Qual a origem da russofobia na União Europeia?

Dizem que naquela altura Durão Barroso, o novo presidente da Comissão Europeia, estava a concordar com os parlamentares europeus a lista da sua nova equipa e, então, Moscovo não teria na cimeira interlocutores válidos.

Mas os dissabores relacionados com a composição dos comissários europeus ainda não terminaram. Não se sabe, por exemplo, se vai participar ou não na reunião de cúpula Jacques Barrot, comissário europeu para os Transportes, cujos antecedentes (aliás, prisão convencional por dilapidação) obrigam os seus colegas a exigir a sua demissão. Entretanto, os problemas dos transportes - e sobretudo aqueles que são relacionados com o trânsito pela Lituânia até ao enclave russo de Kalininegrado - são temas de grande interesse para a Rússia. Evidentemente, a delegação russa gostaria de ver na cadeira do comissário europeu dos Transportes uma pessoa que não seja afastada do seu cargo proximamente.

Dizem também que a 11 de Novembro não estavam prontos os "roteiros" para a criação de quatro espaços comuns da Rússia e da UE, a saber: o espaço económico, o espaço de segurança interna, o espaço de segurança externa, o espaço humanitário. Acontece que não havia nenhum entendimento entre os interlocutores para preparar os respectivos documentos até à cimeira de Haia.

Fosse como fosse, nos seis meses decorridos desde a última cimeira realizada em Moscovo as partes não estiveram inactivas. No entanto, o progresso não tem sido grande. Só foi elaborado até agora o "roteiro" para o espaço humanitário comum. Nas outras áreas cada parte tem as suas variantes do texto, mas é preciso bastante tempo e esforços para acordá-las. Os documentos referentes ao espaço comum de segurança interna está ainda em fase de rascunho. Pois é natural, porque são precisamente neste domínio que colidem os prismas dos diferentes departamentos da UE e da Rússia, que interpretam à sua maneira tais problemas como a protecção das fronteiras, o regime de vistos, a readmissão de imigrantes, a contraposição ao narcotráfico, etc. Nestas condições é inútil esperar da cimeira em Haia a ratificação de documentos históricos. E talvez tal não seja mau. Em vez de se concentrar na edificação de quatro espaços comuns que existem ainda em fragmentos, não raro contraditórios e controversos, a segunda cimeira Rússia-UE que se realiza depois do alargamento da União Europeia e contará com a presença do Presidente Vladimir Putin, poderia concentrar-se no essencial. É justamente o quinto espaço comum que ultimamente se encontra em redução progressiva. Este espaço é o da confiança.

Hoje a Rússia e a União Europeia têm menos confiança uma a outra do que há meses atrás. É um facto incontestável. A UE toca a rebate sobre "o abandono da democracia na Rússia" aludindo aos planos do Presidente de alterar em profundidade o sistema de administração pública e a violação dos direitos humanos na Chechénia. "Os russos distanciam-se dos valores europeus!", gritam estes críticos obcecados, esquecendo que o país ainda não recobrou o fôlego depois duma verdadeira revolução, que causou uma reviravolta na sua organização social e económica e na ideologia oficial.

Exigir nestas condições que a Rússia se adapte num abrir e fechar dos olhos aos valores que a Europa cultivou cuidadosamente durante séculos, tal como os seus relvados, parece, na melhor das hipóteses, uma altivez impensada e, na pior das hipóteses, uma hipocrisia perigosa.

É neste sentido que as críticas da UE são interpretadas pelos círculos nacionalistas e eslavófilos da Rússia, que desde os tempos imemoráveis sempre queriam que a Rússia se distanciasse do progresso europeu e da democracia. Esta camada social tem bastante expressão e influência no país. E aproveitam a seu favor qualquer crítica lançada pelos europeus.

Por exemplo, Bernard Bot, ministro dos Exteriores dos Países Baixos, exigiu em tom ameaçador da Rússia explicações sobre o que aconteceu em Beslan. Em Beslan ainda nem sequer tinham contado os cadáveres das crianças, nem sequer tinham acendido as velas em sua memória.

A bancada da união CDU/CSU no Bundestag (Parlamento) da Alemanha encaminha ao Governo da RFA o inquérito sobre "Futuro económico da Região de Kalininegrado após o alargamento da União Europeia". O que este documento propõe de facto é amputar Kalininegrado da Rússia. O Parlamento, por sua vez, divulga este inquérito como documento oficial, como que não tivesse havido nenhuma regularização na Europa no período do pós-guerra.

Entretanto, as autoridades britânicas dão asilo político primeiro a Akhmed Zakaev, cabecilha dos guerrilheiros chechenos que, pessoalmente, cortava os dedos aos prisioneiros, e depois ao soldado Andrei Krotov que desertou do Exército Federal na Chechénia.

São exemplos da insensibilidade gritante das capitais europeias em relação aos problemas e dificuldades que a Rússia vive, exemplos manifestos de "critérios duplos", de hipocrisia ostensiva que levou a uma crise de confiança entre a Rússia e a UE. E esta problemática será, evidentemente, um dos temas da próxima cimeira na Haia. Encontrar a saída para esta crise será bem difícil, porque na direcção da UE começam a dominar as posições daqueles que sempre se guiaram pelos estereótipos da "guerra fria". Ou seja, a Europa foi, é e será um contrapeso à Rússia. Por conseguinte, a adesão dos ex-países socialistas à União Europeia pode ser interpretada como um refúgio que lhes é dado para os proteger da influência supostamente perigosa da Rússia.

Há pouco, a comissária europeia para os assuntos exteriores, Ferreiro Waldner, declarou com a maior abertura possível: "Eu farei tudo o que puder para que pelo menos a Ucrânia fique do nosso lado"... Quer dizer, a direcção da UE admite que existe o tal "nosso lado" e o lado hostil, que é a Rússia. O pior é que esta comissária se nega a reconhecer os interesses legítimos da Rússia relativamente ao seu vizinho e aliado, que é a Ucrânia.

De onde vem esta russofobia na União Europeia? Não se põe em dúvida que os ânimos anti-russos floresceram no seio da União Europeia depois da chegada, em Maio passado, do "batalhão" dos países da Europa Central e do Leste. No Parlamento Europeu, na Comissão Europeia e em outros órgãos dirigentes da UE emergiu um grupo de pessoas, principalmente dos ex-países socialistas, que querem dificultar e até mesmo fazer frustrar o diálogo entre Bruxelas e Moscovo.

Estas pessoas trouxeram para a UE um carregado espírito de confrontação, de intolerância em relação à Rússia. Estes novos membros da Europa são movidos por vinganças históricas, são como um doente que ainda sente a perna amputada. A União Soviética já não existe há muito, os antigos satélites soviéticos tornaram-se todos independentes, mas os complexos empurram-nos constantemente para a russofobia. E é verdade, os países veteranos da União Europeia estão seriamente preocupados com este comportamento anti-russo dos novos países-membros, que saltaram de regimes comunistas para o paraíso da democracia europeia. Tanto mais isso preocupa a Rússia. No entanto, nem Bruxelas nem Moscovo não perdem a esperança de alargar o leque de interesses mútuos e a escala da cooperação, porque a alternativa que os radicais pós-comunistas propõem e impõem não parece vantajosa à própria União Europeia. Sem uma Rússia potente, forte e influente ao lado, a UE corre o risco de se transformar numa ilha vulnerável num oceano de instabilidade crescente.

Vladimir Simonov observador político RIA "Novosti" © RIAN

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