Convenção da Universidade de Lisboa

Convenção da Universidade de Lisboa

Intervenção do Reitor, Prof. António Nóvoa, no Debate sobre a Reforma do Ensino Superior - Estamos no final de um longo debate, de dois dias, e sei que devo ser breve. Não quero, no entanto, deixar de agradecer a presença de todos e, mais do que a presença, a pluralidade dos pontos de vista e uma participação tão intensa e calorosa.

Universidade de Lisboa, 22 de Junho de 2007

Estamos no final de um longo debate, de dois dias, e sei que devo ser breve. Não quero, no entanto, deixar de agradecer a presença de todos e, mais do que a presença, a pluralidade dos pontos de vista e uma participação tão intensa e calorosa.

Em tempos que parecem excessivamente marcados por tendências políticas autoritárias e arrogantes, esta iniciativa prestigia a Universidade e diz, com clareza, que uma reforma para os próximos vinte anos não pode ser aprovada sem um debate sério e informado. É este o nosso contributo para que a decisão política que venha a ser tomada o seja com mais qualidade.

Falar-vos-ei, sinteticamente, de cinco pontos – diversidade, reordenamento da rede, instrumentos de gestão, modelo de governo e investigação – percorrendo alguns dos temas do Debate.

1. A universidade portuguesa precisa de mudanças profundas. Por isso, temos vindo a fazer um caminho de renovação e de recomposição orgânica da Universidade de Lisboa (como bem explicaram, ontem, os Professores José Barata-Moura e Viriato Soromenho Marques). Este caminho pode ser prejudicado pela actual proposta de lei.

E aqui reside a nossa primeira perplexidade:

- Porque é que, num momento em que as universidades de todo o mundo adoptam modelos diversificados de organização, se nos impõe um figurino único, uniformizador, extremamente rígido?

- Porque é que não se consagram princípios de liberdade organizacional, de acordo com projectos universitários distintos, introduzindo-se, simultaneamente, exigentes dispositivos de avaliação e de prestação de contas?

Confie-se com humildade na autonomia e na liberdade, que conduzem à aprendizagem e a mudanças efectivas, como há pouco recordou o Prof. Augusto Mateus.

A presente proposta de lei, negando aliás a sua própria retórica, vai contra as tendências mais inovadoras que se vivem no plano internacional (e contra as próprias recomendações do relatório da OCDE).

2. A minha segunda observação é sobre o reordenamento da rede do ensino superior, matéria sobre a qual me pronunciei em diversas ocasiões. É inaceitável a proliferação de cursos e de instituições que se foram abrindo por todo o país. Fala-se muito sobre isto. Mas faz-se muito pouco.

A Universidade de Lisboa tem vindo a percorrer um caminho consistente de concentração e de articulação com outras instituições, politécnicas e universitárias, da região de Lisboa. Acompanhamos, neste aspecto, as experiências mais interessantes no plano europeu (na Holanda, na Bélgica, em França, na Alemanha…) no sentido de criar “massa crítica” e capacidade competitiva (recordo a intervenção de ontem do Eng. João Picoito e de hoje da Profª Graça Carvalho).

Estranhamente, a proposta de lei vai no sentido oposto, promovendo, ainda mais, a fragmentação da rede do ensino superior, em particular com a “saída” de algumas faculdades ou unidades orgânicas das suas respectivas universidades. Esta é a medida mais crítica da actual proposta de lei, mas também aquela que verdadeiramente define a sua matriz, como aqui explicou, ontem, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.

A Universidade precisa de se diferenciar, de promover as escolas e os centros mais dinâmicos, de criar espaços de excelência. A Universidade não precisa que lhe sejam “extraídas” as suas melhores unidades (e muito menos por iniciativa avulsa de um qualquer ministro, que passaria a ter um inacreditável poder de ingerência na vida universitária), deixando que tudo o resto caia no poço sem fundo da mediania ou da mediocridade.

Curiosamente, também aqui, a proposta de lei vai contra as recomendações da OCDE, como explicou ontem o Dr. Jorge Sampaio.

3. Gostaria, em terceiro lugar, de lembrar as palavras proferidas pelo Prof. Diogo Lucena. O pior que nos poderia acontecer (como tantas vezes aconteceu no passado) seria termos uma reforma que não contém instrumentos efectivos de gestão da mudança e da inovação. Não nos serve uma lei que não pense o futuro, que não se pense no futuro.

Contrariando o relatório da OCDE, a proposta de lei agrava as tendências de governamentalização e de micro-regulação burocrática das instituições (over-regulation e micromanagement).

Contrariando o relatório da OCDE, a proposta de lei não introduz qualquer dispositivo de financiamento plurianual para as universidades públicas (como dizia o Prof. Diogo Lucena não se trata tanto do “montante” a transferir, mas sobretudo da autonomia e da flexibilidade na utilização destas verbas).

Contrariando o relatório da OCDE, a proposta de lei nada diz sobre o estatuto da carreira docente, que gera situações inaceitáveis de endogamia, que impede a necessária renovação das instituições e que impossibilita uma gestão flexível e adequada do tempo e das condições de trabalho de professores e investigadores.

Reforma do ensino superior? Claro que sim. Mas “reforma” que asfixia ainda mais as instituições no seu funcionamento quotidiano? Que não estabelece quaisquer regras de financiamento, agora que até a célebre “fórmula de financiamento” deixou de existir? Que não fornece os instrumentos básicos de promoção da mobilidade, do mérito, de incentivo e de renovação do corpo docente? Parecem-me injustas as regras deste jogo que nos querem impor.

4. O meu quarto ponto, aqui debatido hoje, é sobre o modelo de governo das universidades. Reconheço aspectos positivos na proposta apresentada pelo Governo. Parece-me essencial uma maior abertura ao exterior e uma simplificação dos órgãos de gestão. Precisamos de estruturas mais leves e com maior capacidade de intervenção, de resposta, de iniciativa. Mas não precisamos – contrariamente ao que disse anteontem o autor da lei – de “órgãos mais manejáveis”.

Partilho as opiniões dos Professores Filipe Duarte Santos, Augusto Mateus e Helena Nazaré, que intervieram no início da tarde. Não posso deixar de recordar que uma Universidade é, por definição, um espaço de diálogo, de partilha, de formação do cidadanato (como aqui sucessivamente afirmaram, e bem, os estudantes). Estranha ideia esta, retrógrada, que se tem enraizado na sociedade portuguesa, segunda a qual participação é igual a ineficiência. Parece-me evidente que alguns aspectos desta lei negam os preceitos constitucionais e o próprio Programa do Governo.

Mas, sobre isto, o Prof. Jorge Miranda disse tudo o que havia para dizer: “num Estado de direito democrático a autonomia da universidade ou é uma autonomia democrática, plural e participada, ou não é”.

5. Chego ao quinto e último apontamento. Ouvi com muita atenção as intervenções neste último painel, pois é difícil compreender a lei no que diz respeito às questões da “investigação e inovação”. Neste domínio, aliás, todos reconheceremos como muito positiva a acção do Governo.

Há aspectos da lei que parecem apontar no sentido de uma maior integração das unidades de investigação e dos investigadores, reforçando a sua presença nos órgãos de governo e nos centros de decisão da universidade (tudo isto, sem prejuízo de uma larguíssima autonomia e independência, absolutamente essenciais para o trabalho científico). Se assim for – e essa parece ser a interpretação dos Professores João Paulo Carvalho Dias e Carmo Fonseca – estaremos a adoptar a orientação certa, dando centralidade à investigação e atribuindo-lhe a prioridade que deve ter na organização da vida universitária.

Todavia, por vezes, a lei que parecem apontar no sentido de uma “centrifugação” das unidades de investigação afastando-as das universidades. Se assim fosse, estaríamos a ir contra as melhores experiências internacionais, bem sintetizadas na recente Declaração de Lisboa, adoptada pela European University Association.

Definitivamente, nesta matéria, como diz o Prof. João Lobo Antunes, temos de passar da conversa à prática, encontrando os modelos mais adequados para que a Universidade recrute, apoie, crie as melhores condições e promova os centros e os investigadores mais dinâmicos.

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Aqui ficam cinco pontos, entre tantos outros, que estiveram neste debate, um debate que iremos continuar (no Parlamento, no Conselho Consultivo da Universidade, nas Faculdades, com os estudantes…) procurando melhorar esta lei e procurando, sobretudo, que ela não sirva para que tudo fique na mesma. E depois, abriremos a 2ª fase desta Convenção, na qual cuidaremos dos novos Estatutos, da nova “constituição universitária”.

Uma palavra final para apoiar o que aqui foi dito, ontem, pelo Prof. Seabra Santos (Presidente do CRUP). Se esta lei tem como objectivo verdadeiro promover a inovação e o reforço das universidades, então são inaceitáveis as “disposições transitórias” que colocarão as instituições em situação de ingovernabilidade durante mais de um ano. Depois de Bolonha, em 2006, depois dos cortes cegos no financiamento, em 2007, o próximo ano, de 2008, poderia tornar-se um período dramático para as universidades públicas. Estou certo de que esta não é a intenção do Governo.

O Prof. João Lobo Antunes tem recordado, muitas vezes, que a universidade é uma das instituições mais notáveis, que se foi inventando e construindo no tempo longo da história. Depois destes dois dias de Debate, confesso-vos que tenho ainda mais orgulho em pertencer à universidade, em pertencer a esta Universidade.

Honra-me a vossa confiança. Para mim, é o único critério, o único compromisso que conta. O resto… o resto é-me indiferente! Tenho uma inquietação, e apenas uma – estar à altura dos vossos anseios, dos nossos anseios.

Somos tudo menos uma “instituição acomodada”. Sabemos onde está a contemporaneidade. Temos vindo a percorrer um caminho de mudança e de renovação. Precisamos de o aprofundar, de o tornar mais sólido, mais coerente, ainda mais participado. Fá-lo-emos.

Não nos falta coragem, nem determinação, para continuar aquilo que já somos (uma grande universidade) e para nos tornarmos naquilo que queremos vir a ser (uma universidade de referência no plano europeu). Sê-lo-emos.

O futuro começa agora. Com imaginação. Com criatividade. Infectados pela doença do optimismo. Muito obrigado.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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