A imprensa ocidental e a Rússia

Todas as análises e reportagens são eivadas de um fatalismo pessimista desconcertante. Manchetes e expressões tais como “Fracasso da democracia”, “Retrocesso da democracia na Rússia”, “Eleições imperfeitas” etc. caracterizaram o espetáculo de escatologia com que os jornalistas mundiais tratam não somente com estas eleições, mas com todos os assuntos concernentes à Rússia.

A propósito, qual seria uma eleição “perfeita”? A que ocorreu nos Estados Unidos da América, em 2000, onde foi eleito um presidente com menos votos que seu concorrente? Ou uma eleição em que os vencedores fossem os liberais Grigory Yavlinsky e Boris Nementsov, que inclusive foram os que conduziram a Rússia para o abismo na década passada?

O fato é que as críticas se concentram principalmente ao fato dos meios de comunicações estatais favorecerem o partido pró-Kremlin, o Yedinaya Rossiya (Rússia Unida), em detrimento dos demais partidos oposicionistas.

Mas e quanto ao que ocorreu aqui no Brasil no ano passado? Quando a maioria esmagadora da imprensa (que não é estatal) fazia de tudo para promover o candidato da situação, incutindo pânico na população sobre as conseqüências desastrosas que ocorreriam no país caso o candidato do Partido dos Trabalhadores fosse eleito. Pior ainda é que a própria imprensa ocidental promoveu tal inferno no caso da vitória de Lula, gerando temor nos investidores estrangeiros, que só agora, mais de um ano depois perceberam que tais temores eram infundados, pois o atual governo continua lendo da mesma cartilha.

Todavia, o que se lamenta, é que a maioria das críticas não são construtivas. Tampouco se mostraram os aspectos positivos do sistema eleitoral russo, que é sem sombra de dúvida um dos melhores do mundo, pois contempla também o escrutínio por lista partidária, idéia tão defendida pelos cientistas políticos: nessas eleições, os eleitores recebem duas cédulas uma, com a lista das 23 forças políticas que competem em nível nacional, disputando a metade exata das 450 cadeiras da Duma, e outra com os nomes dos candidatos de sua circunscrição majoritária, disputando sua outra metade. Assim, terão representação parlamentar somente os partidos e blocos que obtiverem a cota de 5 por cento para poder dividir de maneira proporcional as 225 cadeiras eleitas de acordo com a primeira modalidade. Destaca-se também, que o comparecimento dos 109 milhões de eleitores não é obrigatório, contudo, as eleições só serão consideradas válidas se a participação nas urnas chegar a 25 por cento do censo.

Há também uma interessante característica: a opção “contra todos” (os candidatos), a qual se chegar a mais da metade dos votos, também será caso de invalidar as eleições.

No mais, as contundentes críticas são infundadas. A uma porque é muito cedo para se afirmar que “a democracia fracassou”, pois não se encerra 70 anos de sistema e mentalidade totalitária da noite para o dia. Dez anos nada são. Principalmente porque mais importante do que mudar um sistema econômico/político para outro diametralmente oposto há que se mudar uma mentalidade inculcada durante quase 70 anos, uma mentalidade burocrática e comodista, que com a total deserção por parte do Estado ocorrida no início da década de 90, os russos foram obrigados a esquece-la na marra. Ora, dada a complexidade do processo de transição, que ocorreu de forma precipitada e traumática, exigir (ou mesmo esperar) eleições perfeitas, é no mínimo ingenuidade, para não dizer ignorância. A duas porque as críticas que se fundam em “infelizmente, a democracia russa está a um longo caminho, ou mesmo se afastando do modelo ocidental” não podem ser consideradas sérias. Só jornalistas ocidentalistas podem escrever tais pretenciosas palavras como estas, que evidenciam sempre a irresistível tendência narcisística a tudo que é ocidental.

Voltando a questão do início, qual seria a “perfeita” democracia à modelo ocidental? Tais críticas correspondem a desilusão dos ocidentais perante os resultados dos partidos liberais, que não responderam à identificação ocidental com os ideais dos partidos e seus medíocres resultados.

E depois, seria de bom alvitre que tais “analistas” se dessem ao trabalho de acompanharem a imprensa russa. Não precisa saber russo, há muitos veículos em inglês. Jornais de grande circulação tais como o Kommersant e o Nezavisímaya Gazyeta (Jornal independente), entre outros, assim como muitos sites, fornecem comentários e críticas, nada dóceis ao governo, na verdade, mais contundentes até que nossa “livre” imprensa com relação aos governantes.

Um outro aspecto a ser abordado, é sobre o tratamento que a imprensa ocidental dispensa a Vladimir Putin. Na falta de melhores comentários e análises profundas, toda a imprensa ocidental (e nossos jornalistas idem) partem sempre do princípio que ele é um facínora.

Quer seja pela maneira de administrar o país, de lidar com assuntos internacionais, energéticos, com a questão da Chechênia e com os oligarcas, etc.

Aqui é interessante comentar um aspecto: a mesma imprensa ocidental vociferava ferozmente contra Boris Yeltsin por causa do imobilismo deste frente aos oligarcas, nomeadamente Boris Berezovisky, Alexander Gussinsky, etc., que construíram suas fortunas às custas das ruínas soviéticas, se aproveitando do vácuo legislativo para lesar o Estado, segundo essa mesma imprensa. Contudo, agora que a Justiça russa (como se o Executivo tivesse alguma ingerência nesses assuntos), dotados de provas robustas processam tais elementos, que hoje são obrigados a fugir do país com suas fortunas ou encontram-se na prisão, aí as críticas vêm do mesmo modo: repressão à economia de mercado, duro golpe a livre iniciativa, perseguição aos capitalistas, etc.

Na Chechênia é a mesma coisa. Sempre defenderam que tal situação só poderia ser resolvida (se não atenuada) com uma solução política. E assim foi feito. É marcado um referendo constitucional em março deste ano, e posteriormente eleições para presidência da República no dia 05 de outubro. Em ambos, a presença do povo checheno, cansado da guerra e totalmente contrários ao separatismo foi maciça. Só organizações como a OSCE, que deixaram de ser sérias há muito tempo, dotadas de uma parcialidade ímpar, clamaram contra essas eleições. Ora, perguntem para o povo checheno. Vejam se para eles somente Akhmed Kadyrov não poderá trazer a segurança e estabilidade que tanto carecem. Ou para a OSCE a melhor solução é continuar com a guerra?

Guerra que lá, para a imprensa e organizações ocidentais, não é contra o terrorismo, e sim contra o “legítimo desejo de independência”... Mal sabem que é no Cáucaso Norte, que a maior batalha contra o terrorismo mundial é que está a ser travada. Os mais perigosos extremistas estão lá, e o Ocidente indiferente, é o pior cego, porque não quer ver o que ali ocorre. O resultado dessa nefasta indiferença são os atentados cruéis e covardes que abundam na Rússia, Turquia, sudeste asiático, etc. Tragédias estas, graças a ações como esta: o fato da Inglaterra conceder asilo político ao perigoso terrorista Akhmed Zakayev, o qual é visto como herói cinematográfico (de fato, ele era um canastrão ator), mas não se dão ao trabalho de verificarem sua ficha na Interpol, nem mesmo suas ações registradas em filmes pelos próprios terroristas: participando de incursões armadas, tomando reféns, torturando civis e soldados russos, decepando, etc. Enquanto isso, os EUA, mais preocupados com o petróleo iraquiano, dividiram seriamente (se não acabaram) com a coalizão anti-terrorista, estão na verdade estimulando um novo e vigoroso foco de terrorismo internacional. O resultado, é que a Rússia trava uma verdadeira luta sozinha contra o terrorismo internacional. E a conseqüência, se faz clara: atentados sangrentos por todo o país. Se Israel, que tem o mais formidável aparato de segurança integrada do mundo, ainda assim, não consegue garantir a segurança de seus habitantes, como esperar o mesmo da Rússia, com sistema de segurança empobrecido e corrompido?

Por fim, as críticas a Putin, se dão principalmente pela maneira centralizadora com que administra o país. Contudo, esses “especialistas” mais uma vez revelam sua falta de preparo, e a falta que uma formação especificamente científica pesa em seu curso, sequer se interessam em estudar ciência política. Ora, já dizia o eterno Maquiavel: “Quando a nação encontra-se ameaçada de deterioração, quando a corrupção alastrou-se, é necessário um governo forte, que crie e coloque seus instrumentos de poder para inibir a vitalidade das forças desagregadoras e centrífugas.”

Então, este é o pecado de Vladimir Putin e de seus correligionários. É ter realizado uma administração, que conta com a aprovação de 80% da população, que faz o país crescer a uma média de 7% ao ano desde que assumiu o poder, que tem um desemprego atual de tão somente 3%, que colhe grandes safras, superávites orçamentários, etc. O resultado é uma Rússia cada vez mais forte e resoluta no cenário internacional. Para infelicidade dos ocidentais.

Miguel Galante Rollo BRASIL

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