Fundamentalmente Católico

Graças ao interminável falecimento papal, a uma breve conversa com o ilustre mestre Leonardo Boff num seminário neste último fim de semana no Hotel Glória e à eleição do Papão Bento XVI, decidi que já era hora de escrever sobre fundamentalismo católico na revista. Pesquisei alguma literatura católica essencialmente fundamentalista e pretendo expor algumas nuances da racionalidade fundamentalista.

A obra pesquisada foi Unidade na Pluralidade de Alfonso Garcia Rubio, ed. Paulus, 2001.

E começa bem: O autor utiliza Auguste Comte como base para discutir antropologia e o desenvolvimento da interpretação sociológica da pós-modernidade. Só para constar, Auguste Comte nasceu em 1798, final do século XVI, algo um tanto longe do que podemos chamar de ‘moderno’, quiçá ‘pós-moderno’. O uso de Comte pode ser até considerado de uma ingenuidade pueril, mas se formos nos ater a uma perspectiva mais plausível talvez percebamos um desejo de facilitar o discurso de demonização do estruturalismo que se seguirá. Afinal, na perspectiva maniqueísta presente nos diversos fundamentalismos, é necessário criar um demônio (pólo negativo) para que se dê razão à existência de um “Deus” (pólo positivo).

Sempre que se deseja falar mal da sociologia, expor algumas incoerências, inverdades e defeitos e ainda assim, dar um verniz (muito do vagabundo) de academicismo, basta citar Comte. Seu evolucionismo, como teoria social interpretativa da realidade social já não é mais considerado com seriedade há uns bons cem anos, tendo sido, inclusive, rechaçado pelo estruturalismo antropológico que Claude Lévi-Strauss adaptou da lingüística de Ferdinand de Saussure.

Em geral o discurso fundamentalista precisa afirmar a necessidade de seus métodos claramente anti-humanistas e intolerantes como solução única contra uma profunda “crise”. É claro que essa “crise”, além da questão de que só se constitui como tal segundo a leitura dos próprios fundamentalistas, nada mais é do que uma identificação do “pólo negativo”, a escusa que dará a formação do discurso e da prática fundamentalista.

Não é de se estranhar então que, segundo o autor do texto, os aspectos principais do que ele denomina “crise da civilização industrial no mundo desenvolvido” são: o “fortíssimo dualismo entre produção e consumo”, o que, nas palavras do autor do texto significa “os interesses dos consumidores (pleiteando preços mais baixos) e produtores (exigindo salários mais altos pelo seu trabalho ou uma maior participação nos lucros obtidos pela produção-distribuição)”, calma, indignado leitor, nós repetimos a frase, ou melhor, a questão (?) levantada pelo autor: O problema (Segundo Alfonso Garcia Rubio) é que os consumidores querem preços mais baixos pelas mercadorias e os produtores querem melhores salários.

Resumindo: A culpa é do povo, dos trabalhadores que não sabem o que querem nesse imenso dilema entre preços baixos X melhorias salariais! Mas esperem um minutinho, não são as mesmas pessoas, o mesmo extrato social? Sim, nós sabemos que são, mas para o discurso fundamentalista católico, que, para minha completa surpresa, se baseia claramente no fundamentalismo neoliberal, a culpa nunca poderá ser das grandes empresas que usurpam a mão-de-obra ou sobrevalorizam preços, a culpa é do consumidor, a culpa é do operário, que “não sabem o que querem”, mesmo quando pleiteiam coerentemente seus direitos ou melhorias em diversas áreas de suas vidas. São esses malditos trabalhadores que se embaralham e estragam tudo, não sabem o que querem!

Fico aqui me perguntando a que grau a demência fundamentalista religiosa e capitalista pode chegar. O autor segue tentando basear sua idéia citando A. Toffler e o significado do dualismo inerente entre os produtores, donos dos meios de produção e exploradores da mão de obra, e os consumidores dos produtos e serviços gerados pelos donos dos meios de produção. Não fosse o resto das construções tendenciosas do texto poderíamos crer que foi um erro interpretativo de Rubio, mas deixemos para analisar no final.

Baseando-se numa leitura positivista do conceito de “progresso”, o autor nos coloca que este já não é mais possível e que deveríamos nos voltar todos para o “pai-mãe” (mais à frente explicarei a utilização desta expressão) único em busca de redenção. Esta impossibilidade do avanço do ‘progresso’, visto necessariamente como um processo destrutivo da natureza, é formada em nome de uma interpretação gerida no séc. XIX (há dois séculos atrás) do que signifique “progresso”. Aceitar que o progresso (sem aspas) signifique a destruição da natureza implica em cair em mais uma armadilha maniqueísta típica dos fundamentalismos, que coloca a preservação da natureza como uma característica de ‘retrocesso’. Logo, se você deseja preservar a natureza, precisa negar tudo o mais que tenha sido criado ou pensado no processo histórico que, dentre outras coisas, levou ao estado de deterioração desta mesma natureza.

Não há matizes, não há diversidade, tudo é universalista e parte de um mesmo processo onde se digladiam “bem” e “mal”, sendo a Igreja Católica Apostólica Romana o “bem”, mas isso veremos com maior ênfase em outras partes do discurso. Mas se aceitarmos que há uma interpretação datada do que se diga sobre “progresso” (com aspas) em nome do discurso dos detentores de poder para a arquitetura de um processo de manutenção desse mesmo poder, podemos criar novas perspectivas do que realmente signifique progresso (sem aspas) para todos e não para uma parcela cada vez menor de abastados. A essa perspectiva se une o fracasso do projeto de “desenvolvimento” galgado na energia não-sustentável: carvão, petróleo e cia., que vem não apenas contribuindo para a poluição e piora das condições mundiais de vida, como para o aumento em crescimento exponencial, do abismo que separa os ricos – como por exemplo os detentores dos meios de produção de energia, como os executivos da Exxon-Mobil e demais multinacionais energéticas – e os pobres.

O autor nos coloca que “experimenta-se agudamente a violenta contradição entre os belos valores proclamados pelo humanismo moderno e as contradições humanas de vida impostas à maioria das populações do mundo”, quando não é necessário recorrer a Noam Chomsky ou Michel Foucault para compreender a utilização do discurso midiático para a obtenção e a manutenção do poder mediante a manipulação clara da opinião pública. Basta voltarmos a Marx em seu “18 Brumário” ou na “Ideologia Alem㔠para compreendermos o quanto esses discursos têm de falsos e o quanto correspondem a interesses fortemente setorizados, à exemplo da ‘Declaração universal dos direitos do Homem’, no contexto da sociedade capitalista, que pressupõe como ‘homem’ o ‘cidadão proprietário’, não o cidadão produtor.

Acerca do “anti-humanismo estruturalista” (?)

Durante o texto o autor afirma que toda a forma de estruturalismo é anti-humanista. Como já foi colocado anteriormente é necessário criar um problema antes de vender uma solução, uma doença antes de criarmos a vacina ou um demônio para que criemos um deus. O “anti-humanismo estruturalista” é uma corrente de pensamento criada ou imaginada pela interpretação que Rubio deu para o conceito e a utilização do estruturalismo por diversas correntes científicas.

A interpretação do autor, galgada numa concepção unilateral e universalista do conceito de estruturalismo, expressa na sétima linha do primeiro parágrafo da página 40 “designa-se mais freqüentemente por estruturalismo ‘um movimento cultural que considera todas as manifestações da vida humana – linguagem, modos de pensar, conduta moral, comportamento político, social, religioso; arte, filosofia, direito, literatura etc. – como expressões de uma estrutura inconsciente pré-reflexiva e coletiva, que pode ser descrita e estudada segundo métodos rigorosamente científicos" dirige a percepção do leitor contra tais perspectivas metodológicas sem aprofundar-se no tema e sem o devido cuidado com o termo ‘coletivo’.

Referindo-se às interpretações dicionarizadas expostas acerca do estruturalismo [colocar hipertxto] facilmente percebe-se que o universalismo, à guisa de já não ter mais espaço depois da explosão da segunda Guerra Mundial gerada, entre outros, pelo universalismo filosófico nazista, não consta na teoria estruturalista. As estruturas procuradas na metodologia estruturalista nada mais são que estruturas específicas inerentes a determinadas sociedades e não estruturas universais aplicáveis a todas as sociedades. Ademais, na última frase do último parágrafo da mesma página 40 encontra-se o medo que estrutura o discurso do autor: “Ora, se de acordo com alguns expoentes [O autor não explicita quais expoentes, pois seria complicado enquadrar esse autor no rótulo de ‘anti-humanista’, mas posso adiantar ao leitor interessado: Ferdinand de Saussurre] do anti-humanismo estruturalista, a palavra não é ‘portadora de sentido’, se o ser humano não é ‘intencionalmente significante’ nem a história pode ser entendida como ‘história das liberdades humanas’, fica solapado o fundamento mesmo da fé cristã, ‘a própria possibilidade mesma de uma revelação’, ‘o próprio exercício da f钔.

Para dar plausibilidade para seus argumentos o autor incorre no erro crasso de confundir a palavra, signo lingüístico, com a Palavra, dogma metafísico religioso que pode-se compreender mesmo na leitura da tradição bíblica: “o Antigo Testamento conhecia o tema da Palavra de Deus e o da Sabedoria, que existia antes do mundo, em Deus; pela qual tudo foi criado; enviada à terra para aí revelar todos os segredos da vontade divina; retornando a Deus com a missão terminada. Do mesmo modo para São João, o Verbo (A palavra) estava em Deus; preexistente à criação; ele veio ao mundo, enviado pelo Pai, para desempenhar uma missão: transmitir ao mundo uma mensagem de saudação; terminada a sua missão ele retorna ao Pai. Cabia ao Novo Testamento e particularmente a João, graças ao fato da Encarnação, destacar claramente o caráter pessoal desta Palavra (Sabedoria), subsistente e eterna. Bíblia, João, 1, 1 [encontrar-se-hão nesta nota todas as referências aos textos bíblicos nos quais se apóia esta síntese], o autor ignora a dimensão do que se compreende por Palavra na leitura bíblica e a confunde com uma reles palavra, signo lingüístico, afim de embasar uma atitude pré-conceituosa (não apenas gerada por um conceito pré-estabelecido, mas anterior ao conhecimento do próprio conceito de estruturalismo e da ‘Palavra’ bíblica), onde veria o estruturalismo através de uma lente materialista na qual “Os outros discursos sobre o ser humano não passariam do nível da linguagem retórica”. Para tanto o autor realiza uma ‘inquisição’ onde procura expor os pensamentos ‘heréticos’ perante a bandeira (que parece tomar para si) do humanismo. Seguindo a linha de lingüistas – que parecem ser tomados a exemplo dos ‘expoentes’ do anti-humanismo 9expresão do autor) – Rubio vai à fonte e começa por criticar Ludwig Wittgenstein e as bases do funcionalismo, ligando-a a uma dessacralização do conceito de funcionalidade, onde a fé, para o autor, não pode ser funcional. Sendo talvez inútil?

Segundo o autor, “na pesquisa sobre o ser humano [depois da introdução do estruturalismo] o que é focalizado é a sua funcionalidade, sendo deixadas de lado, como irrelevantes e sem sentido, as perguntas sobre o que e sobre quem é ele”. Obviamente que a partir da interpretação estruturalista não se deixa de lado a questão sobre o que ou sobre quem o ser humano é, mas à pergunta é acrescentado uma especificação determinante: quem ou o que o ser humano é em relação a.... É claro que a pergunta pode ser completada com a palavra ‘Deus’, assim como pode ser completada com a palavra ‘tolerância’, mas isso seria impensável para este tipo de discurso.

A crítica que Rúbio realiza ao anti-humanismo estruturalista, baseada na visão que expõe acerca do estruturalismo, leva o leitor a crer que o estruturalismo levou a um materialismo superficial todas as demais ciências humanas, que teriam sido ‘infectadas’ por sua perspectiva “dessacralizadora e anti-religiosa”, características essas que seriam naturalmente inerentes ao método estruturalista. Basicamente o estruturalismo é ‘coisa do Demo’ e não se fala mais nisso. Aí eu tive que ir nos dicionários que poderiam conter referências a tal “corrente de pensamento”, mas, para a “surpresa geral”, não travei contato com nenhuma referência a uma corrente de pensamento que se intitule “anti-humanismo estruturalista”. Como ela pudesse não estar assim exposta, fui à História do Pensamento Ocidental, de Bertrand Russell, e... nada feito. De qualquer forma, a crítica estabelecida no livro sugere que essa ‘corrente de pensamento’ incita ao contestamento do humanismo em todas as áreas das ciências humanas, retirando o crédito a qualquer discurso teológico ou fundamentalmente metafísico.

A Sensibilidade Pós-Moderna.

Para o autor a sensibilidade pós-moderna desenvolve-se a partir de “uma visão pessimista e diminuída do ser humano”. Onde “Os poderosos sistemas filosóficos do passado que têm alicerçado fortes ideologias de dominação cedem o lugar a um tipo de pensamento ‘débil’, inseguro, aproximativo, conjetural e tolerante com outros tipos de pensamento também contingentes e aproximativos”. Sim, caro consciente.net, o autor tem um certo saudosismo dos “sistemas filosóficos do passado que tem alicerçado fortes ideologias de dominação”, e expõe um certo asco, um certo nojo deste pensamento relativista que ele considera “débil, inseguro, aproximativo, conjetural e tolerante com outros tipos de pensamento também contingentes e aproximativos”. Moral da história: esse papo de tolerância é frescura, segundo Rúbio o que vale é a velha conhecida dominação e exclusão dos diferentes.

Mas não vamos deixar essa frase sair assim, quase ilesa, ela ainda pode nos dar mais! Quando o autor refere-se a um “pensamento ‘débil’, inseguro, aproximativo, conjetural e tolerante com outros tipos de pensamento também contingentes e aproximativos” ele o está colocando em relação de oposição ao pensamento católico ortodoxo fundamentalista (não ao pensamento teológico em si, pois este admite e aceita a diversidade interpretativa e mesmo se alimenta da diversidade da concepção do theos grego), sendo, segundo o autor, este pensamento dotado de força (contra a debilidade), segurança (contra a insegurança), essencialidade ou totalidade (contra o aproximativo), universalidade e eternidade (contra o conjetural) e intolerância (contra a tolerância) para com outros tipos de pensamento também contingentes e aproximativos.

Esse tipo de discurso remete a uma masculinização do discurso presente tanto nos estudos Freudianos da dominação pela sexualidade, quanto nos estudos de Nietzsche sobre a possibilidade hierárquica da existência de um Übermensch (super-homem, ou über: ‘acima’ mensch: ‘humanidade’, ‘aquele que está acima dos homens’), e foram discursos que possibilitaram a deflagração da segunda Guerra Mundial e baseiam os ataques terroristas de Bush ao Afeganistão e ao Iraque, portanto devem ser tratados com muito cuidado. Quando o autor nos diz que a sensibilidade pós-moderna é ‘débil’ por aceitar a diferença, a diversidade de discursos e de possibilidades, remete a uma força do pensamento único que está tanto presente no dogma quanto na maioria dos discursos de dominação, como visto em Michel Foucault em As Palavras e as Coisas, na sua obra Arqueologia do Saber e também na sua Microfísica do Poder. Quando o autor nos coloca que a sensibilidade pós-moderna contenta-se “de verdades parciais e provisórias, deixando de tentar por as perguntas radicais sobre o sentido e o fundamento último da vida humana, pessoal e social.” ele está criticando uma fuga da utopia universalista e das soluções fáceis em invólucros que mascaram uma dominação ideológica, como as soluções criadas pela grande mídia e pelas facções fundamentalistas das grandes correntes religiosas.

Segundo o autor a ciência moderna é posta em xeque (o que de fato ocorre) “acusada de forte reducionismo, dado seu caráter mecanicista e unilateralmente objetivista”, mas atendo-se ao relativismo moderno e à Teoria do Caos, sem contar a filosofia da diferença de Gilles Deleuze, vemos uma ciência, e uma filosofia, modernas, multilaterais e subjetivistas, em nada incorrendo em qualquer espécie de reducionismo ou mecanicismo. Com relação às fugas em massa dos discursos religiosos ocidentais para os discursos orientais o autor as caracteriza como ausência de coerência e maturidade por parte dos fiéis, nos mostrando que a única atitude coerente e madura seria aceitar o discurso católico ortodoxo sem qualquer crivo. Infelizmente, para o autor, os discursos que diferem da sua religião parecem ser “anti-racionais” como ele mesmo coloca na página 46.

É necessário sempre empurrar o chão se você deseja tentar tocar o céu. Dessa forma o autor refere-se – como metáfora ao campo religioso – à acentuada desconfiança diante dos compromissos sociais e políticos (dentre eles os discursos religiosos de poder), que gera uma atitude de indiferença quanto andamento dessas determinadas questões, além do forte abalo na crença sobre estas instituições. Sem chegar a conclusão alguma, demonstrando mais uma das técnicas do discurso fundamentalista – expor o óbvio apenas para iniciar com o receptor do discurso uma relação de cumplicidade – o autor passa a comentar acerca dos excluídos gerados como excedentes do processo produtivo, vidas humanas descartáveis na medida em que não constituem uma parcela consumidora da população, assim como os idosos que, não constituindo um forte mercado consumidor, estão agora sendo diretamente atacados pelo lobby das empresas multinacionais que forçam para o fim da seguridade social pública.

A reação holística.

Um subtexto da referida obra intitula-se “A reação holística” que, para o autor, caracterizaria-se por uma perspectiva científica que vê a realidade toda de maneira integrada e holística, tendo retirado suas raízes da física quântica e não ‘nova física’ como denomina o autor, donde advém tanto a teoria da Relatividade quanto a teoria do Caos. Ao defender, claramente inspirado numa leitura rasteira do primeiro capítulo de O Ponto de Mutação de Fritjof Capra, as teorias provenientes da física quântica, o autor não percebe que está defendendo exatamente o mesmo discurso do estruturalismo, como podemos ver comparando as definições de estruturalismo e esta citação sobre o estudo das partículas sub-atômicas retirada do texto: “o estudo das partículas sub-atômicas tem mostrado que não existem elementos fundamentais isolados, mas uma rede extremamente complexa de relações e interconexões, não constituindo as partículas [lembra-se da ‘palavra’, signo lingüístico?] objetos ou coisas independentes, mas um conjunto de conexões” onde se relacionam “ambas em termos de complementaridade e não de oposição”, ou seja, uma complementa o sentido da outra, tornando ambas melhor definíveis.

O autor então recai sobre Einstein e sua máxima de que não existe a neutralidade científica, “pois a consciência humana interfere no processo de observação”. Para o autor, contra a visão fragmentada e atomizada do ser humano na ciência moderna, “este passa a ser considerado de maneira integrada, sendo superados os dualismos entre mente e corpo...”, mas o autor não percebe que o Behaviorismo criticado por ele mesmo no início do texto chega à mesma conclusão, logo essa característica da reação holística não é necessariamente nova, ou, ao menos, não pertence somente ao que ele possa denominar como “reação holística”. Seguindo a obra de Fritjof Capra, o autor prega o desenvolvimento do aspecto yin (que poderia ser compreendido como um aspecto mais feminino) da personalidade pós-moderna, onde se valorizam a intuição, “a colaboração, a integração, a cooperação, a atitude acolhedora e receptiva, a perspectiva sintética, a consciência ecológica.” Segundo o autor, já distanciando-se de Capra, o universo tende a ser visto como um “todo fortemente unitário, como uma vibração energética e como um organismo vivente onde as diferenças tendem a desaparecer.”

Quando se fala no desaparecimento das diferenças incorre-se novamente no discurso universalista, que não aceita críticas assim como não aceita as diferenças e a existência da diversidade, características que o deixam próximo ao discurso nazista. Essa espécie de discurso preconceituoso para com a diversidade presente também na afirmação acerca da forma com que Deus é representado na concepção holística “Tratar-se-ia de Todo (sic) oceânico no qual o ser humano é chamado a megulhar, superando finalmente todas as diferenças e todas as divisões.” é de um extremo desrespeito para com a possibilidade da diferença, digno de jogarmos fora toda a obra de Gilles Deleuze.

O autor que cita Auguste Comte para referir-se a antropologia pós-moderna decide então caracterizar as “conseqüências antropológicas” da tal “crise”. Essas conseqüências antropológicas (tratando-se de um ponto inspirado na obra do sociólogo espanhol Manuel Castells, poderíamos, com maior assertividade chamar tais conseqüências de sociológicas) da nova economia e da nova sociedade informacional e global estão galgadas na leitura que Manuel Castells realiza da sociedade pós-moderna em seu best-seller A Sociedade em Rede (prefaciada por nosso ex-presidente FHC, que entregou boa parte do Brasil aos seus patrões multinacionais e salvou diversos bancos privados com o dinheiro público do PROER), segundo esse livro “o progresso admirável desenvolvido nas décadas de 50-60 (...) continua em ritmo acelerado neste início de século/milênio, apesar das décadas de crise.”

Seria interessante ressaltar a quem este progresso se destina, antes de mergulharmos de cabeça nesta anedota. De qualquer forma, na nova sociedade informacional, “pessoas, grupos e atividades consideradas importantes em termos de poder e de riqueza estão ligados e organizados em redes, de maneira global. Simultaneamente se dá um processo que visa excluir ou desconectar dessas redes, pessoas, regiões e até continentes que não interessam para o mercado globalizado” [sobre essa questão vários problemas já foram enfrentados pelos editores da revista eletrônica www.consciencia.net que já foi retirada do ar algumas vezes por militar contra a ideologia do pensamento único veiculada pela grande mídia e contra o terrorismo petrolífero internacional financiado com o capital estatal estadunidense].

Segundo a visão do autor, essa nova “questão social” entra em conflito com o que ele chama de ‘antropologia crist㒠– eis que então se manifesta “a verdade” do discurso fundamentalista, uma hora ela tem de aparecer - , pois esta visão da sociedade pós-moderna possui uma visão instrumentalizada do homem, reduzido-o à função mercadológica de consumidor em potencial, imerso num ambiente de perpétua competição onde o homem deixa de lado valores como a solidariedade e as demais perspectivas holísticas expressas anteriormente, predominando os valores do “individualismo associal”, onde o homem está condicionado à procura da própria satisfação no lucro e no prazer cada vez maior. De acordo com o autor, segundo o racionalismo tecnocrático, o mercado tem leis que “devem ser obedecidas rigorosamente se se quer participar da economia globalizada” onde “A desobediência significa a exclusão”, mais ou menos como funciona o discurso fundamentalista.

Os impossibilitados de consumir são deixados à margem, como exposto anteriormente à respeito da questão dos aposentados, forçados a entrar na jaula (ou no ‘clube seleto’) da seguridade social privada se desejarem sobreviver, já que, em princípio, eles consomem muito menos do que ‘deveriam’. Desenvolve-se, também, uma cultura internacional, que tende a integrar as expressões da diversidade cultural como elementos folclóricos. A esse respeito há uma aceleração constante de um movimento centrípeta (em direção ao centro) em que diversas culturas tem se distanciado do contato com essa ‘cultura internacional’ em busca de uma raiz de sua própria cultura, muito disso gera as nossas questões ‘fundamentalistas’ atuais, tanto orientais, quanto ocidentais.

A partir dessa análise preliminar de uma obra fundamentalista católica fica evidente o quanto o discurso fundamentalista se baseia em premissas e silogismos débeis, num raciocínio que se perde num continuum cíclico de argumentos infantilizados, maniqueístas e pobres. Já se esmiúça o que devemos e podemos esperar do Papão Maledeto XVI.

_____________________________ Renato Kress, escritor e autor do livro ‘Consciência’, editado pela Garamond, Rio de Janeiro, 2000, sobre as conseqüências da adoção de políticas neoliberais nos países de terceiro mundo. Editor-chefe da revista eletrônica Consciência.Ner - www.consciencia.net

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