O alerta da cidade

Foi com estes olhos que assisti hoje, maravilhado, o programa “Cidade Alerta RIO”, apresentado por Wagner Montes na Rede Record. O grande “defeito” do programa, diriam os mais elitistas, é essa estranha mania de ouvir pessoas comuns e filmar a vida real da população; Ou talvez esta bizarra insistência em não concentrar 90% das reportagens na Zona Sul (zona rica da cidade), filmando também as regiões pobres do Rio de Janeiro.

No fim de semana, enquanto a Rede Globo cobria exaustivamente a chegada da tocha olímpica – a mesma que passou a noite numa suíte de R$ 1.095 de diária do JW Marriott Hotel, em Copacabana, num quarto de 50 m², cama king size, duas TVs 29 polegadas, CD player, duas linhas de telefone, frigobar e banheira – a Rede Record mandava um jornalista para uma comunidade em Santa Cruz que há anos exige saneamento básico.

Veja bem: saneamento básico.

Se o repórter era sensacionalista? Não. Popular, talvez. Pouco ou nada semelhante a um tradicional repórter. No entanto, foi ele o responsável por mostrar – e atiçar, inclusive - a indignação da população local com mais este descaso da prefeitura. Como muitos outros que qualquer um que freqüente a Zona Oeste conhece.

Hoje, novamente, foi a Cidade Alerta o único a ressaltar o descaso com um dos órgãos mais dedicados da cidade – a SUIPA, que cuida de animais abandonados. Sensacionalista ou não, até as portas perceberam o tamanho da falta de interesse da prefeitura em relação ao incêndio na sede da entidade, uma tragédia provocada por administradores desumanos e insensíveis.

E Wagner Montes, o apresentador? Seria ele outro insensível, trabalhando de forma competente com as emoções do “povão”? Dele, pude ouvir hoje: “Ninguém cria um filho para ser marginal”. A consciência social tem dessas coisas: não necessita da moralidade judaico-cristã. Pode vir, acreditem, do “povão”. Basta ouvi-lo.

O sofrimento de um homem atingido pela obesidade. A injustiça contra um trabalhador causada pela imprudência de um motorista na Av. Brasil. A reclamação fria e sincera em relação aos aumentos abusivos dos tributos no país. Tudo isso, para mim, não é nada menos do que a realidade.

É o ideal de jornalismo sério e feito com profundidade? Não creio. No entanto, em um certo canal, o que você ouvirá? Vejamos.

Autoridades, autoridades e mais autoridades. O discurso oficial fechando de 90 a 100% das reportagens. A zona rica da cidade presente três ou quatro vezes mais do que a zona suja e cheia de crimes e ratos. Todo dia, sem exceção, o índice da bolsa de Nova Iorque e de São Paulo é informado até a terceira casa decimal. É estupidamente necessário - como não? – cobrir a festa do “arraiá” do presidente da república.

E a realidade? Cobrir o dia-a-dia da população é ser sensacionalista? É crime perguntar para pessoas comuns o que elas pensam? É errado fechar as reportagens com os verdadeiros responsáveis pela construção do país – os trabalhadores? Deixar que os pobres e mal-pagos da nossa cidade gritem à vontade na tevê é um ato de irresponsabilidade conceitual?

Enquanto a universidade estuda a fundo a semiótica e toda a genialidade de Adorno, Wagner Montes brinca, à vontade, para milhões: “Esse cara tá numa maré que se ele comprar um circo o anão cresce”.

Brincando quando tem que brincar. Sério, quando tem que ser sério. Isento, nunca. Ao lado do povo, com linguagem adequada e senso de realidade. Perfeito? Não, claro que não. Muitos erros. Erra o placar do jogo, erra o nome da repórter, erra a seqüência de câmeras. Erra até ao aplicar Adorno.

Erra em quase tudo, menos na dose de realidade. Gustavo Barreto

editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ

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