Então, é Natal?!

Então, é Natal?

Por Petrónio Souza Gonçalves

Pela longa estrada iam, Maria e José. Atravessaram vales, subiram montanhas, sempre resignados, seguindo o grande chamado. Já noitinha chegada, não encontraram na pequena cidade uma casa para abrigá-los. Maria, a mulher grávida, ainda assim, não despertou nenhuma comoção nas pessoas da localidade. Dormiu, ao lado do marido, ao relento. Ali, sem ter a caridade dos homens, começou o trabalho de parto, assistida apenas pela luz da lua, aquela vem do céu. O recém-nascido, o bem-aventurado, encontrou um mundo de portas fechadas e nasceu comungando com a simplicidade, aceitando os desafios e mistérios de Deus. Era lá para o dia 25 de dezembro de um ano qualquer, há muito anos atrás. Poucos ouviram seu choro, mas era um Rei, da mais fina, pura e divina linhagem. Um Rei inteiro, herdeiro do amor verdadeiro e universal.

Não apenas nasceu, acendeu para a vida, trazendo a chama viva do grande chamado de Deus, o pai que está sempre a olhar pelos filhos. Fruto e semente, em seu coração trazia os sentimentos de outras transcendências, aquelas que nos ligam ao que é superior, ao fogo ordenador do elo perdido, à divindade.

O menino cresceu, e as sementes jogadas no solo fértil do seu coração, cresceram com ele, deram frutos. Ao lado do pai foi carpinteiro, e, assim, desde muito cedo, aprendeu a carpir de dentro dos homens os maus sentimentos, buscando sempre a divindade entalhada, a grande obra. Falava sempre o que sentia, via e vivia. Encantava. Algum tempo depois, amargurado com o deserto que distancia os homens, viu, no deserto da terra, que um pequeno oásis pode salvar a vida de muitos. Voltou para os seus falando de amor, paz, perdão, fraternidade, caridade, entre outras palavras que as pessoas falam sem trazer no peito o lastro da verdade. Era verdadeiro. Inteiro.

Curou muitos dos males da vida e da alma. Ensinou que todos os dias construímos um mundo novo, povoado por sentimentos e bondade. Foi luz quando a escuridão da alma cegava muitos. Ainda assim, foi negado por muitos e ‘condenado’ à eternidade, ao mundo que lhe pertencia desde sempre. Voltou, para rever os seus e dizer que a morte nunca é o fim, é apenas o começo de uma nova vida partilhada, apreendida nas curvas do caminho. Como primeira palavra, sussurrou baixinho aos corações: “Que a paz do Senhor esteja convosco”. Ele trazia nas mãos um raio de sol, de luz, e toda paz encarnada. Depois de reavivar os sentimentos nobres nos homens, para o céu voltou, como um menino, um menino que nasceu à manjedoura, velado pelo boizinho da cara preta, pelo cabritinho pulando a cerca e por Maria mãe de todos. Era o mesmo menino Jesus, o Jesus cristinho, filho de Dona Maria e de Seu José, o carpinteiro de Deus. Coroado foi pelos reis, adorado pelos homens e batizado por Deus. Não era o bastante. Entregue à eternidade, nunca teremos a exata dimensão de sua grandiosidade.

Hoje, em uma grande cidade brasileira, um José e uma Maria, vindo de algum interior qualquer, vão atravessar suas ruas, indo do nada para lugar nenhum. Maria, já noitinha chegada, vai parar, deitar-se debaixo de algum viaduto e começar o trabalho de parto. Cercada pelo frio, pela escuridão e as distâncias urbanas, vai dar luz a um lindo menino, que as casas e os corações fechados pela vastidão dos pecados modernos, não poderão assistir ao grande milagre da vida. Não haverá manjedoura e nenhum bichinho irá lhe visitar. Não terá reis e nem incensos para lhe reverenciar. Não haverá poesia, alegria ou veneração à grande herança de Deus. Só haverá culpa, a culpa da modernidade, aquela que aprisiona os homens em corações menores, que nos rende ao medo que paralisa os braços, que nos prende ao diminutivo mundinho diário, que nos deixa cego para as coisas da alma.

O menino, de nome Jesus, José, Luiz ou Carlos, será abandonado pelos seus semelhantes, viverá num grande deserto de concreto e escuridão. Quando quiser ser aceito pelos seus, será cravado nas linhas da palma da sua alma os pesados pregos da justiça dos homens, aquela que está bem distante da justiça de Deus. E o menino, que quis viver seguindo os ensinamentos dos pais, depois de ridicularizado e açoitado por um mundo que prefere bater que abraçar, será crucificado em plena luz do dia e hasteado para todos verem o que acontece com aqueles que não são apadrinhados pelo grande deus sem milagres. Será enterrado em uma cova rasa, como as palavras de Deus estão em nossas vidas. Estará negado pelos seus, uma vez mais.

E nós, sentindo o prenúncio da hora esperada, brindaremos mais uma vez o mundo que sempre crucifica, em que a mentira frutifica e que não aceita os que vêem além da cortina do mundo táctil normal. Estaremos assim, mais pobres em nós mesmos e, cada vez mais, distantes de Deus-Pai, do espírito que anima o verdadeiro Natal, o nascimento das verdadeiras coisas de Deus...

Petrônio Souza Gonçalves jornalista e escritor

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