Putin e Bush terão uma tarefa difícil em Moscovo

O Presidente Bush deslocar-se-á em Maio próximo a Moscovo para participar nas comemorações do 60.º aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial. As visitas deste tipo não pressupõem habitualmente uma agenda de trabalho carregada, pois para ela não resta simplesmente tempo. No entanto, a julgar pelos sérios preparativos levados a cabo pela secretária de Estado dos EUA, Condoleeza Rice, durante a sua recente viagem a Moscovo, o programa de trabalho de Bush na capital russa será não menor do que o comemorativo.

O número de temas que exigem atenção por parte dos líderes dos dois países aumenta cada vez mais, o que não seria mau por si só se não fosse uma circunstância: em muitos deles crescem a tensão, a desconfiança e a incompreensão mútuas entre os dois países. Os problemas que serão discutidos com certeza em Moscovo são considerados pelas partes como os mais prementes.

O problema da não-proliferação de armas nucleares e de materiais físseis.

Este problema não é novo, mas actualmente os EUA estão preocupados com os seus dois aspectos práticos, ou seja, o programa nuclear do Irão e a garantia da segurança e do controlo nas instalações nucleares da Rússia. Tanto Moscovo como Washington manifestam-se categoricamente contra a obtenção de armas nucleares pelo Irão e contra a sua transformação em potência nuclear. Nestes aspecto, os seus interesses coincidem. As divergências consistem na escolha dos meios mais adequados para a consecução deste resultado. Os EUA deram a entender mais de uma vez que em caso de necessidade estão prontos para usar a força a fim de impedir a realização do programa nuclear militar do Irão. A Rússia, porém, segue uma estratégia diferente. Um dia antes da visita da secretária de Estado dos EUA, esteve em Moscovo Hussein Musavian, vice-secretário do Conselho de Segurança Nacional do Irão. Nas conversações Moscovo tinha por objectivo conseguir que o Irão garantisse a não violação da sua moratória de enriquecimento de urânio e a assinatura do acordo sobre a devolução à Rússia do combustível nuclear usado no reactor da Central Nuclear de Busher. É que o combustível usado pode servir de matéria-prima para a produção de plutónio destinado às armas nucleares.

No entanto, apesar de toda a desconfiança dos EUA pela possibilidade de solução política do problema do programa nuclear do Irão, foi a primeira vez nos últimos 25 anos que o Congresso dos EUA anunciou a sua intenção de destinar 3 milhões de dólares para apoio à democracia no Irão. Ao mesmo tempo, Washington não renuncia a uma possível acção militar. Há algumas semanas, o secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, visitou em dois dias o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão, a Quirguízia e o Azerbaijão, ou seja, fez de facto um voo em torno do Irão procurando a melhor cabeça de ponte para uma acção militar contra este país.

A segurança do sector nuclear russo não é igualmente um problema novo para as conversações russo-americanas. Durante a cimeira em Bratislava foi assinada a "Declaração Conjunta sobre a Cooperação nas Questões da Segurança no Domínio nuclear". O objectivo é uma melhor inventariação e controlo dos materiais físseis militares e componentes de armas nucleares. Na União Soviética este problema era resolvido não tanto pelos meios técnicos quanto pelos critérios muito rigorosos usados na escolha do pessoal que trabalhava com as armas nucleares e seus componentes. Com a modificação da situação económica e o surgimento de redes terroristas transnacionais, que procuram adquirir armas nucleares, a necessidade de modernos meios técnicos de protecção e controlo tornou-se imperativa na Rússia. É do interesse dos EUA fornecer estes meios e ajudar a garantir a conservação dos materiais, que não devem cair de modo algum nas mãos dos terroristas.

Mas no caso da declaração assinada em Bratislava ocorreu uma história curiosa. A variante russa do texto divulgada no "site" do Kremlin continha um parágrafo onde se dizia que já este ano os inspectores americanos obteriam o acesso às instalações do sector nuclear russo. No dia seguinte o texto foi substituído e na imprensa foi publicado que devido a uma falha ocorrida no computador fora apresentada ao público a variante intermediária e não coordenada do documento, e que não se previam quaisquer inspecções americanas às instalações nucleares russas.

No entanto, durante a visita da secretária de Estado dos EUA a Moscovo, Condollezza Rice declarou no dia seguinte ao seu jantar com o ministro da Defesa, Serguei Ivanov: "Conseguimos um melhoramento no que concerne ao nosso acesso a estas instalações, mas ainda resta algum trabalho a fazer". O trabalho estará destinado, provavelmente, aos Presidentes. Tudo isto testemunha que o problema das visitas dos inspectores americanos às instalações nucleares russas foi e continuará a ser discutido. Simplesmente a administração de Putin não gostaria de atrair uma atenção excessiva dos grupos políticos radicais russos. Ora, eles já acusaram o Presidente de traição dos interesses nacionais, de perda da soberania da Rússia e de entrega do controlo do sector nuclear russo aos americanos.

Estas acusações são absolutamente infundadas e pouco profissionais. Ninguém convida os americanos para o centro de comando das tropas de mísseis estratégicos nem tenciona dar-lhes acesso aos sistemas de direcção das armas nucleares. As inspecções podem ser plenamente organizadas de modo a evitar também os mais sensíveis sectores da produção de armas nucleares, embora os EUA não necessitem destes segredos. Eles sabem fazer armas nucleares tão bem como a Rússia. Mas a sua ajuda na garantia da protecção destas armas pode ser preciosa.

Espaço pós-soviético: intensificação das tendências autoritárias na Rússia, "revoluções de veludo" e suas consequências.

Os Presidentes terão de elaborar um "código de conduta" no espaço pós-soviético. A Rússia encara de maneira extremamente dolorosa as acções dos EUA, que levam a que o país perca as suas tradicionais zonas de interesse. Durante a sua visita a Moscovo a secretária de Estado dos Estados Unidos salientou por todos os meios que a política americana não tem por objectivo ferir os interesses da Rússia. "Não consideramos isso como um jogo em que alguém perde - declarou Condoleezza Rice - mas sim como um jogo em que todos têm a possibilidade de vencer graças à criação de países prósperos e economicamente desenvolvidos junto às fronteiras da Rússia". A verdade é que por enquanto a Geórgia, a Ucrânia e, muito menos a Quirguízia não são prósperas nem economicamente desenvolvidas e já surgiu toda uma série de problemas nas relações com os primeiros dois países. Em geral, o desejo messiânico de "implantar" por toda a parte o modelo americano de sociedade democrática prega às vezes partidas aos próprios EUA. Não falemos sobre a sua actual situação no Iraque. Só notemos que os Estados Unidos, fieis à sua ideia, ajudaram a oposição democrática na Quirguízia. Mas é pouco provável que esperassem os saques e pilhagens em que resultou a "revolução democrática". Felizmente, por enquanto conseguiu-se deter estas acções incontroláveis. Mas a oposição quirguize continua a ser fragmentada e fraca. Além disso, as suas aspirações às transformações democráticas chocam com a especificidade regional, a confrontação entre os clãs e as divergências étnicas.

Tencionando ajudar a oposição democrática e não compreendendo as particularidades regionais do país, os EUA contribuíram objectivamente também para o fortalecimento das posições dos islamistas radicais. É pouco provável que isso corresponda aos seus interesses. Portanto, no espaço pós-soviético Washington e Moscovo devem conjugar e coordenar as suas acções, guiando-se pelo princípio formulado pela própria senhora Rice: "Todos nós desejamos ver uma Rússia democrática, enérgica e próspera. É este o nosso interesse comum. As nossas relações com a Rússia têm enormes potencialidades.

Aleksandr Konovalov Presidente do Instituto de Análise Estratégica RIA "Novosti"

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