A importância da imprensa alternativa

Ou seja, seria o mesmo que dizer que há uma imprensa padrão, a dita grande imprensa. E que nós, da imprensa alternativa, nos opomos parcialmente a elas.

Isso não significa entrar em um jogo maniqueísta, dizendo que somos nós contra eles. Não é isso. É apenas destacar que nós temos uma linha editorial diferente, com toda uma estrutura de pensamento e lógica conceitual diferente. Somos, enfim, ideologicamente diferentes.

Este é um aspecto.

Outra característica, mais técnica, é muito mais fácil de ser explicada. A imprensa alternativa não possui, em grande parte, meios de comunicação de massa. TVs, jornais de grande circulação, rádios. Tudo isso está, em maioria absoluta, na mão da "grande imprensa". Há um ou outro caso de programação alternativa na tevê, como por exemplo a TV CUT, que passa na Rede TV uma vez por semana. Há alguns bons programas na tevê fechada, que não chega à maior parte da população. As tevês da Câmara Federal e do Senado têm uma programação excelente. Mas a estrutura ainda pertence a poucos e poderosos grupos, que por sua vez detêm a maior parte das verbas da publicidade.

Este, portanto, é outro aspecto: a propriedade de meios.

No primeiro aspecto — o ideológico — a imprensa alternativa se coloca de forma muito clara do lado dos oprimidos e contra os opressores. E estas não são palavras abstratas, como se costuma dizer. Cabe um breve relato sobre este assunto, dada a importância da linguagem.

Oprimido é o trabalhador informal, o gari, a empregada, a prostituta, o cara da periferia, aquela mulher que tem pouca informação e acaba fazendo muitos filhos. O bêbado, o drogado, a criança que vive na rua, o adolescente no tráfico porque não tem emprego e escola. Estes são os principais oprimidos.

É, de forma muito clara, o que paga a conta do país. Nos jornais, todos os jornais, você ouve cada vez mais falar em queda da renda, aumento do trabalho informal e do desemprego, aumento da carga tributária e por aí vai. Isto não muda simplesmente porque há um "operário" no poder. É preciso mudar alguma coisa, não apenas as características pessoais de um governante. Quem paga isso é, em grande parte, a classe mais pobre e, também, a classe média por meio dos impostos. Isso tem a ver com a estrutura jurídica, tributária e de propriedade, no campo ou na cidade.

Tendo maior poder de negociação, as pessoas que menos sofrem com a recessão possuem um acesso muito maior à mídia. E a isto boa parte da mídia chama de "imparcialidade". Eles dizem: "Vamos, de forma imparcial e democrática, ouvir o megaempresário e o mendigo. Vamos colocá-los juntos e ouvi-los". Aí o mendigo não consegue falar, não consegue passar sua idéia. Ele está desorganizado, não conhece os outros mendigos. Está desesperado. Se o pessoal da produção oferecer um pão, a crítica dele já será outra, mais mansa.

Depois fala o megaempresário. Possui três empresas, provavelmente herdadas do pai, do tio, do avô. Está confortável em sua posição, viaja duas vezes por ano para a Europa, participa de um seminário por mês, onde encontrará todos os seus amigos megaempresários. Naturalmente ele estará mais à vontade para colocar suas posições.

Esta é uma metáfora, pode ser visto como uma metáfora, mas é parecido com o que acontece, de forma mais geral, com os diversos segmentos de nossa sociedade. O próprio movimento sindical — de onde nosso presidente veio — possui essas disparidades.

O que faz, portanto, a imprensa alternativa hoje? Dá voz aos mal-pagos. Está do lado do ferrado, do injustiçado, do cara que está com tanta fome que nem gritar consegue. Está do lado das senzalas pós-modernas. A grande mídia, ou boa parte dela, não consegue nem enxergar isso. Muitas vezes — mas não todas — não se trata de má-fé. No entanto, é no mínimo patético pegar o cara que já nasceu condenado a todas as formas de injustiça e colocar no mesmo patamar que o garoto da Zona Sul, que teve uma educação européia. É no mínimo ridículo.

A isso chamam "imparcialidade".

É exatamente nesse sentido que o filósofo Max Weber afirmou que "neutro é quem já se decidiu pelo mais forte". Aqui entra a imprensa alternativa, que se parece um pouco com algumas mídias da Europa.

A idéia de uma imprensa não-partidária, ou seja, que não se posicione politicamente (no sentido mais amplo da palavra, e não apenas institucional) é um juízo de valor oriundo do jornalismo norte-americano. E o jornalismo brasileiro é o cavalo de Platão do jornalismo norte-americano. Segundo este modelo, a busca da imparcialidade e objetividade deve ser o eixo da produção jornalística.

Mesmo tendo um profundo respeito por ela, os editores e integrantes da imprensa alternativa, em grande parte, não concordam com esta visão. É principalmente na Europa, como eu disse, que se pratica um outro modelo, que consideramos mais pertinente, no qual o posicionamento político é natural e necessário. A imparcialidade, deste ponto de vista, só pode ser alcançado se o jornalismo não for encarado com dois pesos e duas medidas.

No campo da sociologia de esquerda, existia um pensamento muito forte que dizia o seguinte: quanto pior estiver a economia, mais chances de o povo se revoltar. Disso, viria a revolução e as mudanças estruturais. Este é um pensamento clássico, de esquerda, mas certamente obsoleto. Quase que toda a esquerda já notou uma coisa que parece cada vez mais óbvia: povo com fome não gera revolução, e sim submissão.

Esta pequena e abrangente lógica está atingindo, ironicamente, a imprensa. Seja qual for o motivo da crise, é certo que os modelos de administração das atuais empresas de comunicação estão falidos. Todos os grandes grupos estão em crise, de forma mais ou menos acentuada. Com isso, está aumentando cada vez mais a dependência destes grupos em relação ao pessoal da grana, do dinheiro.

É este o significado do discurso de que o "capital" possui o domínio sobre os meios de comunicação. Estas não são palavras vazias, abstratas. Pode-se argumentar — e eu discordo dessa argumentação — que tais palavras são muito agressivas. Mas não deixam de ser sábias.

Quem é o "capital"? Ora bolas, quem tem o dinheiro e investe nas empresas de comunicação. E quem são estas entidades? Bancos, empresas em expansão (telefonia, multinacionais etc.) e, principalmente, o governo.

Este é o ponto crucial: mesmo que as empresas tenham poder, o governo possui duas formas de pressão essenciais. É do governo que vem uma quantidade considerável de publicidade. E é do governo federal que virá a verba de financiamento, via BNDES, para fomentar o "mercado" de comunicação e gerar empregos.

Não é de se estranhar que a grande mídia esteja praticamente de joelhos para os governos, estejam estes na esfera federal, estadual ou municipal.

Com este quadro, é fácil explicar porque a TV Bandeirantes demitiu o apresentador Jorge Kajuru por fazer críticas ao governador de Minas, Aécio Neves; porque o Jornal do Brasil demitiu um de seus mais tradicionais jornalistas, o Alberto Dines, por fazer críticas à relação entre o jornal e o governo Garotinho (RJ); mais fácil ainda podemos perceber porque o melhor jornal do país em termos jornalísticos (não julgando aqui ideologia) — o carioca O Globo — é o mais amistoso e declaradamente pró-governo federal em sua linha editorial.

Não é difícil visualizar as intenções da família Marinho quando faz campanha pelo homem do dinheiro no governo, o ministro Palocci, e atua em conjunto com este ao dizer que os senadores que votaram contra o minguado salário de R$ 260 é que são os "traidores" da grande causa humanista de Palocci de dar apenas R$ 4 de aumento real por causa da "responsabilidade fiscal" — levando inclusive um ministro de Lula, Jacques Wagner, a afirmar em maio: "O povo não come estabilidade".

Sem contar a revista Veja e sua edição-propaganda de Antonio Palocci. Mas a revista Veja não conta mais. É peça publicitária.

Isto ocorre, em linhas gerais, porque o poder econômico está prevalecendo sobre a autonomia ideológica, mesmo que você aceite o discurso da imparcialidade e da objetividade.

Pergunta-se se esta é uma relação direta ou se os jornalistas realmente acreditam que é normal que o ministro da Fazenda tenha mais importância do que o ministro da Cultura — uma figura medíocre politicamente e brilhante no que faz (e de onde nunca deveria ter saído) e que diz: "Em casa de pobre também se come", aceitando a falta de verbas de seu ministério, imposto, sempre, pela "responsabilidade fiscal" de Palocci.

A resposta desta pergunta é, talvez, "tanto faz". Tanto faz se o jornalista é censurado ou se ele faz autocensura. O resultado — ou seja, o apoio incondicional às linhas gerais do pensamento economicista de empresas e governos — é o mesmo.

Diante de tudo isso, está explícita a importância da imprensa alternativa — aquela que pensa de forma independente e que não aceita interiorizar a idéia de que o ministro da Fazenda é mais importante que o da Cultura.

Isto não significa, como se verifica inclusive dentro da própria imprensa alternativa, negar o lado econômico. Muito pelo contrário. O maior desafio da imprensa alternativa é viabilizar um projeto administrativo que não dependa exclusivamente de verbas oficiais ou das megacorporações empresariais, ao mesmo tempo em que solidifica uma posição afirmativa e empreendedora que diga muito claramente: nenhum ser humano é ilegal.

Basicamente, unir o sonho da justiça social à perspicácia do empreendedorismo. Não é algo impossível. Não é sequer difícil. É apenas um desafio diário e contínuo.

Gustavo Barreto editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net) colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ

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