O Príncipe das Trevas

No seu livro O Príncipe, Niccolò Machiavelli (1469-1527), defende que um fim de sucesso vale o emprego de quaisquer meios para o atingir, por imorais que esses sejam.

Hoje, vemos uma sequela na vida real, na diplomacia actual, com dois líderes (Presidente Bush e Primeiro Ministro Blair) a afirmarem que a sua ação no Iraque, por imoral ou ilegal que fosse, foi justificada porque esse país está melhor agora sem Saddam Hussein no governo.

Esta afirmação é uma indicação clara da falta de equilíbrio que de repente varre a comunidade internacional. Não se trata da política italiana da idade medieval, mas do século XXI. Quinhentos anos depois do Machiavelli escrever seu livro, o Príncipe voltou só que desta vez, foi usando o traje do Príncipe das Trevas.

Machiavelli e seus contemporâneos iriam de certo achar imensa graça à noção duma guerra baseada em alegações fundamentadas em mentiras, documentos forjados e afirmações exageradas sem qualquer substância.

Cometeu-se assassínio em massa - e de propósito. Não era esse um caso de um erro ou acidente lamentável. Foi planeado, for programado, foi projectado e foi executado, em sangue frio. Execução é a palavra certa. Foram chacinados dezenas de milhares de civis.

No entanto, lá estão Bush e Blair, sorridentes, a dizerem que pelo menos, as coisas estão melhores porque Saddam Hussein também matava civis e já não os mata. Essa posição desafia a lógica. Será então melhor que os pilotos norte-americanos e britânicos matem os civis para impedir que sejam mortos pelo Saddam? Que Saddam era mau mas os pilotos são heróis?

Esse tipo de afirmação constitui um exemplo clínico da mentalidade desses dois líderes e os grupos que os mantêm no poder. Para eles, não há honra, nem decência, nem valores morais, nem honestidade, nem o respeito pela confiança neles depositada. São esses os valores que foram eleitos para respeitar e foram exatamente esses valores que insultaram, ignoraram e menosprezaram.

Como no Príncipe de Machiavelli, para esses dois homens, o fim justifica os meios, por imoral, por cruel, por injusto, por ilegal que seja. Afirmar que o Iraque está melhor porque Saddam Hussein já não tem poder não justifica o injustificável. A analogia é simples:

Há na vizinhança um brigão que bate na mulher. Já bateu num vizinho que tentou interferir. Outros dois vizinhos juntam um bando de 50 homens fortemente armados e invadem a casa do brigão, sob o pretexto que ele pode destruir a vizinhança dentro de 45 minutos a qualquer momento, pois tem uma fábrica de ácido. Destroem a casa e queimam-na, matando um dos filhos do brigão. O outro e a mulher escapam com a vida mas sem quaisquer posses. Não encontram o brigão. Não encontram o ácido, mas continuam a dizer que a casa é muito grande e que hão-de encontrá-lo e que de qualquer modo, a mulher dele está bem melhor pois ele já não a bate.

Outra coisa, chamam terrorista ao filho porque ele não os quer na sua propriedade, o que resta dela.

A definição dos princípios de Machiavelli é “política sem lealdade ou boa fé, maneira de proceder perfídia”. Uma excelente descrição da escola de diplomacia seguido por Bush, Blair e seu nojento bando de sicofantas, que, se tivessem uma módica quantia de decência, iriam apresentar as suas demissões. Já.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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