Bailado sobre Rasputin gera controvérsia

O novo bailado "Rasputin", acabado de estrear no Teatro de Ópera e Ballet do Conservatório de São Petersburgo, provocou inúmeros comentários nos "mass media" da Rússia e gerou grande celeuma entre os meios intelectuais das duas cidades do país. O protagonista, cujo papel é desempenhado pelo bailarino Farukh Ruzimatov, apresentou-se no palco como uma figura trágica - algo entre Ivan, o Terrível e Savonarola. A santidade de Rasputin é mostrada de modo a não dar margem à dúvida, sobretudo no episódio em que o monge faz um exorcismo sobre o sangue do herdeiro do trono russo, o czarevich Aleksei, que padecia de leucemia. Esta cena não deixa ninguém indiferente.

O público russo não está habituado a uma interpretação tão audaz da história de Rasputin. Normalmente, considera-se que este monge da Sibéria foi um génio mau para a Rússia que surgiu em São Petersburgo para destruir a família real e fazer aproximar a revolta sangrenta dos bolcheviques. O impacto deste bailado escandaloso foi ainda maior por ter quase coincidido com a decisão do Concílio da Igreja Ortodoxa Russa (IOR) de não canonizar Rasputin, tal como exigia a ala mais ortodoxa da OIR.

Gerou controvérsia a figura dançante do Imperador Nicolau II, há pouco canonizado pela Igreja, juntamente com a imperatriz e toda a família, martirizada pelos bolcheviques. Em centenas de templos da Rússia existem ícones do czar mártir, orando com a família. Por isso, os saltos do bailarino Valeri Lantratov a desempenhar o papel do último soberano russo pareciam quase sacrílegos e o duo amoroso de Rasputin com a imperatriz beatificada foi visto quase como uma blasfémia. O encenador do bailado, o coreógrafo Gueorgui Kovtun, nem esperava outra reacção, declarando acreditar sinceramente na relação amorosa entre o favorito e a imperatriz Aleksandra Feodorovna. Se bem que os historiadores tivessem há muito provado que tudo isso não passou de uma invenção, mas a história posta a circular por numerosos inimigos e adversários de Rasputin, ainda no início do século passado, ficou gravada na memória dos russos.

"Mesmo nos tempos soviéticos, caracterizados pelo seu ateísmo agressivo, ninguém podia imaginar tal sacrilégio, ninguém se atrevia a profanar o nome do soberano Nicolau Aleksandrovitch e dos seus próximos e, ainda por cima, num espírito tão libertino. Este espectáculo pode ser um presente para os adeptos da festa diabólica de Halloween e, se calhar, não foi por acaso que coincidiu com esta data" - disse a respeito da estreia o monarquista russo e membro da redacção da revista Correio Imperial, Viktor Antonov.

O mais provável é o monarquista Viktor Antonov nem ter visto nem tencionar ver o espectáculo. Pois para ele para as pessoas da sua formação, o próprio tema já é abominável e, por isso, os critérios estéticos já não contam. Por mais genial que seja o bailado do coreógrafo Gueorgui Kovtun, por mais virtuosa que seja a performance do bailarino Valeri Lantranov, por mais expressivo que seja o solo de Lantratov ou a música do compositor Vladimir Katchessov, as críticas negativas são inevitáveis neste tema controverso. E o facto deste último ter sido laureado no concurso internacional de compositores Weber só vai encorajar as emoções negativas dos críticos.

A estreia do bailado "Rasputin" mostra que, apesar de a censura ter sido abolida formalmente, a maior parte da sociedade russa continua impermeável às inovações artísticas e, por conseguinte, assume voluntariamente o papel de censor.

Nesta situação controversa e difícil, a primazia da arte deve ser superior ao medo de ver um bailarino no papel do czar, uma vez que a arte é uma esfera de convencionalismos, é parte do Acordo Social sobre a possibilidade de representar a vida - quer no palco, quer na tela, quer por outra forma qualquer - em toda a dimensão do ser humano.

Numa altercação com o seu filho Tito Flávio, o imperador Vespasiano celebrizou-se como autor da famosa máxima: o dinheiro não tem cheiro. Pois agora, parafraseando esta frase de Vespasiano, pode-se dizer também: a música (e a arte, em geral) não tem cheiro.

Infelizmente, o bailado "Rasputin" é de certa forma vulnerável, uma vez que é um típico produto comercial. O espectáculo foi ideado exclusivamente para gerar receitas. Por exemplo, o guarda-roupa é composto por mais de cem peças! Para o fundo musical foram utilizadas as gravações do Grande Coro dos Cossacos do Don sob a direcção de Petia Khudiakov. Evidentemente, todas estas despesas têm que ser compensadas e a melhor forma de o fazer foi apostar em algo escandaloso. E para um bom escândalo não há figura melhor que a de Rasputin. Este nome sinistro é uma das "marcas" mais famosas da Rússia, como o vodca, o caviar ou o urso russo. É justamente por isso que este bailado ganhou logo todos os atributos de "Russian Brand". Para maior veracidade, forma adicionados ainda sinos a tocar, pessoas a rezar e, naturalmente, os ciganos.

Pelo espírito saiu algo muito parecido ao show exibido na taberna "Rasputin" aberta há relativamente pouco tempo numa das alas do Palácio de Yussupov, na margem do rio Neva, onde o monge foi morto. Não há nada como a morte para chamar a atenção!

Parece que os autores conseguiram o que pretendiam: o bailado surgiu rodeado de escândalo. Os primeiros espectáculos terão lugar na Ucrânia e depois em Moscovo.

Anatoli Korolev observador RIA "Novosti"

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X