O aprendiz de feiticeiro e a economia da fome…

Em muitas valências, o homem moderno ainda é um feiticeiro… Limita-se a combinar “poções mágicas” tal como faziam os bruxos e bruxas da Idade Média sem a certeza dos resultados. A grande diferença está nos meios e nos objectivos. Hoje trabalha-se em laboratórios, devidamente apetrechados com o que há de melhor em equipamentos, ao serviço de corporações industriais, mais com a preocupação de obter vantagens económicas do que com a segurança alimentar, a saúde humana e a protecção da Natureza.

Quase sempre, desprezam-se os resultados a prazo. E quando se descobre que esta ou aquela substância sintetizada pode afinal ser nociva à saúde, tarde ou nunca é retirada do mercado… Não vá as acções quebrarem e os especuladores ficarem na penúria…

Dois exemplos ilustram o nosso ponto de vista: o Aspartame e a Talidomida. O primeiro, presente em milhares de produtos que consumimos, nomeadamente nos chamados “light”, um composto químico, que resultou de um acaso quando a Monsanto preparava um raticida, embora esteja sob suspeita de poder induzir várias doenças, após um longo debate no Congresso Norte-americano, acabou por ser aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration) para o consumo humano.

A Talidomida, que provocou nos anos sessenta perto de 15 000 vítimas com malformações, apesar de erradicada da prescrição pré-natal, está a ser reabilitada no Brasil para tratamento de pessoas com o vírus HIV e afectadas com o bacilo de Hansen. Os produtos transgénicos são outro exemplo de como mesmo sem certezas, em termos de segurança alimentar, estão no mercado sob o respaldo legal das autoridades, que apenas exigem que nos rótulos conste a sua origem. Se acaso não houvessem dúvidas sobre a sua nocividade para a saúde humana, seria necessário tal advertência? Neste caso parece-nos a mesma hipocrisia do aviso do tabaco. Bastou o Governo mandar inscrever na embalagem que o “tabaco mata” para que toda a gente durma em paz com a sua consciência… Ora bolas!

Condenamos a acção dos imberbes ambientalistas que, a 17 de Agosto passado, invadiram uma propriedade e destruíram um hectare de milho transgénico. Não serviram certamente a causa que dizem defender, pelo contrário. Não é dessa forma, no mínimo, grosseira, que se chama a tenção para um problema tão grave como é o das culturas de sementes geneticamente modificadas. A denúncia passa pelo esclarecimento da opinião pública. Tal deve incidir sobre os impactos na Natureza, que põem em causa a sua biodiversidade; sobre os perigos para a saúde pública, que neste momento constituem um tabu; sobre uma dependência alimentar crescente de transgénicos, que a prazo, ao eliminar a agricultura tradicional, tornará os povos mais dependentes economicamente dos países que dominam a técnica dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados). Actualmente as multinacionais do ramo agro-industrial-alimentar, como a Monsanto, a Cargil, a Unilever, já controlam cerca de 63% do comércio Mundial. Infelizmente, este aspecto não foi referido na “mídia” portuguesa. Porque será?

A história dos agricultores indianos é exemplar a respeito do que estamos a reflectir. Aliciados pelas vantagens económicas do Algodão Bt, um algodão com um gene resistente a um tipo de praga endémico na América do Norte, abandonaram a cultura tradicional. E o fizeram sob o beneplácito das autoridades indianas regionais, algumas das quais ditas de Esquerda. Para tanto, foi-lhes facilitado financiamento para a compra das sementes transgénicas à Monsanto, maior empresa do ramo, que garantia o escoamento da produção a preços, claro está, deflaccionados.

Com o tempo verificaram que afinal o Algodão Bt não era tão imune a pragas como os seus patrocinadores publicitavam. Por recomendações dos técnicos da multinacional, complementaram o tratamento com pesticidas, claro, da Monsanto. Tiveram então que recorrer a mais crédito, um crédito cada vez mais caro. Mais tarde, uma outra praga ataca as raízes do Algodão Bt e destrói toda uma safra. Em pouco tempo, os algodoeiros indianos vêem-se sem produção e com uma dívida monstruosa às costas, com os agiotas, alguns trabalhando como agentes para a Monsanto, a bater-lhes às portas. Sem alternativas, nem sequer de voltar às culturas tradicionais por falta de sementes isentas de OGM e porque os solos se encontram contaminados e estéreis, alguns entregam as terras e migram para as cidades com as famílias, juntando-se aos milhões de famintos que por lá pululam. Outros, pura e simplesmente suicidam-se.

Contam-se cerca de 25 000 suicídios entre os pequenos e médios proprietários de terras de Algodão Bt, até ao final da década de noventa. Esta “Reforma Agrária” às avessas, com a transferência coerciva da propriedade fundiária para as mãos dos agiotas locais, deixa o caminho livre a outro tipo de monocultura, quiçá já ensaiada em laboratório, podendo ser uma das culturas na moda para produção de bio-combustível, tão necessário aos consumos de energia de uma sociedade em franco desenvolvimento tecnológico… Isto passa-se nos nossos dias numa Índia que constitui para os ideólogos do Neoliberalismo um “paraíso económico”.

Um dos argumentos utilizados na defesa dos OGM é de que só com alimentos transgénicos será possível mitigar a fome mundial. Nada mais falacioso. Tem sido precisamente a saga de um comércio de trocas desiguais, de que as multinacionais são grandes responsáveis, que tem fomentado a fome no Mundo e o caso da Índia é claro exemplo disso. Pague-se o justo valor à agricultura tradicional e veremos surgirem de novo mercados de lavradores por todo o Planeta. Lembramos que só 10% da crusta terrestre é utilizada na alimentação do homem. Significa que a fome só existe porque convém à Economia vigente, que vive da escassez, em muitos casos induzida para criar dependências e a alta de preços.

Artur Rosa Teixeira

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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