COMENTÁRIO - BUSH E CHIRAC: AS DUAS MANEIRAS DE VER O MUNDO

Os estadistas abordaram nas suas intervenções praticamente os mesmos temas, mas através de prismas diametralmente opostos.

O Presidente norte-americano apelou à comunidade internacional para que redobre os esforços na luta contra o terrorismo, a proliferação das armas de extermínio em massa (AEM), a SIDA, e assim por diante. O Presidente francês acentuou a necessidade imperativa de salvar a ONU, salvar o sistema mundial multipolar. O combate ao terrorismo, a problemática da não-proliferação, os conflitos regionais podem e devem ser aquelas áreas em que irá reforçar-se o sistema mundial multipolar, "subvertido pela guerra sem consentimento do Conselho de Segurança da ONU".

Esta frase foi como uma picada a George Bush. Ao discursar antes de Jacques Chirac, o estadista norte-americano discorreu sobre as acções da coligação anglo-americana que, com a guerra no Iraque, salvou a reputação das Nações Unidas. A comunidade mundial foi testemunha dos sofrimentos do povo iraquiano sob o regime tirânico de Saddam Hussein, das suas tentativas de criar armas de extermínio em massa. Todo o mundo o via, mas nada fazia, ao passo que os EUA e os seus aliados agiram com decisão e determinação.

Contudo, a França, e com ela a maior parte dos países, ficaram com a sua opinião a este respeito. "No mundo contemporâneo ninguém vive isolado e ninguém tem o direito de agir sozinho, em nome de todos", lançou a sua réplica o Presidente francês.

Uma boa parte do seu discurso foi dedicada à reforma das Nações Unidas, sendo constatada a necessidade de reforçar e devolver o prestígio à Assembleia Geral, de alterar a composição dos membros permanentes do Conselho de Segurança, etc. A reconstrução do Afeganistão e do Iraque, a solução da crise no Médio Oriente, a solução do problema da Coreia do Norte, a situação em torno do Irão dão à ONU uma possibilidade de provar as suas capacidades. E é necessário fazê-lo, concluiu o estadista francês.

Entretanto, o Presidente dos EUA acentuou na sua intervenção a luta contra o terrorismo. Esta batalha começou para os Estados Unidos a 11 de Setembro de 2001, depois dos atentados terroristas em Nova Iorque e Washington. Foi justamente a perseguição dos terroristas que levou os americanos primeiro ao Afeganistão e depois ao Iraque. Foi precisamente esta luta que fez aproximar os americanos de outros povos que já conheciam a essência do terrorismo. A batalha está em auge e continua. O Afeganistão e o Iraque devem tornar-se exemplo de países resgatados das garras da tirania e dos terroristas, da edificação da democracia, da cooperação com toda a comunidade internacional.

E neste contexto George Bush distribuiu os papeis a todos, em contraste com Jacques Chirac que realçou o papel da comunidade internacional em geral, tendo dito: "A ONU revelou-se um amigo do povo afegão, distribuindo alimentos e medicamentos, facilitando o retorno dos refugiados, ajudando na preparação das eleições gerais... Entretanto, os Estados Unidos e os seus aliados da coligação internacional procuraram e perseguiram os terroristas da "Al-Qaeda" e dos "talibãs".

Tomando o caso do Iraque. De acordo com Bush, a ONU já começou o seu trabalho humanitário neste país através dos canais da FAO e da UNICEF. A ONU - frisou o estadista - deve também participar na preparação da Constituição iraquiana, na organização e realização das eleições, na formação de quadros locais. Bush observou que a nova resolução que os Estados Unidos e os seus aliados apresentaram na ONU foi elaborada precisamente para ampliar os poderes e competências das Nações Unidas no Iraque.

Cumpre observar que o Presidente norte-americano omitiu o tema das forças internacionais neste país. Como se sabe, os EUA tinham pedido à Índia, Paquistão, Bangladesh e Turquia para enviarem os seus contingentes para o Iraque. No entanto, sem o consentimento e mandato da ONU estes países não puderam dar resposta positiva a Bush. Recentes consultas diplomáticas mostraram que, mesmo com o mandato da ONU, a Índia e Paquistão não querem enviar as suas forças para o Iraque. A Turquia poderia enviar apenas uns dois mil militares em vez de 10 mil e, ainda por cima, exige que os EUA intensifiquem as suas acções contra os separatistas curdos no norte do Iraque.

Ao compreender que os pedidos sobre o envio de um contingente internacional para o Iraque são inúteis, George Bush mudou a táctica e passou a falar sobre dinheiro. Apelou a canalizar mais 1,2 biliões de dólares para a reconstrução da economia afegã, juntando-se aos esforços dos EUA para prestar ajuda e assistência ao povo iraquiano. Frisou ter pedido o Congresso norte-americano para aumentar as verbas para o Iraque, comparando esta iniciativa com o Plano Marshall. Será ou não ouvido este apelo de Bush? Veremos isto dentro de um mês, durante a conferência internacional de doadores do Iraque, convocada em Madrid.

O contingente internacional não foi, pois, o único tema que o Presidente norte-americano passou por cima. Ao referir a problemática relacionada com a não-proliferação de armas de extermínio em massa, George Bush evitou habilmente mencionar a Coreia do Norte e o Irão. Parece estranho tendo em conta as muitas acusações da administração americana endereçadas a estes países. A comunidade internacional está de acordo em que a Coreia do Norte deve voltar a aderir ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNPAN) e que o Irão deve assinar o mais depressa possível um acordo complementar ao documento referido. Todavia, o que não convém à comunidade mundial é a tonalidade agressiva e ameaçadora dos EUA no diálogo com Pyongyang e Teerão.

Podemos admitir que para George Bush o problema das forças internacionais no Iraque e a crise em torno da Coreia do Norte e do Irão não passam de pormenores particulares, de elos da luta contra os desafios globais por ele declarada. Ao passo que para Jacques Chirac, que não omitiu na sua alocução os problemas acima referidos, estes temas constituem um desafio às capacidades da ONU.

Por diferente que tenha sido a perspectiva dos dois presidentes, é bem patente que a comunidade mundial terá que chegar, qualquer que seja a forma, a uma solução única dos problemas globais. Ninguém pode solucioná-los sozinho, nem que seja uma superpotência como os Estados Unidos.

Marianna BELENKAIA colunista da RIA "Novosti". RIA "Novosti"

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