Em Portugal OTAN deve ser reestruturada e decidir futuro da missão internacional no Afeganistão

Em Portugal, com a presença pela primeira vez do presidente da Rússia, Otan deve ser reestruturada e decidir futuro da missão internacional no Afeganistão

Por ANTONIO CARLOS LACERDA

Correspondente Internacional

14104.jpegEm Portugal, a cúpula da entidade pretende ainda acelerar a sua adaptação às novas exigências internacionais, desde a abertura a outros países à sua preparação para novas ameaças internacionais, passando por uma profunda reestruturação exigida pela crise econômica mundial.

O novo "conceito estratégico" da Otan, um documento que recolhe seus objetivos básicos, deve ser aprovado, e o anfitrião da reunião, o primeiro-ministro português José Sócrates lembrou que a entidade "não é a polícia do mundo", e tem que reforçar a cooperação entre países e organizações.

"Esta cúpula entrará, sem dúvida, na história da organização", disse Sócrates, após ressaltar a importância da reunião entre a Aliança e a Rússia, bem como a resposta às novas ameaças para a segurança global, entre elas o terrorismo, os ciber-ataques, a pirataria e o crime organizado.

Para garantir a segurança da cúpula da Otan, o governo de Portugal reforçou a vigilância policial na capital e os controles nos aeroportos e em sua única fronteira terrestre, com a Espanha, na qual praticou várias detenções e expulsões.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras luso (SEF) informou que nas últimas 24 horas 82.552 pessoas foram "controladas" e 127 estrangeiros tiveram sua entrada impedida por motivos de segurança relacionados com a reunião da entidade.

Dirigentes das organizações civis que prepararam uma "contracúpula" em Lisboa acusaram as autoridades portuguesas de impedir a passagem, sem motivo justificado, de pacifistas que tentavam participar dos seus atos.

A polícia portuguesa deteve ainda 11 pessoas e apreendeu várias armas brancas e uma arma de fogo, assim como material considerado "anti-Otan".

Por sua vez, os movimentos pacifistas mais ativos perante a cúpula de Lisboa, a Plataforma portuguesa Anti-Guerra Anti-Nato (Pagan) e o Comitê Internacional de Coordenação (ICC) da coalizão "No to War, No to Nato", asseguraram que suas iniciativas são de "desobediência civil" e "estritamente não violentas".

O forte dispositivo de segurança empreendido pelas autoridades portuguesas perante a cúpula inclui dois blindados policiais, aviões de combate, uma fragata e cerca de dez mil efetivos, entre policiais, bombeiros, médicos e proteção civil.

Uma das maiores preocupações das forças de segurança portuguesas são os surtos de violência que possam ocorrer, devido ao fato de as organizações anti-Otan terem convocado uma manifestação na qual temem a presença de membros do grupo "Black Block", de orientação anarquista e violenta.

O ministro do Interior português Rui Pereira, no entanto, mostrou confiança em que a cúpula da Otan se desenvolverá com tranqüilidade, e ressaltou que as forças de segurança estão preparadas para garantir isso.

A Feira Internacional de Lisboa, onde se reúnem os governantes, está isolada com cercas e arame farpado, e os trabalhadores e clientes dos escritórios e comércios da região são identificados de forma rigorosa pela polícia, que fechou ao público boa parte dessa zona da capital.

As delegações dos países estão hospedadas em hotéis espalhados por toda a cidade, e as autoridades portuguesas estabeleceram estritos corredores de segurança que vão causar grandes problemas de tráfego na capital, submetida a um desdobramento policial nunca visto.

Um grupo de 29 ONGs com presença no Afeganistão solicitou à Otan que tome medidas urgentes para a proteção dos civis atingidos pelo conflito, no marco de seu plano de passar a segurança ao governo do país asiático.

A chamada coincide com o plano de transição elaborado pelo general responsável pela missão no Afeganistão, David Petraeus. A Otan pretende aumentar a formação e os efetivos das forças afegãs para que a transição da segurança e da ordem no país seja feita progressivamente, mas as organizações de ajuda alertaram sobre o impacto que isso poderá ter para a população civil.

"Há um grave risco de abusos generalizados, que podem ir desde roubos e extorsões até torturas e assassinatos indiscriminados", afirmam as organizações no relatório, intitulado "Sem saída. Fracasso na proteção da população civil no Afeganistão".

"Nem o Exército nem a polícia afegãs dispõem de formação suficiente, e os sistemas de comando são débeis. Não há mecanismos eficazes para investigar e processar os supostos abusos cometidos pelas forças de segurança afegãs", acrescentam as ONGs no relatório.

2010 foi o ano mais sangrento para a população civil do Afeganistão desde o início da ocupação do país, em 2001. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), entre janeiro e junho deste ano morreram 1.271 pessoas, 21% a mais que no mesmo período do ano passado.

O relatório foi assinado por organizações como Oxfam, Ajuda em Ação e Comissão Afegã Independente de Direitos Humanos (AIHCR, pela sigla em inglês), que pedem à Otan para "fazer mais para reduzir os danos à população civil".

O grupo também solicita que a organização abandone as chamadas "iniciativas de defesa da comunidade", que consistem em apoiar milícias locais para lutar contra os talibãs.

Os presidentes Barack Obama, dos Estados Unidos, e Dmitri Medvedev, da Rússia, têm interesses a defender na reunião da cúpula da Otan, em Portugal.

Barack Obama deve pedir um novo reforço a seus aliados no Afeganistão. O encontro de Obama e seus aliados servirá principalmente para oficializar o apoio da Otan a um plano do presidente afegão Hamid Karzai de dar por terminadas as missões de combate em seu país até o final de 2014.

Há um ano Obama decidiu aumentar o contingente no Afeganistão a 100.000 homens, mas prometeu que começaria a transferir responsabilidades às forças afegãs a partir de julho de 2011.

O governo americano continua defendendo esta data, mas agora afirma que o ritmo da transferência ainda está para ser definido. Alguns acham que, na realidade, está se adiando a decisão até 2014.

"Quando tínhamos uma estratégia contra a insurreição, no momento em que tínhamos tropas extras no terreno, o que precisávamos mais do que tudo era de mais tempo para fazer funcionar essa estratégia", declarou Lisa Curtis, do centro de análise conservador Heritage Foundation.

Além disso, caso os americanos terminem efetivamente sua missão de combate em 2014, a partir da estratégia implementada no Iraque - classificada de bem sucedida pela administração Obama -, a necessidade de uma presença estrangeira de apoio continuará presente.

Obama deve pedir à Otan que forneça mais treinadores e forças logísticas, algo que o Canadá acaba de apoiar com o anúncio do envio no próximo ano de 950 homens para substituir o contingente militar que abandonará o país.

Mais de nove anos depois do início do conflito, "a data de 2014 constitui uma tentativa de tranquilizar os europeus mais céticos e os americanos mais céticos ainda", considerou Curtis.

O momento também é crítico, já que este ano foi o mais violento para as forças da Otan no Afeganistão.

Por outro lado, o presidente russo Dmitri Medvedev participa da cúpula da Otan com o objetivo de melhorar as relações com o antigo inimigo da Guerra Fria, cujo projeto antimísseis na Europa continua irritando Moscou, apesar de a Rússia ter sido convidada a se unir a ele.

A cúpula da Otan, a qual o presidente russo participa pela primeira vez desde a guerra russo-georgiana de agosto de 2008, oferece a possibilidade de eliminar os "fantasmas do passado", segundo o secretário-geral da entidade, Anders Fogh Rasmussen.

"Acho que conseguiremos virar uma página de nossas relações e terminar com as acusações mútuas e avançar", comentou um alto funcionário da Otan, que não quis ser identificado.

Para o especialista russo Viktor Kremeniuk, "ao participar nesta cúpula, Medvedev assume riscos, mas leva em conta que, para ampliar suas relações com o Ocidente, não bastam os contatos bilaterais com Obama, Merkel ou Sarkozy".

"Ele tem dois objetivos: reduzir o número de votos contra a Rússia dentro da Otan e obter um apoio para sua política de modernização da Rússia", acrescentou Kremeniuk, diretor adjunto do Instituto EUA-Canadá.

O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, destacou que Moscou já não considera a Otan uma ameaça. "Se a Rússia e a Otan puderem enfrentar com sucesso os desafios que enfrentam, todos que querem melhorar a segurança de Vancouver a Vladivostok sairão ganhando", enfatizou Serguei Lavrov.

Apesar dessas declarações tranquilizadoras, a vontade americana de instalar um sistema de defesa antimísseis nos ex-países comunistas da Europa impede uma melhoria das relações entre a Rússia e a Otan, à medida que Moscou considera esse projeto como um perigo.

Para acabar com esta desconfiança, Rasmussen propôs associar a Rússia a este projeto. Medvedev também se dispôs a estudar esta oferta, mas vários dirigentes russos advertiram que não esperam que haja avanços sobre este tema em Lisboa.

A Assembléia Parlamentar da Otan, uma espécie de prévia à cúpula de Lisboa, terminou em Varsóvia, na Polônia, com uma mensagem de aproximação com a Rússia, e fez um chamamento aos Estados-membros para que, apesar da crise econômica, garantam os recursos necessários para enfrentar os desafios do século XXI.

O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, afirmou que se a organização quiser "seguir adiante" deverá "facilitar ao máximo a colaboração com Moscou".

"É hora de Otan e Rússia deixarem de olhar um para o outro com receio", destacou Rasmussen, quem elogiou a decisão do presidente russo Dimitri Medvedev de participará da cúpula de Lisboa, que decidirá a nova estratégia da Otan.

"As relações com a Rússia são muito importantes e deveriam ser desenvolvidas em termos de igualdade e racionalidade para produzir resultados positivos", declarou o representante polonês, o parlamentar Grzegorz Schetyna.

Sobre a adesão de Ucrânia e Geórgia à Otan, que enfrenta a oposição da Rússia, Schetyna reiterou o "compromisso" polonês "com uma política de portas abertas", mas reconheceu que a integração de não acontecerá "em um futuro imediato".

Previamente, Anders Fogh Rasmussen tinha se referido à colaboração com a Rússia em entrevista que foi publicada no jornal "Gazeta Wyborcza", quando defendeu uma cooperação em matéria de defesa antimíssil mediante uma ativa troca de informações e dados entre a Rússia e a Otan.

"No marco da Otan debatemos intensivamente a nova estratégia e chegamos a um consenso para conseguir progressos nas relações com a Rússia. Além disso, os países do Leste da Europa também compreendem que a diminuição da tensão nas relações com Moscou satisfaz seus interesses", destacou o dinamarquês.

"Estamos debatendo também a melhora das condições de nosso transito ao Afeganistão pelo território da Rússia e, além disso, queremos fortalecer o Exército afegão com helicópteros russos", acrescentou o secretário-geral.

ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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