Café com Pão

A vida tende a ser muito irônica. Trágica, este é o termo certo. Não, não há termo certo. Há apenas o termo: temor. Tremo. Penso que na sexta-feira da Paixão não há compaixão nenhuma nesta sociedade brasileira. Desse mato não sai coelho, sai é bala!

Ninguém mais se comove com o menino de treze ou quatorze anos que fala chorando ao repórter "eu queria ir p´ra casa mas vou ter que dormir aqui na rua mesmo porque se não levo tiro, moço!".

O próprio menino não se comove mais. O choro é de raiva e e medo. A consciência do fato, em si... Se o diabo do bandido não se apieda nem da moça grávida que estava ao volante, porque eu tenho que me apiedar da minha situação, moço? Quem é que liga pra mim?

Ninguém, não, moço, eu sou estatística, um dado que não interfere na vida de ninguém, é só apagar o número e reescrever o censo que tudo tá normal, não é?

Aqui em casa a Páscoa foi de chuva o final se semana inteiro. No Rio de Janeiro também. Na favela da Rocinha. Mas lá foi chuva de bala, granada, tiroteio. Rio de Janeiro. Rio de Sangue, em abril.

Coelho da Páscoa nessas horas, meu amigo! Faça-me o favor! Olha lá o rapaz com a cabeça machucada, e você vem passar essa história de renovação cristã?

Isso aqui é o inferno! Isso é que é! Não, não quero seu panfleto não, moça, Deus não anda merecendo mais o meu voto. Deixa eu escapar da bala, corre! corre!, depois a gente vê quem vai rezar...

E aí, então, para desconstrair, a televisão passa reality shows. A realidade deles é mais interessante que a de fora da janela. O mundo que se exploda, meu filho, eu quero é ver o que a fulana fofocou do ciclano para o beltrano.

Olha lá, tá vendo, ela tá fofocando com a sicrana... Bala perdida? É tudo pobre mesmo, é bom que assim limpa um pouco a região. Pobre é tudo bandido!

A televisão reflete nossos desejos. Fora dela, há de ficar nosso instinto. E é então que a tela focaliza bundas e seios e fofocas, e a janela do barraco é arrombada sob o foco da violência e desprezo pelo mínimo de humanidade que se relembre. Sim, porque humanidade mesmo não há mais: os próprios animais estão cada vez mais humanizados. Fazer o quê, né... Se não tem pirão pra mim, o outro que se exploda, né...

A solução é o muro. Pronto. Agora colocaram na cabeça de quem outorga: muro cercando as favelas. Simples. Primeiro você liberta os escravos. Escravos com liberdade, um conceito nas mãos, e mais nada. Aí começa a favela. Aí passam as décadas. Aí já são 60 mil pessoas numa favela: êxodo rural, pessoas do norte, do sul, gente que queria ser artista, viver no Rio, sei lá, pô, mas é gente! E agora, decidem assim, no meio do tiroteio: um muro!

Seria ridículo, se já não fosse tão desumano.

Tony R. M. Rodrigues [email protected]

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