ORÇAMENTO DE 2006: LUTA ENTRE "AÇAMBARCADORES" E "DISSIPADORES"

De acordo com o documento apresentado pelo Governo, no próximo ano as principais receitas do Estado totalizarão um montante recorde de 5,076 trilhões de rublos (cerca de 180 biliões de dólares) e as despesas 4,27 trilhões de rublos (150 biliões de dólares).

É de notar que de acordo com os cálculos do Governo, na Rússia 1 dólar custará, no máximo, 28,6 rublos. Portanto, o Estado porá no seu "mealheiro", para o que der e vier, 776 biliões de rublos (cerca de 27 biliões de dólares) se, como é natural, isso for permitido pela conjuntura mundial, antes de mais nada, pela situação no mercado petrolífero.

O projecto de orçamento foi aprovado na generalidade graças apenas à votação unânime do partido Rússia Unida, força que controla a Duma de Estado. Como sempre, os comunistas recusaram-se a apoiar o orçamento sob o pretexto de que nele "não há nenhum desenvolvimento". Vladimir Jirinovski, líder do Partido Liberal Democrata obrigou também os seus companheiros de luta a votar contra, pois, na sua opinião, as verbas destinadas à criação de novos postos de trabalho são pequenas. As duas fracções do bloco Pátria aderiram também. Mesmo assim, os votos contra não foram suficientes para bloquear o projecto de orçamento.

O paradoxo da maratona orçamental, que se iniciou na Duma de Estado, consiste em que nesta câmara não há nenhum deputado que se manifeste contra o aumento das despesas, antes de tudo, com finalidades sociais. Deste modo, é talvez pela primeira vez na prática orçamental do país que se verificou uma unanimidade entre os deputados dos diversos grupos parlamentares e a maior parte dos senadores na câmara alta do Parlamento relativamente à "prodigalidade" (sensata ou impensada, esta já é outra questão e objecto de ulteriores discussões) das opções orçamentais. Do outro lado da barreira estão os chamados "açambarcadores", "acumuladores", na pessoa dos ministros das pastas económicas e de muitos economistas conhecidos, que opõem forte resistência a esta linha, considerada por eles como "despesista". Os pontos de vista destas duas forças são diametralmente opostos.

Segundo os ministros das pastas económicas, o Estado não deve apoiar directamente com o seu dinheiro a economia real, pois isso viola os princípios da economia liberal e pode acarretar consequências irreparáveis. O Governo colocou a tarefa estratégica de conseguir a plena convertibilidade do rublo até 2007. Para a sua realização é necessário reduzir o nível de inflação para dois ou três por cento ao ano. Além disso, como têm procurado provar os ministros, até agora os programas públicos de investimento têm proporcionado, via de regra, baixo rendimento, sendo com frequência projectos puramente lobistas.

No entanto, os deputados propuseram uma lógica diferente, dizendo que é impossível explicar à população por que razão, quando se verifica um enorme afluxo de petrodólares e existe um gigantesco Fundo de Estabilização, as pessoas não sentem um melhoramento visível do seu nível de vida. Durante a discussão prévia do projecto de orçamento, os deputados citaram o seguinte exemplo aos ministros. Desde 1 de Setembro na Rússia o salário mínimo aumentou para 800 rublos, ou seja, para 26 rublos por dia (menos de um dólar)! É possível alguém sobreviver hoje com este dinheiro? Contrariamente aos responsáveis do Governo, os deputados, inclusive da bancada da Rússia Unida, desejam a sua reeleição em 2007. Por isso, a sua lealdade ao poder executivo tem os seus limites. Em resultado deste "regateio", os ministros tiveram de concordar que hoje em dia na Rússia já não podem ser aplicados os princípios com que foram formados os orçamentos de contenção da inflação e de superação das consequências da insolvabilidade de 1998.

O Presidente Vladimir Putin apoiou o ponto de vista dos deputados e a 5 de Setembro apresentou o plano de financiamento inadiável dos projectos nacionais prioritários no domínio da saúde, educação, ciência e sector habitacional. O Governo recebeu a indicação de elaborar até ao fim de Setembro os planos faseados de realização destas tarefas. Além disso, como informou o ministro das Finanças, Aleksei Kudrin, consideráveis recursos serão dirigidos à construção de centenas de novas empresas, inclusive com produções altamente tecnológicas.

A verdade é que Kudrin defendeu persistentemente o ponto de vista de que o Fundo de Estabilização deve continuar intacto, pois de outra maneira não se conseguirá conter a inflação. Aproximadamente no mesmo sentido manifestam-se também os peritos do Fundo Monetário Internacional. Na previsão semestral de desenvolvimento da economia mundial, divulgada ontem, refere-se que "o Governo da Rússia não conseguirá manter-se dentro dos índices planeados de inflação por violar a disciplina orçamental, permitindo o crescimento demasiado rápido das despesas públicas".

É difícil dizer quem está mais próximo dos interesses nacionais da Rússia: os que se pronunciam pelo aumento das reservas financeiras nacionais ou os que propõem gastar hoje uma parte da riqueza acumulada? Caracterizando estes dois tipos de comportamento, o escritor russo Gogol recordava a história do Império Romano. "Uma parte dos romanos era composta por dissipadores, a outra por sovinas". Não devemos permitir que a Rússia de hoje caia neste ou naquele extremo.

Vassili Kononenko observador político RIA "Novosti"

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