EM AGOSTO-SETEMBRO DE 1943 TÓQUIO TENTOU CONCILIAR ESTALINE E HITLER

Há anos o Arquivo Nacional dos EUA tornou público o texto duma correspondência diplomática do Embaixador nipônico em Berlim, o tenente-general Hiroshi Oshima, encaminhada ao Ministério das Relações Exteriores do Japão. Esta nota foi interceptada e decifrada nos anos da Segunda Guerra Mundial pelos serviços secretos norte-americanos. Depreendia-se do conteúdo do telegrama cifrado que depois da derrota do exército alemão na batalha de Estalinegrado em 1943, o Governo japonês empreendeu tentativas de intervir como intermediário entre Moscovo e Berlim tendo em vista as conversações em separado sobre a cessação das operações militares na frente soviético-germana. O alto diplomata nipônico comunicava na sua nota que Adolf Hitler teria anuído a parar a guerra contra a URSS com a condição de que a liderança soviética lhe deixasse a Ucrânia. No comunicado da então agência noticiosa oficial soviética, ITAR-TASS, dizia-se que "a correspondência cifrada de Hiroshi Oshima não contém a resposta se tal proposta de facto foi apresentada a Moscovo".

Depois da catástrofe em Estalinegrado, em Berlim surgiu a ideia de indagar o posicionamento do Kremlin a respeito da conciliação com a União Soviética. E então quem assumiu esta tarefa de sondagem foram os japoneses, aliados da Alemanha nazi.

No início de Fevereiro de 1943, depois dos combates encarniçados, os contingentes nipônicos tiveram que deixar as ilhas de Guadalcanal (leia-se, ilhas Salomão). Este evento coincidiu com a capitulação das tropas alemães em Estalinegrado. Ao compreender que estas viragens no transcurso da guerra não eram a favor dos países do "Eixo", o Governo nipônico optou pelas manobras diplomáticas. Foi preparado o plano da mediação do Japão na organização das conversações de paz entre a Alemanha e a URSS. Segundo o estratagema dos japoneses, caso Moscovo anuísse a entrar em conversações, mesmo sem o compromisso de dar em trégua, o próprio facto dos contactos entre a URSS e a Alemanha devia semear suspeitas e desconfiança em relação ao Kremlin por parte da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Acontece que entre os três aliados da luta antifascista existia o entendimento para não entrar em conversações em separado com o inimigo.

Caso o estratagema nipônico tivesse êxito, os japoneses calculavam criar uma situação em que, depois de paradas as hostilidades na frente soviética, todas as forças da Alemanha poderiam ser concentradas contra a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Deste modo, os aliados anglo-americanos iam afrouxar as suas posições no Oceano Pacífico facilitando para o Japão mudar a situação nesta região a seu favor.

Em Janeiro de 1943 em Ancara (Turquia) foi realizada uma reunião dos dirigentes das delegacias de informação nipônicas na Europa que determinou que a tarefa fundamental destas agências consistia em fazer parar a guerra germano-soviética através do acordo entre a URSS e a Alemanha. Inteiraram-se disso os Estados Unidos que através do seu Embaixador na União Soviética levaram ao conhecimento de Moscovo que "os alemães têm feito notas insistentes ao Japão... O Japão teria respondido a estas com a pergunta: para que é que a Alemanha se meteu na guerra com a União Soviética e por que é que não tenta concluir a paz com a URSS e fazer dela o seu aliado".

Ao manifestar a sua preocupação com semelhantes manobras dos japoneses, o Presidente Franklin Roosevelt no seu telegrama de felicitações por motivo da vitória das tropas soviéticas em Estalinegrado, enviado a Iossif Estaline, achou necessário realçar a necessidade de "envidar todos os esforços e energia para causar a derrota final e definitiva ao inimigo e obrigá-lo a capitular". Na sua resposta o líder soviético manifestou a certeza de que "as acções militares conjuntas das forças armadas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética vão culminar num futuro próximo com a vitória sobre o nosso inimigo comum". Com esta fórmula Estaline deu a entender a impossibilidade de algum armistício com a Alemanha nazi.

O comunicado publicado a 1 de Maio de 1943 no jornal oficioso "Pravda", expondo a ordem do Comandante Supremo Iossif Estaline, dizia sem equívocos: "Todo o palavreado no campo dos fascistas sobre a paz só indica que eles estão em crise grave e profunda. Que paz pode haver com os bandidos imperialistas do campo alemão-fascista que inundaram a Europa de sangue e erguendo lá um autêntico matagal de forcas?".

Mesmo assim, em Agosto de 1943, depois da derrota contundente dos alemães na batalha de Kursk, foi convocada em Berlim mais uma conferência dos dirigentes das delegacias de informação nipônicas na Europa. Nessa altura no Estado-Maior do Japão já se duvidava quase explicitamente "a possibilidade de liquidar a União Soviética com meios militares". Os participantes da reunião em Berlim chegaram também à conclusão de que a Alemanha perdeu a guerra e que a sua derrota era só questão do tempo. Em Tóquio até que se comentava que, depois da vitória sobre a Alemanha fascista ou até mesmo antes dela, a URSS poderia vir em ajuda aos aliados e que, para terminar a Segunda Guerra Mundial o mais depressa possível, iria intervir contra o Japão. Por isso, os adeptos da conciliação entre a Alemanha e a URSS redobraram as suas manobras diplomáticas.

O Ministério das Relações Exteriores do Japão deu indicações à Embaixada em Moscovo para tentar levar a cabo a ideia das conversações pacíficas russo-germanas. Porém, quando a 10 de Setembro de 1943 o Embaixador japonês em Moscovo, Naotake Sato, tocou ao de leve, por indicação da Tóquio oficial, esta temática no encontro com o Comissário dos Negócios Estrangeiros da URSS, Viatcheslav Molotov, teve logo a resposta clara do alto diplomata: "Face à situação existente e nas condições de guerra, o Governo soviético considera absolutamente impossível o armistício ou a paz com a Alemanha hitleriana, assim como com os seus aliados e satélites".

Todavia, apesar do posicionamento rígido do Governo soviético a respeito da conciliação, um ano mais tarde o ministro militar do Japão, marechal de campo Hajime Sugiyama, e os da sua comitiva adiantaram de novo a ideia de intermediário nas conversações sobre o fim da guerra entre a Alemanha e a União Soviética alegando à mudança da situação a favor deste processo.

Na reunião do Conselho Supremo de Guerra convocada a 5 de Setembro de 1944, Hajime Sugiyama comentou de maneira seguinte as chances de o Japão assumir o papel de mediador: " Com base em dados proporcionados pelos serviços secretos, o Comando do Exército sabe que desde o início da confrontação com a Alemanha, a União Soviética perdeu mais de 15 milhões de vidas humanas e uma boa parte de recursos materiais sendo já cansada e esgotada pela guerra. Temos que somar a isso a conjuntura internacional em que se perfilam as contradições entre a URSS e a Grã-Bretanha no Mediterrâneo, na Europa do Sudeste, nos mares árcticos e em outras regiões. Tampouco se exclui a confrontação militar dos Estados Unidos e da URSS. Por outro lado, se bem que Hitler esteja desenhando a ofensiva na frente oriental, deve ter a consciência de toda a desvantagem da continuação das hostilidades contra a URSS. É justamente por isso que se oferece um momento favorável à missão mediadora dinâmica do Japão na conciliação da Alemanha e da União Soviética".

Todavia, o objectivo-chave da diplomacia de Tóquio não era tanto conciliar a Alemanha e a URSS, quanto mais demonstrar a Moscovo a sua boa vontade e, desta maneira, prevenir a entrada da União Soviética na guerra contra o Japão. No Kremlin tudo isto se compreendia bem.

Em 1944, a diplomacia nipônica prosseguiu na missão mediadora assumida, tendo adiantado a proposta oficial ao Governo soviético de acolher em Moscovo uma missão nipônica especial. Ao se aperceber do desígnio verdadeiro dos japoneses, os dirigentes soviéticos transmitiram ao Embaixador da URSS em Washington para informar o Governo norte-americano sobre todas as sondagens da diplomacia de país do Sol Nascente. O telegrama enviado por Viatcheslav Molotov ao Embaixador Andrei Gromyko e datado de 23 de Setembro de 1944, indicava a necessidade de levar ao conhecimento do aliado norte-americano que "o Governo soviético ciente de que a missão referida não tem no fundo esclarecer as relações entre a URSS e o Japão, quanto mais pôr mais em claro a possibilidade do acordo de paz em separado entre a Alemanha e a URSS, teve que rejeitar a proposta do Governo do Japão".

Anatoli Kochkin, Doutor em Ciências Históricas e Professor da Universidade de Estudos Orientais, para a RIA "Novosti"

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