e planejamento.

A integração com o Norte do Paraná e a marcha para o Oeste do estado são assunto para mais um capítulo, que conta também a história do transporte intermunicipal de passageiros, apresentando as diligências e os primeiros ônibus. O capítulo mais extenso traz os diferentes modais: fluvial, marítimo, rodoviário, ferroviário e aéreo. A obra destaca ainda a preservação do passado, traz perspectivas do futuro, traça uma linha do tempo do transporte paranaense e revela curiosidades históricas do setor. (AS)

Em 1864, iniciou-se a navegação regular entre Paranaguá e Barreiros (Morretes), pelos vapores Marumby e Iguaçu, que faziam ainda deslocamentos eventuais à Ilha das Cobras. Ainda no século 19, o local ideal para construir o principal porto paranaense motivou intensa disputa entre os partidários de Antonina e de Paranaguá. Em janeiro de 1880, o imperador dom Pedro II optou por Pa­­ranaguá.

Hidrovias

A navegação fluvial também esteve presente no Paraná desde os pri­­mórdios da colonização. Em 1846, Beauperian Rohan foi encarregado de determinar o caminho mais curto entre Gua­rapuava e a margem esquerda do Iguaçu, e reconhecer se o rio era navegável até sua foz. Dez anos depois, o engenheiro francês Fre­derico Hégre­­vil­­le, contratado pe­­lo governo da pro­­víncia, inspecionou a ligação Pal­­mei­­ra-Palmas e emitiu parecer so­­bre a infraestrutura viária. Passada mais uma década, o alemão Josef Keller e seu filho Franz exploraram o rio entre São José dos Pinhais e a região de Man­­guei­­rinha. A na­­ve­­gação a vapor começou em 1872. Em 1915, foi fundado o Lloyd Pa­­ra­­naense, que permaneceu em atividade até 1953.

O Rio Paraná, por sua vez, vinha sendo percorrido por espanhóis e por­­tugueses. No século 19, o Para­­nazão teve importância estratégica na Guerra do Paraguai e já no início do século 20 serviu à exportação da erva-mate e da madeira. “Graças aos portos fluviais no extremo ocidental do Paraná foi possível o empreendimento da Companhia Mate Laranjeira, que potencializou uma atividade multimodal em Porto Mendes, com a implantação da primeira ferrovia do oeste paranaense”, lembra Larsen. “A Mate Laranjeira, uma concessão imperial a Tomás Laranjeira por serviços prestados na Guerra do Paraguai, se estabeleceu em Guaíra em 1909 para facilitar o escoamento da erva-mate.”

A conexão entre a hidrovia do Rio Iguaçu e a estrada de ferro veio em 1869, a partir de Porto Ama­­zo­­nas, com ramal para a Lapa e Rio Ne­­gro. No mesmo ano foram iniciados os estudos para levar a ferrovia até Guaíra.

De Curitiba a Paranaguá, de trem

O modal ferroviário ganha força em 1880, com o início da construção da ferrovia Paranaguá-Curi­tiba, inaugurada cinco anos de­­pois. Também em 1885, foi entregue a ligação férrea entre a ca­­pital e Ponta Grossa, e iniciadas as obras do trecho Ponta Grossa-Guarapuava. Em 1890, a estrada de ferro de Porto Ama­­zonas chegava a Palmeira e Pon­ta Grossa.

No fim do século 19, a meta era chegar ao estado de São Paulo, atravessando os vales dos rios Açungui e Ribeira. Para isso foi criada a Estrada de Ferro Norte do Paraná, inaugurada em 1906, com apenas 42 km, entre Curitiba e Rio Branco do Sul.

No anos 60, quando a Estrada de Ferro Central do Paraná (Apu­­ca­­rana-Ponta Grossa) não existia, o Tronco Sul na direção de Rio Negro a caminho do Rio Gran­­de do Sul ainda estava em construção e o trem de passageiros levava 24 horas entre Curitiba e Ourinhos (SP), o tenente-coronel Brasílio Marques dos Santos Sobrinho assumiu a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Uma das alternativas adotadas por Brasílio foi criar a intermodalidade, com o rodotrem: os con­­têineres vinham de caminhão do Paraguai até Guara­puava, eram despachados para Curitiba e desciam até Paranaguá novamente em caminhões, até o completo alargamento dos túneis na Serra do Mar.

Em 1954, o trem chegou a Gua­­rapuava. Passados 36 anos, saiu o edital para construção da Ferrovia da Soja. Iniciadas em 1982, as obras foram paralisadas em 85. Em 1991, a Assembleia Legislativa aprovou a criação da Ferroeste, empresa de economia mista. A obra, com participação do Exército, começou em 92. Concluída em 1994, a ferrovia foi privatizada em 1996, mas 10 anos depois o Paraná retoma na Justiça o controle da Ferroeste.

Rodovias

Larsen descobriu ainda que a história do pedágio é antiga no Paraná, anterior às estradas de rodagem como as conhecemos hoje. “Em 1743 Manoel Muniz Bar­reto e Frutuoso da Costa Bra­­ga propuseram fazer melhorais no caminho do Cubatão, entre Curitiba e o litoral, em troca do monopólio do pedágio”, conta. “O impasse de cobrar ou não durou até 1798. A vila de Curitiba ficou dividida entre dois grupos: os Forasteiros e os Arraigados.”

O modal rodoviário teve na Estrada da Graciosa, inaugurada em 1973, seu grande marco no século 19. Na primeira metade do século 20, a principal obra viária foi a Estrada do Cerne, inaugurada em 1939 pelo interventor Manoel Ribas.

A partir de 1951, o novo plano rodoviário impulsionou as rodovias. Nas décadas seguintes, fo­­ram implantadas as ligações as­­fálticas entre Paranaguá e Foz do Iguaçu (BR-277) e entre Ponta Gros­­sa e o Norte do Paraná (Rodovia do Café). Alguns trechos foram duplicados nos anos 80 e 90. Atualmente, o Paraná tem cerca de 20 mil quilômetros de estradas de rodagem pavimentadas e aproximadamente 100 mil sem pavimentação.

Publicado em 31/10/2009 | Ari Silveira

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