C O M E N T Á R I O - OS AMERICANOS ESTÃO DESILUDIDOS COM A GUERRA

No início da guerra no Iraque, muitas cadeias de TV internacionais mostraram a seguinte imagem: os camponeses iraquianos saúdam a chegada dos tanques americanos. Um "lutador contra a tirania" local até deu dois pontapés no retrato de Saddam Hussein.

Tudo corria quase de maneira como o tinha planeado escrupulosamente, durante meses a fio, a Administração de George W. Bush. O povo iraquiano, saturado de décadas de ditadura bárbara, recebia os seus libertadores de braços abertos, colocando no chão tapetes de flores. A correspondente da Reuters Rosalinda Russel decidiu entrevistar os camponeses da vila de Savfan.

Quando os tanques desapareceram, deixando atrás de si uma nuvem de areia, "os sorrisos desapareceram imediatamente dos rostos dos habitantes locais", escreve a jornalista. "Não os queremos aqui", disse Faud, de 17 anos de idade. O jovem tirou uma foto de Saddam Hussein escondida na cintura, dizendo: "Saddam é o nosso líder. Saddam é bom".

Nos últimos dias, o Iraque explicou a todo o mundo duma forma não menos explícita que Washington se enganou nos seus cálculos de realizar um "passeio agradável rumo a Bagdad". Os líderes iraquianos não só não perderam o controlo sobre o país, como ainda se dirigem regularmente à Nação com discursos transmitidos pela TV local. As tropas iraquianas não desertam em massa, como os americanos tinham previsto. Antes pelo contrário, travam combates violentos contra as forças anglo-americanas ou então dispersam-se entre a população civil, optando pela táctica de guerrilha e de emboscadas.

Numa palavra, a chamada guerra de libertação do Iraque agora apresenta-se tal como o é - uma ocupação dum país soberano pelas forças armadas estrangeiras. Trata-se, ainda por cima, duma ocupação muito mal planeada pelos militares americanos, sendo portanto extremamente confusa e cruel.

Os acontecimentos na cidade de Basrah revelaram ao máximo a estupidez do Pentágono. Teoricamente, esta segunda maior cidade do Iraque, baluarte dos xiitas iraquianos, devia ter recebido as unidades de infantaria anglo-americana de braços abertos. Mas os "marines" evitaram entrar na cidade, receando pesadas baixas. Em contrapartida, a aviação da coligação destruiu por completo o sistema de canalização de água da cidade.

Em resultado, há vários dias que Basrah não tem tido água. As organizações humanitárias internacionais, nomeadamente, a "Amnistia Internacional", estão horrorizadas com as dimensões da catástrofe humanitária. No entanto, Washington está preocupada com uma coisa totalmente diferente: a TV iraquiana mostrou imagens de militares americanos feitos prisioneiros, exibiu-as violando a Convenção de Genebra.

Na escala de valores do novo guardião da ordem internacional, o desconforto desses indígenas miseráveis, que estão com a garganta seca, não são de modo algum comparáveis com a humilhação moral dos militares americanos, obrigados a posar perante as câmaras televisivas.

O problema não reside, como é natural, na humilhação. Washington, que investiu 250 mil dólares só na decoração do centro de imprensa do seu Comando Central no Qatar, sabe perfeitamente o impacto que provocam estes grandes planos dos militares americanos capturados pelos iraquianos. Os seus rostos cheios de medo. Os seus olhos inquietos. A resposta que dão à pergunta: "Porque se encontram aqui?" - "Porque fomos enviados..." Esta é, pelo menos, uma resposta aceitável.

É muito pior para os ideólogos desta guerra quando, um sargento duma divisão americana estacionada em Koweit, na intenção de esclarecer para si próprio esta questão, atira granadas contra uma tenda de campanha com militares americanos lá dentro. O sargento acabara de se converter ao islamismo. Um morto e dezasseis feridos são as vítimas do primeiro ataque terrorista provocado pela agressão contra o Iraque.

Esta guerra já origina e continuará a originar muitos atentados terroristas. Não há mais pequena dúvida disto.

As imagens dos prisioneiros de guerra americanos, dos rostos apavorados dos seus familiares, das crianças iraquianas feridas em resultado de bombardeamentos, cheias de ligaduras, nos hospitais de Bagdad - todas estas imagens terríveis alteraram a ideia que muitos americanos tinham da guerra no Iraque. A guerra deixou de ser uma espécie de jogo de computador divertido, transformando-se numa guerra pessoal para muitos americanos.

Uma coisa já está clara: as areias do deserto iraquiano podem vir a ser outra na selva do Vietname.

As esperanças dos americanos de conseguir um vitória rápida e triunfal começaram a desfazer-se. Se depois dos primeiros ataques de mísseis contra o Iraque uma sondagem efectuada pelo jornal "New York Times" registou 63 por cento destes sonhadores, depois dos insucessos do último fim de semana, o seu número baixou para 44 por cento.

O receio de uma guerra longa e com grandes perdas humanas assolou na segunda-feira a Bolsa de Nova Iorque. O índice Dow Jones caiu 300 pontos, enquanto as acções dos principais consórcios americanos, sobretudo, de aeronáutica, do sector hoteleiro e de diversões perderam entre 3,5 a 5 por cento do seu valor. Por outro lado, o petróleo voltou a subir bruscamente, registando o maior aumento nos últimos quinze meses, enquanto o dólar perdeu relativamente ao euro.

Numa palavra, o mundo dos negócios reagiu à guerra no Iraque entendendo que esta poderia ser longa, dispendiosa e com resultados imprevisíveis.

O Presidente George W. Bush procura, pelos vistos, afastar-se do acompanhamento diário da guerra, encarregando desta tarefa ingrata os seus generais no terreno e o secretário de Estado da Defesa, Donald Rumsfeld. Este último, optou por um estilo de conversa filosófico, para dizer, fatídico: "As guerras são imprevisíveis. Há ainda muitas dificuldades pela frente. Muita coisa pode sair mal. Não podemos dizer quanto tempo a guerra irá demorar. O número de vítimas é também imprevisível...".

A única coisa de que a Administração americana tem a certeza é que a guerra irá custar caro. O Presidente George W.Bush pediu ontem ao Congresso Americano uma quantia suplementar para financiar o esforço da guerra. São mais de 74,5 mil milhões de dólares. Os congressistas aperceberam-se duma coisa importante: planeia-se gastar o montante pedido num período de seis meses, enquanto as operações militares propriamente ditas deviam terminar num prazo de um mês.

Como se vê, os planos do Pentágono de tomar Bagdad na segunda-feira passada foram por água abaixo. Agora, é só no dia de São Nunca à tarde.

A guerra criou uma nova frente de batalha política entre a Casa Branca e um grupo de congressistas influentes que não conseguem compreender como é que a Administração quer gastar tanto dinheiro com a guerra no Iraque e, simultaneamente, reduzir os impostos em 726 mil milhões de dólares nos próximos dez anos. Segundo os cálculos mais modestos, esta combinação fará com que o défice orçamental dos EUA possa atingir 400 mil milhões de dólares em 2003. Não será demais para a economia americana, já não muito saudável por si?

A Casa Branca deu a entender que não se trata do último pedido. O preço final da guerra, se esta terminar num futuro previsível, atingirá o dobro do montante solicitado, avisam os democratas do Comité do Congresso para o Financiamento Militar.

Mas os congressistas só falam do preço da guerra em termos financeiros. E qual será o seu preço avaliado em vidas humanas? Moscovo, 26 de Março.

© RIAN

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