AVARENTOS X PERDULÁRIOS

No início do governo de Juscelino Kubitschek em Minas, houve um incidente com a Associação Médica de Minas Gerais, do qual resultou seu pedido de renúncia de membro da entidade junto com Clovis Salgado.

O episódio está descrito no excelente livro "Juscelino Kubitschek, o médico" de Fernando Araújo. Pouco antes de deixar a Presidência da República, JK recebeu dos médicos de Belo Horizonte comovedora homenagem. Discursando em agradecimento, Juscelino disse que governou o Brasil como se fosse um médico diante do doente, sem indagar se o paciente tinha dinheiro para a consulta ou para pagar os medicamentos receitados, vale dizer, expressou em palavras apropriadas a filosofia desenvolvimentista de seu governo, responsável pelos altos índices de crescimento e também o aumento das taxas inflacionárias.

Durante largo tempo o Brasil debateu as teses dos desenvolvimentistas, confrontando-as com os que defendiam extremo rigor nos gastos públicos, única maneira de efetuar combate à inflação persistente. Até hoje a discussão prossegue, sem prevalência desta ou daquela doutrina, não obstante estarem os monetaristas aparentemente vitoriosos com a sustentação por mais de dez anos de rígida política de combate à inflação. Os dardos lançados contra o Ministro Palocci pela titular da Casa Civil do Presidente Lula fazem lembrar as mesmas flechas disparadas contra Roberto Campos e Eugênio Gudin, os principais corifeus do arrocho orçamentário como remédio heróico contra a inflação.

Quando vivia a euforia inflacionária, apelidada de desenvolvimentista, em cuja esteira tantos males foram praticados especialmente contra os pobres, cujos reduzidos salários eram devorados impiedosamente pela fera inflacionária, o Brasil se assemelhava a um indivíduo alcoólatra submetido a tratamento especializado para superar o domínio que sobre ele exercia a bebida.

Quando era suspensa a dose a que o organismo se acostumara, o indivíduo sentia tremores, convulsões, entrava em depressão, era urgente o restabelecimento da dosagem capaz de fazê-lo retornar à estranha normalidade e euforia. As convulsões de que padece o país neste momento, corrupção à parte, derivadas da dosagem excessiva de Palocci no controle dos gastos públicos e dos tremores provocados pela supressão da gastança inflacionária, significam não termos ainda superado em definitivo a saudade dos tempos de Kubitschek, quando as taxas de crescimento da economia geravam novos postos de trabalho e os efeitos da inflação devoravam os parcos salários.

Há que gastar mais, diz a Ministra com discretos aplausos do Presidente. Palocci retruca com o aumento da severidade dos controles inflacionários, representados pelo maior rigor nos gastos orçamentários. Com quem está a razão, pergunta o povo, desejoso de ver surgirem empregos que lhe permita prover o mínimo de sua sobrevivência. Acena o governo com o aumento dos gastos sociais, no programa chamado Bolsa-Família submetido a uma plástica para diferenciá-lo da bolsa-escola do governo Fernando Henrique, um tremendo equívoco apesar dos esforços do Ministro Patrus Ananias para convencer a opinião pública do contrário, aplicando-lhe uma bela frase de que os pobres não merecem que seus benefícios sejam tratados como moeda eleitoral.

Ao conceder aos pobres 65 reais por mês, equivalente a uma cesta básica com produtos mínimos, o governo faz apenas estratificar a miséria na base, quando o melhor remédio seria aplicar os vastos recursos disponíveis na criação de empregos duradouros, isto sim, o verdadeiro programa de erradicação da pobreza.

Quem a recebe não se dá ao esforço de procurar uma chance de trabalhar, até porque não existem investimentos reprodutivos capazes de minorar esta situação dramática. A disputa entre avarentos e perdulários está empatada. A derrota é apenas do povo brasileiro, cada vez mais pobre e maltratado.

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Author`s name Pravda.Ru Jornal
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