Suplicy: controle das S.A. concentra poder e renda

Para ele, isto coincide com um relatório "lamentável" da Organização das Nações Unidas (ONU), que posiciona o Brasil entre os países mais desiguais do mundo na distribuição de renda. A democratização da propriedade das grandes empresas é apontada pelo senador como um fator importante. “Mesmo quando as empresas lançam ações na Bolsa, acabam mantendo o controle acionário, diluindo a possível influência dos acionistas minoritários”, disse.

De acordo com estudo do professor do Laboratório de Finanças da USP, Alexandre di Miceli, entre 161 empresas que tiveram liquidez em bolsa, cerca de 75,3% das ações com direito a voto estavam nas ações dos principais controladores no fim de 2002. Em 1998, esse mesmo índice era de 72,7%. Com a aprovação de alterações na Lei das S.A. e criação pelo próprio mercado de mecanismos de proteção ao acionista minoritário, as empresas parecem tender para o fechamento do capital, mesmo correndo risco de prejuízo. Outro trabalho acadêmico, do professor Ricardo Bordeaux, da PUC-Rio, demonstra a resistência à pulverização do capital e constata que 85% das ações ordinárias estão em mãos dos três maiores acionistas.

Transparência e democratização

Suplicy, que é professor de Economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que a renda é proveniente da propriedade, da atividade produtiva e da força de trabalho. O estudo alerta para a concentração da renda que tem origem na exploração da propriedade, como lucros, juros e aluguéis. “A concentração fundiária também tem um impacto grande no Brasil, por isso a importância da Reforma Agrária”, disse.

Suplicy declarou ter atuado na aprovação da Lei das S.A. no sentido de assegurar o direito dos minoritários terem direito à informação e controle sobre as decisões, embora isso não tenha sido suficiente. O especialista da USP, por sua vez, é da opinião, em seu estudo, que a redução do poder corporativo seria benéfico para as empresas.

Multinacionais como Enron são citadas como exemplos de empresas que desabaram por excesso de poder e maquiagem contábil.

“É bom para as próprias empresas que elas assegurem maior transparência nos demonstrativos financeiros, informando dados-chave que não costumam aparecer nos balanços”, sugeriu Suplicy. Ele ressaltou a importância de uma abertura maior das empresas na transparência e no controle decisório, como forma de atrair investimentos externos. “A contabilidade do valor adicionado, que mostra o avanço lucrativo da empresa, acabaria por revelar se o crescimento nos salários e pagamento de impostos tem sido adequado”, disse.

Governança corporativa

Além de alterações legislativas, mecanismos de mercado também têm contribuído para reverter ou reduzir o modelo de controle concentracionista, embora o estudo demonstre o contrário. Destacam-se a adoção do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e a iniciativa da Bovespa de criar o Novo Mercado e o Índice da Governança Corporativa. Ambas as iniciativas agrupam companhias que se obrigam voluntariamente a adotar práticas consideradas como de boa governança corporativa, muito além das exigências legais, chegando mesmo, no caso do Novo Mercado, a exigir o compromisso da companhia de prever em seus estatutos que seu capital seja representado, exclusivamente, por ações ordinárias.

A adoção de uma melhor governança corporativa já teve repercussão em órgãos governamentais, como o Conselho Monetário Nacional e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que passaram a oferecer benefícios às empresas que tenham aderido ao Novo Mercado ou a um dos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa. Acredita-se que esta seja uma tendência irreversível, que fará com que investidores e agentes financeiros passem a preferir e favorecer mais e mais empresas que ofereçam segurança e transparência em sua gestão.

Regulação das S.A.

As alterações na lei de S.A., aprovada em 2001, foram ditadas pelas pressões do próprio mercado acionário, motivadas pelo crescente movimento de melhoria da chamada governança corporativa.

Uma prática tradicional no Brasil sofre crescente pressão para ser descontinuada. Trata-se daquela em que o grupo controlador, muitas vezes ligado por laços de família, manter a propriedade da maioria das ações com direito a voto, sem correr qualquer risco de perda do controle no mercado através do denominado "hostile take over".

Essa prática desenvolveu-se a partir da permissão legal de lançar-se no mercado ações sem voto, com preferências e vantagens de natureza meramente formais, como a prioridade no reembolso do capital no caso de liquidação da companhia. As principais alterações introduzidas pela lei 10303/2001 objetivam justamente combater esse modelo.

Entre as medidas alteradas na Lei das S.A. está:

1. a redução de 2/3 para 50% do capital do limite para emissão de ações preferenciais sem direito de voto;

2. a exigência das ações sem voto, para serem negociadas no mercado, outorgarem a seus titulares uma dentre certas vantagens efetivas relacionadas ao recebimento de dividendos ou participação em oferta pública de alienação de controle;

3. a outorga de direitos aos minoritários detentores de determinadas percentagens de participação em ações ordinárias ou ações preferenciais sem voto, de representação no conselho de administração e, indiretamente, de vetar a escolha dos auditores independentes através de tais representantes;

4. a garantia aos minoritários detentores de ações ordinárias da faculdade de venderem suas ações por preço ao menos igual a 80% do preço recebido pelos controladores, no caso de alienação do referido controle ou, opcionalmente, de receberem prêmio ao menos equivalente a diferença entre a quotação das ações no mercado e a totalidade do preço recebido pelos controladores quando tal opção for assegurada;

5. a imposição de um preço mínimo para a oferta pública em caso de fechamento do capital, com base no conceito de preço justo, a ser apurado em avaliação, segundo critérios previstos na lei e conforme venha a ser regulamentado pela CVM, que terá maiores poderes, inclusive para intervir no processo:

6. a possibilidade de, por deliberação da Assembléia Geral, serem resgatadas as ações em circulação no mercado, na hipótese de, uma vez efetivada a oferta pública para fechamento de capital, remanescerem em circulação ações representando menos de 5% do capital social;

7. a exigência imposta aos controladores de, caso aumentem sua participação em determinada classe de ações, de forma tal que venha a reduzir a liquidez no mercado das ações da referida classe abaixo de certo nível aceitável, como vier a ser definido pela CVM, formular oferta pública para aquisição das referidas ações por preço mínimo apurado em avaliação, nas mesmas bases do preço mínimo exigido para a oferta pública destinada ao cancelamento do registro de companhia aberta;

8. a ampliação da base de cálculo do dividendo obrigatório, não mais sendo permitida a exclusão de lucros a realizar, que doravante só poderão ser aplicados para reduzir o próprio dividendo obrigatório, na medida em que o valor desse dividendo seja maior do que o lucro realizado do exercício.

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