CANAL TELEVISIVO "KULTURA" COMO GHETTO PARA INTELIGENTSIA RUSSA

Há oito anos, por decreto do Presidente, foi criada na TV da Rússia o canal "Kultura" que com toda a liberdade da escolha dos programas não tem até agora alternativa. Pode-se apertar quanto quiser o botão de "remote control" em busca dum programa conceituado, pode-se entrar na rede televisiva via satélite e não encontrar no "prime time" nada de interessante, ou pelo menos algo útil para o conhecimento. Esta queixa vem, não raro, da inteligentsia russa e não só dela. Cadeias e programas televisivos não faltam - só que praticamente todos tem o mesmo semblante: as diversões e nada mais. Como observou o sociólogo e redactor da revista "Arte de Cinema", Andrei Dondurei, "a Televisão tem responsabilidade pelo estado actual de desenvolvimento mental, mas a maior parte dos trabalhadores da TV prefere virar as costas às tarefas socialmente importantes adiantando como argumento: a nossa tarefa é divertir a Nação e nada mais". A TV parece mais a McDonald"s com os seus alimentos insípidos e artificiais e - o que é ainda pior - nocivos não raro à saúde. A cozinha requintada está presente só no canal televisivo "Kultura".

Pelo prisma dos rankings, esta rede televisiva pode ser definida como absolutamente marginal, cujo auditório não chega sequer a 5 por cento se bem que os seus programas sejam transmitidos para todo o país. Mas a "Kultura" nem sequer se propõe o objectivo de aumentar o número de espectadores. "Diferentemente de outras redes de TV, a expansão nunca era objectivo em si da nossa cadeia", explica o apresentador do programa noticioso da "Kultura", Vladislav Fliarkovski. Afinal, no estrangeiro as redes televisivas análogas têm o ranking mais ou menos igual. Digamos, a cadeia franco-alemã "Arte" conta com 2-3 por cento de todo o auditório. Mas estes telespectadores são os mais benévolos mas exigentes. É justamente aquele auditório que não espera da televisão a manipulação da consciência, o endoutrinamento, o engano com telenovelas e histórias em série ou o palavreado vazio e sem sentido dos chamados "talk show", antes sim quer educação e elucidação. Para o director do Museu de Ermitage, Mikhail Piotrovski, o canal televisivo "Kultura" "é um milagre raro, é uma prova de que a TV pode ser também arte e não só um instrumento de diversão e propaganda". O director do Teatro de Ópera e Bailado Mariinski de São Petersburgo, Valeri Guerguiev, acrescenta à réplica anterior: "O canal televisivo "Kultura" faz parte da nossa vida. E este facto é sobremaneira importante, porque muitos de nós que vivem na Rússia do século XXI acreditam em imensos valores do acervo nacional de arte".

Hoje, parece quase idealismo esperar a educação da TV. Pode informar, pode inculcar, pode divertir, pode criar bom humor e mais nada: outras tarefas nem se colocam sequer. Na verdade, a liberdade de expressão nos mídia russos que por razões especulativas é negada no Ocidente cinge-se a uma só motivação que é comercial. Mostram, projectam e comentam o que se quiser: violência sangrenta, depravações, erupção de instintos e emoções animalescos, escândalos políticos e boémios. E quando o programa fica esgotado na sua essência, é retirado do horário televisivo por deixar de ser lucrativo. E neste carrossel fica esquecida uma verdade simples. "A liberdade de expressão como qualquer liberdade é uma coisa de elevada responsabilidade", observou um dos mais populares apresentadores do programa, Vladimir Pozner. Daniil Dondurei faz-lhe eco a dizer: "Toda a fraqueza do Primeiro canal reside, por exemplo, no facto de os seus dirigentes se permitem ganhar dinheiro em qualquer coisa". Chegou portanto a hora de colocar a sério a questão da responsabilidade dos canais televisivos por seus produtos que frequentemente em vez de divulgar a liberdade de expressão, encerram a liberdade de todos os valores sem excepção. É nisso em que consiste o problema e não em que a alguém lhe proíbem dizer algo na TV da Rússia.

Esta liberdade de todos os valores, este niilismo que contagiou muitos canais televisivos fez com que o auditório conceituado e inteligente se recolhesse a um ghetto. A cadeia "Kultura" é o único canal que apresenta os filmes velhos e bons dos grandes realizadores, discute e discorre sobre os factos históricos não em linguagem populista e diletante, mas sim em língua profissional e correcta, projecta espectáculos de ópera e bailado dos teatros mais célebres do mundo, faz excursões filmadas pelo Ermitage, Museu Russo, Museu de Belas Artes Pushkin e outros. A ideia de criar este canal de cultura pertencia ao violoncelista Mstislav Rostropovitch, ao filólogo Dmitri Likhatchev e ao escritor Daniil Granin. Os programas são dirigidos e apresentados por personalidades célebres e mundialmente conhecidas, como por exemplo o altista Yuri Bachmet, o escritor Viktor Erofeev (programa "Apócrifo"), a directora do Museu de Belas Artes Pushkin em Moscovo, Irina Antonova ("o programa "Quinta Dimensão").

São também os programas musicais sobre as obras primas clássicas, o romance russo, o jazz, as estrelas da música pop e rock, transmissões em directo dos concertos no Conservatório, performances das estrelas de ópera, reportagens desde exposições de pintura, monólogos de cientistas, artistas, escultores e pintores, os melhores filmes documentais de todas as épocas e nações. "O canal televisivo "Kultura" faz despertar o interesse da sociedade russa pelas ciências", afirma o físico Jores Alferov, Prémio Nobel. Uma série de programas refere descobrimentos científicos, a sua história e perspectivas. Por fim, a "Kultura" é a única cadeia televisiva que não transmite "spote" publicitários e é por isso que é tão apreciada por espectadores.

Um ghetto idílico, mas não deixa de ser um ghetto ao qual a TV comum fez expulsar a inteligentsia. A propósito, mesmo nesta área reservada começam já a penetrar os elementos da cultura agressiva das massas, o que se nota em particular pelo número crescente dos "talk shows" no canal. Ninguém sabe quanto tempo permanecerá sem alternativa a cadeia "Kultura". Pelo menos até agora não tem nenhum concorrente.

Olga Sobolevskaia comentarista RIA "Novosti"

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